O tempo estava nublado e o clima estava realmente frio no Rio Grande do Sul, mesmo não sendo inverno. As ruas estavam desertas e já eram quase 20h00min quando eu cheguei em casa e me deparei com três pessoas me olhando fixamente, com um olhar sério. Eram minha mãe, meu pai e minha irmã. Deu para perceber que eles estavam conversando antes de eu chegar, pois quando eu entrei porta a dentro o silêncio dominou a sala e só o sorriso forçado da minha irmã apareceu no meio dos três que estavam sem reação.

        Minha mãe e meu pai só ficavam reunidos assim quando eu havia feito algo muito grave, e que eu me lembre, não fiz nada sério essa semana. Minha rotina foi “escola, comer e dormir”. E afinal, o que a minha irmã, Maya, estava fazendo ali? Ela nunca fazia parte dos sermões que minha mãe me dava! A menos que estivesse envolvida neles...

        - Ér... Oi? – Disse confusa. Revirei os olhos e atirei a minha bolsa e o meu casaco no sofá, dei alguns passos a frente e ainda assim os três continuaram em silêncio, até que minha mãe se pronunciou antes e falou:

        - Bela, precisamos conversar. – Ela parecia que queria acabar logo com aquilo e estava com a expressão séria. Se ajeitou na cadeira onde estava sentada e cruzou as pernas.

        - Ok. Fale. – Me sentei no braço do sofá, de modo que ficasse de frente para todos eles. Tinha certeza que não tinha feito nada de errado, pelo menos esse mês, então não estava preocupada sobre o que eles iriam falar, mas do mesmo jeito prestei atenção.

        - Você lembra da viagem que sua irmã iria fazer, certo? – Ela fez uma pausa e olhou para Maya. Eu e meu pai fizemos a mesma coisa, mas minha irmã continuava olhando para os seus pés, e parecia não querer nos encarar, fazia de tudo para não levantar pelo menos um pouco da sua cabeça. – Nós fomos até a agência de intercâmbio hoje e eles falaram que como Maya ainda não tem idade suficiente para este intercâmbio, precisa de um acompanhante na viagem.

        Depois dessa frase, o silêncio voltou a reinar na sala. Aquele momento estava tenso. Meu pai olhou para mim, para minha mãe, e para minha irmã, como viu que ninguém ia dizer nada, resolveu acabar com tudo isso e ir direto “ao ponto”:

        - Você vai viajar junto com a sua irmã, Bela. – Nesse momento todos viraram seus rostos, não querendo ver qual seria a minha reação. Na verdade, eles já sabiam que eu ia gritar e xingar todos eles, porque viajar era a única coisa que eu queria nesse momento da minha vida. Mas afinal... Maya era apenas um ano mais nova que eu! Qual a diferença ia fazer se eu viajasse junto com ela? Eu não ia ser como um segurança para ela. Não deixar ela ir em festas, me certificar que ela fez toda a sua lição de casa, estudou, e etc... Eu sou apenas a irmã dela, ainda não sou mãe de ninguém! É claro que eu queria fazer intercâmbio, mas não agora. Neste ano eu estava fazendo amigos, indo bem no colégio, e tudo estava se acertando. Mas agora... Mas agora eu tenho que viajar com Maya, por que ela precisa estudar fora!? Eu simplesmente surtei. Minha irmã sempre foi muito diferente de mim, e nós duas nunca fomos muito amigas. Sempre provocávamos umas as outras, e isso era realmente cansativo! Mas minha mãe não iria conseguir mudar isso com uma viagem para Londres por 3 meses! Esse era o nosso jeito. Eu e Maya nunca iríamos nos dar bem.

        - MAS O QUE!? VOCÊS NEM ME PERGUNTARAM SE EU QUERIA OU NÃO E JÁ SAEM COMPRANDO PASSAGEM PARA MIM!? – Gritei e me levantei do braço do sofá, indignada. Eu sempre fui meio rebelde, mas também nunca fiz nada demais para que eles me mandassem para um país completamente diferente, que eu não queria ir!

        - Bela, é só por três meses! É pelo bem da sua irmã! – Minha mãe tentou se explicar e fazia gestos com a mão. Ela também levantou do banco de onde estava sentada e veio em direção a mim. – Compreenda, por favor, sua irmã faria a mesma coisa por você.

        - Faria a mesma coisa por mim!? Conta outra piada porque essa não teve graça, né. – Gritei e fingi uma risada irônica. – Eu não quero mais ouvir vocês por hoje! – O meu pai e Maya continuavam sentados como se não estivessem ouvindo ninguém, só a minha mãe insistia em discutir comigo.

        Me virei rapidamente, peguei minha bolsa que estava atirada no sofá e fui correndo até a porta, antes que alguma delas pudesse me impedir. Sai correndo dali de dentro e ainda podia ouvir a minha mãe gritando comigo. Mas eu não queria conversar sobre isso, não agora.

        Por sorte a casa de Alexa, minha melhor amiga, ficava bem perto minha, então poderia ir andando até lá. Estava pensando em dormir lá, mas não iria dar certo, teria que voltar para casa querendo ou não. Se eu não voltasse e não avisasse minha mãe para onde eu iria, seria capaz dela chamar a polícia para me procurar. Ér... Minha mãe as vezes parece meio louca.

        [...]

        - Finalmente você abriu a porta, Alexa! – Falei em alto tom de voz enquanto já ia entrando na casa de Alê, mesmo sem pedir licença. – Precisamos conversar! E é urgente!

        - Sobre a viagem? Eu já sei. – Ela respondeu sem mesmo eu precisar contar nada. Como ela sabia!? Sentei-me no sofá, coloquei minha bolsa no chão e esperei que ela continuasse a sua frase. – Acho que você não está sabendo, mas eu vou junto com vocês duas para Londres.

        Ela abriu um grande sorriso e eu fiquei de queixo caído, simples assim. Fiquei a encarando por uns segundos e ela também me encarou, só que com os olhos brilhando de alegria, ao contrário de mim. Então quer dizer que Alexa também estava metida nesse intercâmbio!?  

        - Como assim? Me explique isso! – Perguntei meio confusa. Minha mãe não havia me explicado essa parte. Acho que essa viagem poderia melhorar com Alexa junto... Eu estava com medo de ir sozinha, mas Alê é quase uma irmã para mim, não teria problema se ela estivesse junto comigo.

        - Hoje minha mãe me chamou para uma conversa e falou sobre isso, mas disse que você só ia saber de noite... Acho que já descobriu, não é? – Alexa deu um pequeno sorriso e se atirou no sofá como eu.

        - Pelo menos uma coisa que preste nessa viagem. – Reclamei e revirei os olhos. – Estava quase surtando porque pensei que teria que ir sozinha com Maya. – Fiz uma cara de nojo e nós duas rimos. Todos sabiam que eu e minha irmã nunca gostamos uma da outra, é só olhar para as nossas caras quando uma está junto com a outra.

        - A viagem é ainda nessa semana, né? – Alê perguntou. – Preciso fazer as malas.

        - O que!? Nem disso eu sabia! – Disse indignada. Não podia reclamar, já que não deixei nem a minha mãe falar a data da viagem, mas também nem queria saber de nada enquanto estava naquela casa! – Acho que preciso arrumar minhas malas então...

        Levantei-me do sofá, peguei a minha bolsa e fui andando até a porta. Não havia nem cumprimentando a mãe de Alexa, mas já teria que ir embora. Já estava tarde e ainda precisava esclarecer esse assunto do intercâmbio com a minha mãe.

        - Alê, acho que já vou indo. Só queria comentar isso com você. – Falei enquanto abria a porta, nem mesmo esperando Alexa fazer isso. Eu já era quase irmã dela, então não fazia muita diferença... Eu já era de casa.

        - Hã!? Mas você mal chegou e já vai indo embora? – Alexa perguntou e veio até mim.

        - Era só para falar isso mesmo, tenho que ir agora! – Disse e me virei, deixando Alê parada na porta.

 [...]

        Caminhei lentamente até a minha casa, quase me arrastando, não queria chegar lá e ouvir a minha mãe e meu pai gritando em meus ouvidos falando do quão importante essa viagem seria para mim. As ruas estavam ainda mais desertas do que quando eu estava chegando na minha casa e o frio ainda ficando cada vez mais intenso.

        “Droga, esqueci o casaco!” – Pensei comigo mesma. Fiquei esfregando as minhas mãos nos braços, tentando dar um jeito de ficar com menos frio, mas não adiantava. Teria que passar frio até chegar a minha casa.

[...]

Quando cheguei em casa, só minha mãe continuava presente na sala, sentada no sofá. A televisão estava ligada, mas ela parecia nem estar assistindo o programa de culinária que estava passando. Do mesmo jeito dava para ouvir a música que minha irmã estava ouvindo no seu quarto.

       - Ei mãe, eu aceito. – Falei quase sussurando. Cheguei mais perto dela, e me aconcheguei no sofá. Ela me olhou com um olhar confuso e perguntou:

        - Aceita o que?

        - A viagem, ué. – Respondi e forcei um sorriso.

        - Obrigada por nos compreender, Bela. – Ela disse e também abriu um sorriso, mas muito mais verdadeiro do que o meu. Me abraçou e depois de alguns segundos me soltou.

        Subi as escadas correndo, entrei no meu quarto, fechei a porta, sorri e pensei:

        “É hora de arrumar as malas!”