Scarecrow escrita por Narradora de Sonhos


Capítulo 1
Perseguida




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Já estava anoitecendo. Eu corria desde a manhã fugindo daquele que não podia ver, mas mesmo que não o visse eu sabia que ele estava ali.

      Estava perto. Muito, muito perto.

      Perto demais.

      Os campos de trigo onde corria desajeitada e apressadamente não ajudavam em minha fuga. Campos que seguiam muito adiante de onde meus olhos poderiam ver, para além do que minhas pernas poderiam aguentar. Tropeçava, caía... Não havia dúvidas que uma hora ou outra ele iria me alcançar, era só uma questão de tempo. Eu provavelmente não tinha mais chances, e eu sabia bem disso. Mas...

      Onde ele estava?

      Virei bruscamente a esquerda, seguindo em um zigue-zague desorientado pelo campo para tentar despistá-lo, apesar de saber que seria inútil. Corria. Corria, era só o que me restava.

      Corria, corria, corria... Onde estava ele?

      Parei bruscamente em algum momento perto do início da noite, de frente para o por do sol tão imenso e quente que eu quase podia tocá-lo. Parecia tão lindo...

      Mas foi então que o vi.

      Ao longe, longe até demais para ter tanta certeza de que era ele, uma cruz prendia uma figura desarticulada e imóvel por cordas velhas e sujas que logo deviam rebentar. Ele vestia trapos velhos claramente antigos; uma camisa quadriculada e uma calsa poída cheias de palha, o que dava quase a impressão que que era humano. O saco de estopa que formava sua cabeça deixava amostra pela parte de cima enormes fios daquela palha, quase que imitando um cabelo mal penteado. Seu sorriso imóvel e mal costurado na forma de um "U" deformado vinha de orelha a orelha, e os dois botões negros que formavam seus olhos eram escondidos pelo grande chapéu de palha tão velho quanto o resto dele.

      Era ele. Ele estava aqui.

      Ele havia me encontrado.

      O pânico percorreu minha espinha e meu corpo todo tremia, enquanto vislumbrava a silhueta daquela figura presa e imóvel que sorria sinicamente para mim. Os olhos marejados pelo medo e pelo desespero não lembravam como chorar, e as pernas tremiam na ânsia de que o resto do corpo respondesse ao seu chamado.

      "Corra! Corra!"

      Segui o que elas diziam na direção oposta com um grito engasgado na garganta. Gemidos baixos podiam ser ouvidos acompanhando minha respiração, claramente vindos do desespero e do medo que aquela situação me causava. As lágrimas começaram a brotar, principalmente quando parei bruscamente meu ameaço de escape e vi que ele agora estava bem a minha frente, não tão longe quanto antes.

     Meu corpo todo tremia, eu mal conseguia me mover aquela altura. Quando ele chegou lá? Quando? Seu sorriso me encarava divertidamente, aproveitando cada ponta de meu desespero com uma alegria anormal para um simples boneco inanimado. "Não... Não... Saia daqui,me deixe em paz..."

     Tentei os lados na mesma pressa e desespero que antes mas a figura dele sempre aparecia diante de meus olhos cada vez mais perto, não importava para onde eu olha-se. Soluços e lágrimas desesperadas inundavam minha face, e a tremedeira e o medo já estavam em um nível que meu corpo quase não conseguia agüentar. Porque ele me perseguia? Por quê?

      Dei para trás atormentada e receosa, para então tropeçar no meio do caminho enquanto me virava e cair aos pés de um grande tronco de madeira cravado no chão.

      Demorei a criar coragem para olhar. Meu corpo tremia e se desequilibrava só com a idéia de ver aquele rosto. Aquele rosto horrível...

      Mas algo que não entendi me fez erguer-me de joelhos e olhar para cima, para o rosto macabro de que eu tanto fugira. Para o rosto do qual eu não conseguira escapar.

      Lá estavam eles. Aqueles olhos. Dois grandes pontos escuros e profundos que agora olhavam para baixo diretamente nos meus ainda sorrindo, como dois abismos que estavam prestes a me engolir.

      Eu tremia, soluçava, gemia... Um grito desesperado e quase insano destrancou o nó que se prendia em minha garganta enquanto eu o via se desprender das amarras e cair em minha direção lenta e inanimadamente com os olhos arregalados e congelados naquela figura macabra que eu jamais iria esquecer.

      Era tarde, tarde demais.

      Eu já não podia fugir.  


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Notas finais do capítulo

Um pesadelo muito, muito antigo... Mas que até hoje me assombra.



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