My Way escrita por bel_a


Capítulo 1
My Way




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Ele pensa que eu não sei o quão aflito ele fica, interiormente. Tenta esconder e, admito, o faz muito bem, ainda que não imagine que nessa batalha de atuações sensatas eu sou o único vencedor. Mas, não, eu não me orgulho disso; em partes.

O engraçado é que isso acontece por razões contraditórias. É, na maioria das vezes, necessário, mas também pode atrapalhar bastante, trazendo infinitas interpretações desnecessárias. É o que acontece com ele. Eu sei disso; soube, aliás, desde a primeira vez que nos vimos, naquele inusitado domingo de fevereiro. Ele tentou ser o mais natural possível, mas uma das mãos, que segurava a taça de vidro preenchida com vinho branco, tremia quase imperceptivelmente. Isso não o impediu, entretanto, de agir comigo tomando cuidado ao sobrepor a própria espontaneidade - ironicamente -, excluindo o fato de eu ser o Hakuei; visualizando unicamente o Hirohide - ou Hiro, como o próprio e poucos me chamam (já que poucos o conhecem e reconhecem).

Acho que ele não faz idéia do porquê de eu guardar tão bem este dia. Não conseguiria dizer, de qualquer forma, mas a verdade é que eu não sei o que seria uma parte de mim sem o Ivanis, atualmente. Ivanis é como ele prefere que eu o chame, mas justamente para provocá-lo e vê-lo fazer aquele bico tipicamente infantil, não o faço em qualquer ocasião; a não ser, obviamente, enquanto estamos entre as quatro paredes de um cômodo.

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Ok, entre quatro paredes como dois conhecidos civilizados e na ausência de qualquer relação sexual; apesar de quê eu tenho uma puta vontade de transar com ele, admito. Porque, convenhamos, existe espanholinha mais adorável? Preciso lembrar de agradecer alguém lá em cima pela precisão na hora de dar vida aos latinos – e seus descendentes, no caso. Nesse sentido, eu sei que a impressão que eu passo não é das melhores, mas quem me conhece sabe muito bem em que parcela eu estou brincando e em qual estou sendo franco. O Ivan pensa que não, mas ele me conhece melhor do que muita gente. Ou é isso ou é o único que se preocupa em demonstrar esse conhecimento.

Não faz muito tempo, Gisho deixou o PENICILLIN. A minha reação perante a isso deveria ter a mesma base das atitudes cautelosas que eu manifesto, não apenas com a figura exótica que me fazia companhia no apartamento, como com qualquer outra pessoa. Desse tipo de ação eu deveria me orgulhar, porque, honestamente, já havia ficado muito puto, mas não gostaria nem deveria ter demonstrado. Ninguém precisaria ser o Ivanis para saber como o ocorrido estava me perturbando e estava sendo significativo. Foi estranho. Não digo surpreendente, afinal os sinais já se apresentavam há muito tempo, só que mesmo assim eu não consegui encarar os fatos com a naturalidade habitual. O PENICILLIN mudou a minha vida. A banda se definia como a mesma. Sem ela, eu teria alcançado nenhuma das outras coisas que consegui até hoje e tanto almejei um dia. Ver tudo se desestruturando assim foi uma porcaria, mas eu tentava me convencer de que era exagero da minha parte, sabe?

Eu não digo que me vi precisando de alguém a fim de preencher a espécie de vazio que aquilo me trouxe, pois, de certo modo, isso é comum e todos sabem que nem mesmo se eu não fosse o Hakuei fracassaria numa tentativa de personificar a mim mesmo como uma ilha. A situação muda completamente de figura quando você enxerga alguém precisando de você, talvez até mais do que você já se imaginou precisando de alguém. Eu sabia que Ivan precisava de mim. Percebi, após um certo período de convivência, que por trás daquele sorriso constante, existia um incentivo com o meu nome carimbado. Ele se tornou minha responsabilidade e, diferente das que geralmente esbarram o caminho de cada um abruptamente, foi uma das únicas que se entregou de modo tranqüilo. Ele precisava de alguém que zelasse por ele; eu precisava de alguém para cuidar. Parece simples, mas se não fosse o apoio dessa criaturinha, a revolta a respeito da desestruturação da minha primeira banda teria sido muito mais exposta, como, obviamente, não deveria.

Gosto quando ele me faz companhia aqui em casa. Após a freqüência de tais visitas ter se tornado cada vez maior, eu percebi que precisava de uma pessoa como ele comigo: absolutamente sincera, importando em nada a situação. Precisava de alguém que valesse por dez; que mesmo numa sobrecarga de compromissos alimentasse cada vez mais os próprios sonhos; alguém que deixasse a alegria escorrer de si mesmo, não se importando em despertar a inveja ou incômodo das outras pessoas; alguém que prezasse ser quem quer que fosse... Assim como eu. Porque nesses aspectos eu e Ivan somos assustadoramente semelhantes. Nesse sentido, eu consigo me orgulhar de mim mesmo e ainda transmitir parte desse sentimento para a admiração que eu direciono a ele.

Isso anda tão em falta hoje em dia. As pessoas querem que você seja como elas, exigem e padronizam, quando não são. O reflexo disso foi muito do que eu escutei de muitas delas, tempos depois de termos nos conhecido.

Eu odeio quando isso acontece. Sinto uma vontade colossal de esganar esses cretinos que julgam tudo pela aparência. As pessoas não são o que vestem e vestem o que, inferno, elas têm vontade; por elas mesmas e não por qualquer outro que apareça para criticá-las. Sei muito bem que o Ivan é mais do que apresenta ser; que é muito mais corajoso do que algumas pessoas fingem ser – e muitas vezes não são. Ele deve pensar que eu o acho um bobo – porque é exatamente essa imagem que os seres a sua volta têm o desprazer de passar –, mas eu espero que ele saiba o quanto está enganado nesse aspecto.

- Hiroo~ - lá vinha, então, a voz dele. Gostaria que ele soubesse o quanto aprecio cenas como essa. A capa do sofá desarrumada; as almofadas caídas sobre o tapete. – Esqueça a casa... Vamos fazer algo divertiiidoo~... Eu vou acabar dormindo antes de você achar que tudo está pronto para ser bagunçado de novo... – eu estava andando de um lado para o outro, fingindo concentração na arrumação de uma bagunça que ele mesmo fizera. Os DVD's espalhados; os porta-retratos com nossas fotos cheios de marcas de digitais denunciando a enésima vez que haviam sido observados.

- Viu~... - o moreno continuou resmungando - Você me ignorou de novo... Eu arrumo depois!... Eu arrumo bonitinho! Eu já sei que suas cuecas de bichinhos ficam separadas mesmo... - abafei um riso, e enquanto isso apanhava de cima da mesa de centro os últimos resquícios do vinho branco que ele tanto gostava.

Ivan sabia que eu o estava escutando, mas estava fingindo o contrário. O que ele não sabia, porém, é que eu não o fazia exatamente para me entregar às reflexões sobre ele mesmo. Pior: que eu o fazia, algumas vezes, porque não tinha a menor idéia de como responder às palavras de admiração que ele dirigia a mim, quando eu lhe dedicava toda a atenção. Havia levado a taça até a cozinha e quando voltei aproveitei aquele momento para encará-lo pelo canto dos olhos, ao mesmo tempo em que fechava a garrafa de Louis Latour e coçava o calcanhar com um dos pés descalços.

- Odeio quando você arruma a casa... - pela voz, ele parecia estar pegando no sono. O bocejo que veio em seguida foi uma confirmação a mais. Eu imagino que esta cena possa parecer atípica, mas não é. - Deveria deixar como eu... Vai sempre bagunçar mesmo...

Na realidade, isso soa bem familiar...

- Eu sou um urso, urso, ur... so...

...Como as vezes que ele pegava no sono sentado em cima do meu colo. Não era algo de se espantar, já que ele tinha uma facilidade imensa de pegar no sono estando em qualquer lugar, quase de qualquer forma. Quando Ivan dormia, costumava se assemelhar a um urso mesmo. Hibernava, de modo que ruído algum o incomodaria e indício nenhum de movimento era notado. Eram momentos como aquele que eu via como uma das coisas mais valiosas para mim. Apenas com cada um deles eu percebia como seria difícil estar sem ele; e o quão primordial se tornou a existência de uma só pessoa na minha vida.

- Hi... ro...

Quando eu o encarei, finalmente, já havia fechado os olhos, mergulhando no seu próprio mar do inconsciente. Não sabia o que ele estava pensando, mas ironicamente fazia idéia do que se mantinha em seu interior; o que vinha do coração, mais especificamente. Me sentia culpado pela angustia que ele sentia em saber praticamente nada sobre a minha opinião a seu respeito, assim como eu me sentia responsabilidade dele como ser humano. Mas eu espero que o Ivanis compreenda que a minha ausência de manifestações quando ele pronuncia o meu nome ou qualquer outra coisa não é um mero reflexo de hipocrisia. Espero que ele saiba e que valorize as raras exceções em que eu demonstro alguma coisa por ele - ainda que discretamente - pois eu penso que é justamente dessa maneira que cada segundo na vida de nós dois tendem a valer mais a pena.

E mais, muito mais do que isso, eu apenas faço isso do meu jeito.(¹)


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Notas finais do capítulo

Março/2009

(¹) “And more, much more than this. I did it my way”; título e referência à música My Way, escrita por Paul Anka & Frank Sinatra (cantada pelo próprio Sinatra), cujo cover foi feito por vários artistas, inclusive o próprio IVAN.



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