All Because Of You escrita por ThequeenL


Capítulo 2
II




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Olha a porta na qual antes tristeza havia

E fecha a janela por onde o vento passa

Lá vem o sol de maneira tardia regar o pranto

De modo a criar um novo desfecho, um novo começo, um novo lugar.



Eu não devia ter vindo. Devia ter descartado essa idéia maluca de viajar até um país desconhecido em busca de pessoas que claramente não querem ser contatadas. Não devia ter feito as malas. Não devia ter trancado a faculdade. Não devia ter entrado nesse avião. E agora é tarde demais para pular fora. Como sempre, percebi tarde demais.

Franky segura minha mão enquanto dorme na poltrona da janela, mas ainda me sinto sozinho. Alo e Mini estão no banco da frente tentando fazer Lucy parar de chorar, e Liv e Nick estão fazendo palavras cruzadas sobre famosos em uma revista qualquer. Ainda não acredito que eles estejam todos aqui dentro por minha causa. Não só pelo preço, mas pelo tempo que vamos ficar na Suíça. Nick pediu a casa de praia de um amigo emprestada por todo o verão, e são dois meses inteiros. Pelo menos é época de férias, e ninguém tinha muitos planos para essa temporada. De todo jeito, é muito da parte deles se deslocarem de tal maneira. Agradeço em silêncio enquanto conto as nuvens lá fora. A música que sai pelos meus fones de ouvido é tão baixa que custo escutá-la, mas não posso aumentar o volume ou irei acordar Franky, e pelas manchas roxas em seus olhos posso dizer que o sono tem sido raro. Sei bem como é. Então não sou o único que passa noites em claro por causa daquele acidente.

Acho que nunca conversamos direito sobre aquele dia. Eu não espero que nada mude, e ela vive esperando por uma oportunidade de consertar as coisas. Aposto meu cd de Napalm Death que ela quem sugeriu esta viajem. E mais, aposto meu coturno que ela quem pagou todas as passagens. Li recentemente uma matéria sobre ela no jornal, têm feito muito dinheiro com as animações, e seu último curta ganhou três prêmios no ano passado. Acho que de todos nós é a mais promissora, financeiramente dizendo, claro. Psicologicamente dizendo somos todos igualmente fodidos.

O desembarque foi confuso. Nenhum de nós conseguia se comunicar com nenhum atendente, talvez porque estávamos todos chapados. Nota mental: nunca mais fumar no banheiro de um avião. Quase fomos pegos pela polícia suíça, e tivemos que esconder o resto da droga na mala de roupas da Lucy, porque ninguém nunca revista o bebê. Enquanto corríamos pelas escadas rolantes do aeroporto, senti como se tivéssemos voltado quatro anos atrás. Talvez ainda fôssemos as mesmas pessoas, lá no fundo, em algum lugar.

A casa do amigo de Nick ficava a milhas do aeroporto, e pegamos carona com um caminhão de vinhos que ia para um chateau próximo à propriedade em questão. Lembrei do inicio da viagem de Marrocos e teria começado a chorar se a droga não tivesse provocado uma crise de riso geral. Alo roubou algumas garrafas e o motorista ficou desconfiado. Fomos obrigados a seguir metade do trajeto a pé, eu levando Lucy nas costas. Assim que chegamos fomos todos descansar, menos eu, que fiquei na cozinha escura esperando dar a hora certa. Só depois das onze é que ela aparecia.

A Grace das minhas alucinações estava sempre vestida de noiva, com flores no cabelo e sapatos de balé. Durante meus devaneios diurnos ela se mantinha calada, mas quando a noite caía, a miragem costumava dizer algumas palavras. Ela passou pela porta e ligou o interruptor. Tinha nos lábios o mesmo sorriso da noite passada.

“Você está bem longe de casa, não é mesmo Rich?” Ela me disse enquanto se sentava no balcão. Dei um trago no cigarro para me certificar de que a visão não passaria tão rápido.

“Acha que eu não deveria ter vindo?”

“Ao contrario. Temia que você nunca viesse.”

“Não sei como seu pai irá reagir. Ele vê muito você?”

“Ele me vê quase o tempo todo, mas não alucina mais.” Ela explicou.

“Mas como isso pode acontecer?” Franzi a sobrancelha. Ela caminhou até mim e tocou minha boca com as pontas dos dedos. Quase fui capaz de sentir seu toque.

“Rich, você sabe a diferença entre o que você cria e o que é real?” Ela me perguntou. Encolhi os ombros e ela deu uma gargalhada sonora antes de continuar

“Você é tão adorável, Rich. Você não mudou por um só momento. Estou muito emocionada hoje, mas prometi que não iria chorar.”

“É pelo seu aniversário? Devíamos ter comemorado melhor, eu sei, mas eles me pegaram de surpresa com a viagem.”

“Não, não por isso. Uma coisa ainda mais maravilhosa! Está chegando o dia de você acordar.”

“Mas eu estou acordado agora” Repliquei. Ela me olhou séria e começou a chorar. Odeio essas oscilações de humor femininas. Pensei que tivesse dito que isso não aconteceria

“Desculpe-me por ter feito você esperar tanto. Agora está bem perto, eu juro. E então você poderá viver outra vez”

“Você não está dizendo que vai embora, está?” Perguntei em pânico. Ela me beijou e disse com as mãos em meu rosto

“Não Rich. Eu finalmente ficarei onde devo estar. Esta é a última noite em que te visito assim. Olhe para mim. Eu quero que você seja forte, está bem? Você promete?”

Tentei segurar seus pulsos, mas fechei as mãos sobre o nada. Ela não tinha o direito de me pedir aquilo, e eu não tinha condições de cumprir tal promessa.

“Você não pode me deixar” Eu sussurrei já chorando

“Escute Rich, você é quem não pode me deixar. Existem muitas coisas que você não entende e que eu não seria capaz de explicar no momento. Mas por agora é o que posso dizer, enquanto ainda me lembro. Eu não serei capaz de passar por tudo se você não jurar que será forte, até o fim.”

Senti um vazio enorme no peito, o ar se esvaindo de meus pulmões lentamente. A última vez que me senti dessa forma foi em nossa última conversa pelo telefone, quando percebi que nunca mais iríamos nos falar.

“Por que isso está acontecendo comigo?” Perguntei em voz alta enquanto soluçava. Grace deixou cair uma lágrima e esboçou um meio sorriso. Levantou na ponta dos dedos e sussurrou em meu ouvido

“É tudo por nós, Rich. Eu te amo, por favor, lembre- se disso.”

“Eu te amo, Grace” Consegui responder antes de ela sumir e minha voz falhar.

Passei três dias na cama, sem conversar com ninguém, sem tomar nem um café. Eles revezavam as idas ao meu quarto e tentavam me tirar de lá, sem sucesso. Liv me trouxe LSD e fiz o possível para ver Grace de novo, mas ela estava falando sério. Eu teria uma overdose antes de conseguir materializá-la novamente. Ela agora era apenas a imagem muda que aparecia imóvel como um quadro na parede. Eu conseguia me lembrar dela, sem mais criar diálogos ou vê-la em movimento. Tortura física seria menos dolorosa.

No quarto dia Franky entrou e abriu minha janela. Disse-me que não tinha sido para isso que tinham me trazido até aquela cidade e que tinha alugado um carro para me levar até o hospital onde Grace ficara internada. Não movi um músculo e ela me arrastou até o chuveiro, depois me vestiu em roupas apresentáveis, penteou meu cabelo e me enxotou para dentro do carro. Eu não liguei, pois não estava realmente sentindo nada. Pelos meus cálculos ficaria anestesiado até por volta do meio dia, só então poderia ser que a vergonha chegasse.

Não tive coragem de entrar na clínica. Faz quatro anos desde que entrei em um hospital. O cheiro me faz lembrar dos aparelhos apitando, dos tubos e mais tubos em suas veias, de quando imaginei que ela tivesse acordado. Franky me disse que eu precisava fazer aquilo, destravou meu cinto de segurança e abriu a porta. Fiquei parado olhando os botões do rádio de bordo, e ela acabou indo no meu lugar. Voltou dez minutos depois com os lábios apertados.

“Eles disseram alguma coisa?” As primeiras palavras que emiti em dias. Ela não tirou os olhos do pára-brisa, trancou as portas e pisou no acelerador.

“Rua Foxsheet, número 74” Foi só o que ela respondeu.

“Eu não estou preparado para isso” Alertei, começando a sentir um formigamento nas mãos

“Eu sei” O carro agora estava a cento e vinte por hora

“Você também não está preparada para isso, Francesca” continuei no intuito de fazê-la parar. Ela deu uma freada brusca no carro e começou a gritar

“EU SEI, RICHARD, EU SEI DISSO! EU SEI QUE NÃO ESTAMOS PREPARADOS PARA ISSO, MAS DEIXE-ME TE DIZER UMA COISA, A GENTE NUNCA VAI ESTAR” Ela olhou pra mim enquanto parava o carro. Remexeu nos cabelos, tirou a chave da enguinição e cruzou as pernas no banco, virando-se para me encarar. Sua voz agora estava mais controlada

“Você tem medo que eles não queiram te ver. Tem medo que eles te culpem pelo que aconteceu com ela. Bem, você ainda pode ficar com a dúvida, mas eu sempre terei a certeza de que fui a responsável por tudo. Mesmo que todos digam que está tudo bem, que não foi minha culpa, eu sei que nada teria acontecido se eu não tivesse entrado naquele carro estúpido daquele babaca. Podem ter prendido o Matty por isso, mas quando ninguém mais está vendo, nós sabemos a verdade”

“Eu já disse que não te culpo por nada”

“E é exatamente por isso que eu não consigo respirar! Porque eu deveria ser punida de alguma forma. E o seu perdão dói mais que cem facas, Rich. Isso nunca irá funcionar de novo, você percebe? Eu nunca mais irei funcionar enquanto você não surtar, enquanto você não extravasar tudo o que tiver entalado aí dentro. Essa porra de viagem vai ter sido por nada se você não voltar pelo menos um pouquinho menos fodido. Se eu pudesse trazê-la de volta você sabe que eu traria, mas como não há saída, o máximo que eu posso fazer é tentar te ajudar com o que restou.”

Assim que terminou de falar, Franky escondeu o rosto com as mãos entre os joelhos, e eu percebi o quanto eu estava puto da vida. O quanto eu estava furioso com ela todo esse tempo, culpando-a secretamente, escondendo até de mim mesmo o que pensava sobre aquilo. Olhei para o céu, estava claro. Abri a porta do carro, desci e fui para o lado do motorista.

“Eu dirijo” Ordenei. Ela escorregou para o banco do passageiro com os olhos arregalados e ficou encolhida enquanto percorríamos um novo trajeto. Eu não fazia idéia de onde estava nos levando, mas uma hora saberia onde parar.

A estrada nos levou até um campo onde se criavam ovelhas. Saí do asfalto e desliguei o carro. Fomos nos sentar em baixo da copa de uma árvore próxima. O silêncio durou mais de trinta minutos, e pelas respostas do meu corpo e pela posição do sol já se passava do meio dia.

“Você não devia ter entrado naquele carro com aquele cara” Admiti por fim aquilo que estava arranhando minha garganta. Ela começou a chorar desesperadamente e me abraçou, em prantos.

“Desculpe, me desculpe” Ela repetia sem parar. Eu chorava quase mais alto que ela.

“Vai ficar tudo bem uma hora, eu acho” Tentei nos confortar

“E quanto falta pra essa hora chegar? O que a gente vai fazer Rich? Dói demais. Tenho vontade de gritar até perder a voz”

“Talvez seja isso que devemos fazer” Disse. Ela me olhou cheia de dúvida, com a cara inchada e soluçando sem parar. Fiquei de pé enchi os pulmões e gritei. Gritei bem alto enquanto as lágrimas rolavam por minhas bochechas vermelhas. Então estendi a mão para que Franky se levantasse, e ela gritou junto comigo. Ficamos gritando até entardecer. E o buraco que estava em meu peito pareceu-me um pouco menor depois disso.

Quando voltamos para o carro nossas vozes estavam tão roucas que mal conseguíamos nos comunicar, estávamos rosados de tanto esforço, e rindo ininterruptamente. Pedi a ela que me levasse até uma padaria antes de voltar para casa, queria comer cookies iguais aos que Grace comprava. Franky ficou me esperando no carro com o som no último volume enquanto eu entrava na loja e tentava escrever para a atendente o que queria, já que minha voz não estava saindo. Ouvi uma buzina estridente do lado de fora e olhei pela vitrine, onde o carro estava estacionado e Franky apontava desesperadamente para o outro lado da rua. Olhei na direção indicada e senti todos os meus ossos virarem gelatina. Parada do outro lado da rua, esperando o sinal fechar, estava uma menina de vestido azul e cabelos cacheados, com uma mochila de lado e sapatinhas de balé. Era a minha menina.



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Notas finais do capítulo

tá, ficou o cúmulo da confusão, mas pretendo dar sentido às coisas mais tarde.Espero que gostem, apesar de tudo