Got My Heart In Your Hands escrita por Julia


Capítulo 180
Eu não sou nada se eu não tiver você


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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David’s pov

Era tão bom ver a família feliz e reunida... Eu simplesmente adorava isso, e ouvir a vozinha de Lennon me chamando de papai... Melanie também me chamava de papai, e isso era incrível.

Depois do café, fomos ao zoológico. Pierre pegou o seu carro e dirigiu cuidadosamente, enquanto Melanie e Lennon falavam sem parar no banco traseiro, sentada na cadeirinha correspondente.

Fui olhando a rua, que estava movimentada. Trânsito engarrafado, um verdadeiro caos. Levamos muito tempo para chegar ao zoológico, sendo que era muito perto de onde morávamos, mas enfim chegamos.

Meu interesse no zoológico eram apenas as zebras... Eu sou apaixonado por zebras desde criança, e meu sonho sempre foi poder tocar em uma. Pierre gostava das girafas, não sei o motivo. Ele diz que as pintinhas delas são interessantes... Vai entender essa loucura.

Quando entramos, fomos ver as araras... Lindas, perfeitas, incríveis... As cores são fantásticas, adoro essas cores vivas, como o azul e o vermelho. Lennon colocava o dedinho na grade toda hora, mas Pierre tirava, pois a arara podia bicá-la, já que estava tão próxima.

Tiramos foto da arara, e depois seguimos nosso caminho... Vimos muitos animais. Girafas, rinocerontes, elefantes... Eu até fiz uma brincadeira.

─ Olha, Pierre, aquele elefante parece você. É algum parente seu? - Ri.

─ Sim... Meu sogro. - Pierre respondeu sério.

─ Ah, qual é...

─ Fazer piada com os outros é bom, né? Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

─ Ok, não brinco mais.

─ Ih, ficou bravinho? Quem começou foi você.

─ Nem estou bravo, seu bobo... Vamos logo ver as zebras.

─ Calma, ainda nem encontramos.

Andamos, andamos, andamos... E finalmente encontramos a zebra.

─ Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh! - Gritei. ─ Zebras!

─ David, menos... - Pierre estava envergonhado.

Ignorei e saí correndo. Peguei um pouco de amendoim que Melanie havia comprado e joguei pra zebra, e ela comeu na minha mão. NA MINHA MÃO. TEM NOÇÃO DO QUANTO ISSO É IMPORTANTE PRA MIM?

Meus olhos se encheram d’água, e estavam brilhando muito... Para Pierre, eu estava sendo meio idiota, mas pra mim, era uma emoção e tanto poder tocar em uma zebra.

─ Que linda! - Disse.

─ Podemos ir? - Ele já estava ficando entediado, eu sei.

─ Não. Eu quero levá-la pra casa.

─ Você não pode levar uma zebra pra casa, David... - Ele revirou os olhos.

─ Eu sei, né... Mas se eu tivesse a oportunidade, eu levaria.

─ Você que limparia o cocô dela... Deve feder muito.

─ Pierre!

─ O que? Eu disse cocô, não mer...

─ PIERRE! - Exaltei.

─ Que foooooooooi? - Ele gritou.

─ Para de falar essas besteiras na frente das suas filhas. Você não tem educação? - Ele abaixou a cabeça.

─ Desculpa.

─ Uhnf. Vamos embora.

Eu me despedi da zebra... Foi difícil, mas tudo bem, consegui. Foi um dia muito legal, mesmo Pierre dizendo algumas bobagens. Eu até entendo que ele não consiga ficar um dia sem dizer essas coisas, mas de qualquer forma, foi divertido.

“Queria te dizer que… – Hoje fiquei o dia todo procurando as palavras certas pra dizer, pra dizer o que eu sinto. Eu não queria escrever um texto extraordinário, queria mesmo um daqueles bem clichês. Tipo os que dizem eu te amo, inúmeras vezes. Queria também que assim que você começasse a ler, pensasse ‘Isso é pra mim!’, pedi então um conselho pra Deus, é nos meus pensamentos eu pedi. Pedi que ele me mostrasse um jeito certo de dizer isso. Queria que você estivesse ao meu lado quando eu acordasse, depois veríamos nossos filhos correndo pela casa. Dois filhos né? É eu sei, é precipitado pensar em formar uma família, ter filhos. Mas eu quero me precipitar com você, quero fazer tudo o que me der vontade com você. Nunca tive tanta certeza. A minha única dúvida é, será que você também pensa assim? Não precisa me responder agora, pode demorar o tempo que for preciso, mas eu quero você, quero uma família com você. Quero uma vida inteira ao seu lado. Porque, independente do tempo, isso que eu estou sentindo não vai mudar. – Eu só queria dizer que eu te amo!”

“Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma coisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.

Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventura sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.

Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem baixo das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se, pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tudo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E, no entanto foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.

Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda-roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tudo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­-se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...

Isso diz agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.”



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Notas finais do capítulo

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