Conversando Com Os Anjos escrita por glassmotion


Capítulo 12
Capítulo 12




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Capítulo 12

Rather give the world away

Than wake up lonely.

Everywhere and every way

I see you with me.

Crowd surf off a cliff,

Land out on the ice.

Crowd surf off to sea,

Float toward the beach.”

[Crowd surf off a cliff - Emily Haines]

~~

            “Gee, acorde,” veio uma voz macia. Gerard abriu os olhos rapidamente, para só então notar que seu corpo todo estava queimando. “Bom dia, querido.”

            Era Donna. Gerard piscou algumas vezes. Olhou pelo quarto e imediatamente notou que Frank não estava ali - seu coração pulou uma batida. Tentou chamar Frank dentro de sua cabeça.

            “Filho, nós precisamos conversar,” Donna foi dizendo, mas Gerard mal escutava. Os acontecimentos da noite passada invadiram sua mente como um tornado forte, ele havia tocado Frank, e eles... “Frank?” Ele chamou, não se importando com a mãe ali. “Frank!”

            Donna arregalou os olhos. “Gerard, o que-”

            “Frank!” Ele gritou mais alto. Pôs-se de pé, quase caindo em desequilíbrio - a maldita dor de cabeça tinha voltado, e com ela a dor na perna, e no estômago, e nas costas e na alma. “Frank!”

            Quando ele saiu do quarto, deu de cara com um homem num uniforme branco, mas passou por ele numa tempestade. “Frank?! Frank, isso não é engraçado, Frank!”

            “Gerard!” Donna veio correndo de dentro do quarto, tentando alcançar o braço do filho, mas ele mancava rapidamente pela casa, escapando da mão dela, unhas compridas arranhando seu braço.  

            “Frankie, por favor! Frank!” - Uma pontada forte no peito e Gerard caiu de joelhos, sua cabeça girando e doendo e ardendo e partindo.

            Donna se ajoelhou ao lado do filho, segurando os braços dele. “Gerard, Frank está morto...”

            “Não! Frank! Ugh-” Cada célula de seu corpo parecia estar em chamas, seus músculos sendo rasgados de dentro para fora. “F...”

            Gerard caiu de lado, sua visão embaçada, distinguindo apenas o vulto dos pais e de Mikey e do outro sujeito de branco perto dele. Donna segurou o rosto dele num frenesi, dizendo que Frank havia partido, mas Gerard repetia que não, não, não, não, não! “Frankie,” ele tentava chamar, mas sua voz não saía direito. Ele ouviu as pessoas perto dele conversando rapidamente, e tudo era um mar revolto de cores, de dor e de gritos, e Gerard tentava chamar por Frank outra e outra vez mas não conseguia, e Frank não aparecia, e a dor ficava mais e mais forte a cada segundo que passava.

            Donna estava chorando quando o médico aplicou uma injeção em Gerard, que fechou os olhos e se aquietou em questão de segundos. Mikey se encolheu contra a parede, encarando assustado o irmão, caído desacordado no meio do corredor, sedado como um animal após gritar pelo namorado morto no episódio mais assustador da mórbida casa dos Way.

*

            Gerard havia ficado sedado por quase nove horas. Quando ele acordou, o sol já estava fraco, deixando o quarto do garoto acinzentado e frio. Assim que ele despertou, sua mente gritava Frank Frank Frank FRANKIE, e o corpo dele parecia estar sendo devorado por pequenos vermes de fogo, ossos e músculos ardendo.

            Ele abriu os olhos lentamente, receoso de que alguém o estivesse vigiando, mas o quarto estava vazio. Não havia ninguém mais ali com ele, nem humano nem anjo. Gerard se forçou a sentar na cama. Viu um pedaço de esparadrapo em seu braço, provavelmente onde tinham enfiado a agulha da seringa cheia de sedativo.

            Gerard não sabia, mas ainda era para estar desacordado. Aquele sedativo tinha cerca de doze horas de eficiência. Mas o corpo de Gerard estava acostumado às substâncias. Ele tomava pílulas diárias que as continham há anos. O efeito passou mais rápido, quando ninguém esperava, e todos estavam longe quando ele acordou.

            Tal imprevisto não poderia ter vindo em melhor hora. Gerard estava convencido de que Frank não estava naquela casa. Podia sentir, em cada centímetro de seu corpo, que Frank não estava ali. Assim como o primeiro instinto do ser humano é respirar por sua vida, o instinto de Gerard era achar Frank pela dele. E foi isso que ele decidiu fazer no momento em que estava desperto o suficiente para pensar.

            Com extremo cuidado para não bater o gesso no chão e fazer barulho, Gerard foi até a porta de seu quarto e pegou o casaco pendurado atrás dela. Levantar os braços doía muito, assim como qualquer movimento que ele fazia com a cabeça. Decidiu não tomar remédios. Quando achasse Frank, a dor iria parar.

            Ele nem sequer abotoou o casaco, tampouco procurou calças. Saiu do quarto a passos leves e ouvidos afiados, lutando com sua vontade de correr, sabendo que seria preso novamente se fosse encontrado. Escutou vozes vindas da cozinha, por detrás da porta fechada. Apoiou uma mão em cada corrimão da escada, e usou-os como muleta, pulando de um degrau para o outro na perna boa.

            “Frank?” Ele chamou num sussurro, só para garantir. Não houve resposta, e Gerard fechou os olhos por um momento, tentando reprimir a náusea que seu estômago revolto estava lhe causando.

            Ele se esgueirou pelo corredor, tentando manter-se em silêncio, falhando apenas em reprimir os sons de sua respiração, pesada por conta da dor. Quando ele chegou à mesinha do saguão de entrada, tudo estava normal: a foto da família, o potinho com dinheiro trocado, um cinzeiro, três gatos de porcelana e as chaves. Gerard não hesitou antes de pegar a chave do carro da mãe, e sua pressa acabou derrubando um dos gatos de porcelana, que se estraçalhou no chão com um estalo. As vozes na cozinha pararam.

            Gerard saiu mancando o mais rápido que podia para fora da casa, seu gesso ficando inundado por dentro quando ele afundava o pé no gramado molhado. Abriu a porta do carro da mãe e pulou para dentro no momento em que ela apareceu à porta.

            “Gerard!” Ela berrou, pondo-se a correr em direção a ele, tropeçando nos saltos. Porém, ele foi mais rápido, e ligou o carro sem câmbio dela num segundo. Quando Gerard dobrou a esquina, a família (e Linda) estava toda no jardim, desesperados atrás de providências.

            Não tão desesperados quanto Gerard, entretanto. O garoto sibilava em dor, tentando respirar fundo, ao mesmo tempo em que respirar causava uma dor aguda em seus pulmões. Ele mantinha o pé no acelerador, girando a cabeça para todos os lados, caso Frank estivesse perdido pela cidade. Cada movimento da cabeça de Gerard fazia toda sua visão ficar embaçada e trêmula, e ele subiu no meio-fio quase dez vezes nos primeiros quarteirões.

            “Frankie, Frankie, Frankie,” ele murmurava sem parar, como se o nome do pequeno tivesse se tornado um feitiço, tal qual um Accio que traria o anjo de volta. Estava dirigindo muito próximo do volante, os olhos vermelhos muito arregalados, buscando desesperadamente pela figura que procurava.

            Gerard nem sequer percebeu que estava a caminho do parque. Não precisava mudar de marcha, portanto apenas mantinha a perna boa firme, o pé no acelerador, e suas mãos moviam o volante quase inconscientemente. Ele apenas notou aonde ia quando teve que fazer a curva da fábrica, onde parte de uma das paredes ainda estava enegrecida, onde a fumaça escura havia lambido os tijolos com as chamas que saíram do carro de Gerard no dia do acidente.

            “Frank!” Ele berrou o mais alto que podia, precisando ser ouvido, precisando de Frank bem ali naquele exato momento imediato, ou sabia que iria morrer. “Frank! Frank, onde você está?”

            Mas a estrada continuava vazia, cada vez mais escura e deserta.

            A garganta de Gerard começou a ficar apertada, e ele balançava o corpo em ansiedade desesperada. Tinha o lábio inferior entre os dentes quando seus olhos começaram a vazar lágrimas. Ele nem sequer percebia. Apenas olhava para todos os lados, imaginando que cada sombra no asfalto era seu anjo, mas não era, e ele continuou o caminho até chegar à parte onde havia o penhasco, e então ele puxou o freio de mão.

            As rodas se travaram bruscamente e o carro deslizou alguns metros sobre a grama molhada. Quando Gerard desceu do carro, precisou de todas as suas forças para se manter de pé, sentindo a dor em seu corpo ficar cada vez mais intensa e insuportável, sufocando-o em desespero.

            “Frank!” Ele gritou novamente, olhando para todos os lados. O vento estava forte, vindo do mar revolto, fazendo os cabelos de Gerard voarem em frente aos olhos dele, as pontas do casaco balançando e permitindo que o ar gelado açoitasse o torso pálido do garoto.

            ‘Eu queria ter o poder de confortar as pessoas.’

            Gerard precisava de conforto bem ali, naquele momento, conforto físico e espiritual, pois parecia que sua alma estava se debatendo dentro de seu corpo, lutando para sair, danificando cada pedaço disponível de carne ao seu alcance.

            O sol estava quase totalmente coberto pelas árvores detrás de Gerard, e o garoto olhava de um lado para o outro; o sol avermelhado, Nova York cinza e distante, o mar entre eles. Ele gritava o nome de Frank outra e outra vez, seu rosto cada vez mais molhado, sua cabeça em chamas nos mesmos locais de antes, coração parecendo muito rápido e muito grande para caber dentro de seu peito.

            “Frankie, por favor,” Gerard soluçou. “Por favor, Frankie, dói tanto...”

            Gerard caiu de joelhos, pequenos pedregulhos ferindo sua pele. Ele procurou no bolso do casaco pela camisa de uniforme de Frank, a qual ele pegou e levou ao rosto, e inspirou fundo, e balançou o corpo pra frente e pra trás, repetindo outra e outra vez uma prece interna para que Frank voltasse. E Gerard queria vomitar, e queria se deitar, e queria, acima de tudo, que Frank voltasse e fizesse aquilo tudo parar.

            Porém, por mais que ele chamasse e chorasse e implorasse, Frank não voltava.

            Gerard não queria mais aquilo. Não conseguiria. Não queria viver em dor, não queria viver incompleto. Pois Frank era uma parte dele, e uma parte importante. Gerard preferia desistir do mundo que desistir dele. Nunca, jamais poderia viver sem o sorriso doce, ou os olhos gentis, ou simplesmente a presença dele ali. Não queria e não podia viver daquela forma.

            ‘Eu queria poder voar.’

            Frank era um anjo. Ele não deixaria Gerard assim de repente, ele sabia que não. Tudo acontece por uma razão, Frankie havia dito, e Gerard sabia que tinha uma razão para aquilo também. Frank não havia simplesmente partido. Ele apenas tomou a frente, esperando que Gerard o seguisse. Sim, sim, era isso, ele queria que Gerard o seguisse para onde não havia dor ou falsidade ou Kevin ou maldades ou impureza e eles poderiam ficar juntos.

            Gerard teve que juntar suas forças para ficar de pé. O som das ondas se misturava ao do vento forte, e Gerard podia sentir a umidade que subia da água misturar-se com as lágrimas igualmente salgadas em seu rosto. Ele deu alguns passos determinados para frente e olhou para baixo. O véu de espuma banhava as rochas, lisas e brilhantes.

            “Eu estou indo, Frankie,” ele disse baixinho.

            Luzes vermelhas atrás de Gerard chamaram a atenção dele, e, por um segundo, ele achou que eram anjos - mas eram somente sirenes, vermelhas, vermelhas como o sol e vermelhas como o sangue de Frank, que Gerard havia matado e que havia se transformado em anjo. E anjos tinham asas, e Gerard sabia que Frank jamais o deixaria cair.

            Gerard sorriu contra o vento, que balançava seus cabelos, e seu casaco, e a camisa de uniforme que ele tinha em mãos. Abriu os braços e deixou o corpo cair para frente, pronto para deixar a dor e encontrar seu anjo. Ele abriu os olhos a tempo de ver as rochas se aproximando, e então tudo ficou escuro.


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Notas finais do capítulo

Lindezaaaaaaas tô correndo um pouco sem tempo pra responder as reviews, mas MUITO OBRIGADA!!!!! ♥333 penúltimo capítulo :) beijos



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