Smells Like Tragedy escrita por Amélie


Capítulo 3
Capítulo II - Vejo um homem cruzando seu futuro


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de fazer um agradecimento especial a todos aqueles que deixaram comentários na história até o momento. Obrigada, muito obrigada; vocês não sabem o quanto a opinião de vocês vale pra mim! ♪



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Ainda não a achei, mas ela tem que estar por perto. Afinal, as visões só ocorrem quando estou a pouca distância da Vítima.

Corro novamente meus olhos pelo ambiente, mirando em cada rosto desconhecido, buscando atrás de estruturas e carros... Até que distingo uma figura ligeiramente familiar em meio à multidão. Pensando bem, não foi tão difícil encontrá-la (devo muito ao cabelo vermelho vibrante). Está bebendo tranquilamente um Frapuccino do Starbucks enquanto conversa com uma menina loira e aparentemente esnobe. Vou para o lado das duas e aguardo, aguardo... Aguardo.

Se soubesse que sua morte está tão próxima, que praticamente pode tocá-la... Ah, certamente não estaria tomando café despreocupadamente.

Minutos depois, a Vítima despede-se da amiga com um beijo estalado na bochecha e começa a caminhar em direção ao seu prédio. Sigo-a em seu encalço pela longa trajetória, até que alcançamos um singelo edifício de poucos andares. Parece-se muito com aquelas edificações residenciais antigas do Brooklin, só que os tijolos não são expostos.

Acompanho seus passos de perto, prestando atenção nos moradores que cruzam conosco e em suas reações. Não há troca de olhares hostis tampouco palavras amargas; todos parecem se dar muito bem com a garota dos cabelos carmim. Isso torna minha busca pelo Assassino mais desafiadora, é claro.

Assim que chega ao seu apartamento, a Vítima coloca o molho de chaves em cima da mesa de centro e joga-se no sofá. Em seguida, pega uma garrafa de Coca Cola, beberica um pouco e agarra o controle remoto da enorme TV de plasma. Fito seu rosto jovem e ingênuo enquanto ela sintoniza em um canal qualquer. Seria burrice ficar plantada na porta da frente de vigília, pois não conseguiria impedir o assassino de entrar ali das formas convencionais. Também não posso me materializar na sua frente e dizer: "Oi, meu nome é Alice e o namorado da sua irmã vai te matar se você não levantar seu traseiro daí e fugir. Tenha um bom dia!".

Não, definitivamente não.

Minha experiência com visões me ensinou que preciso agir com sutileza e eficiência, evitando ao máximo traumatizar a Vítima ou as pessoas ao seu redor. O único problema é que as profecias não informam a data da tragédia, apenas a ambientação e as circunstâncias.

Olho à minha volta, tentando buscar inspiração nos objetos do apartamento. Percebo então o quanto tudo é arrumado, sofisticado, novo. Por mais que eu me esforce, não consigo entender o porquê da tal Vivian ter entrado no mundo dos crimes com uma casa tão boa quanto essa. Fico imaginando qual seria a reação dela se recebesse a notícia que sua irmã mais nova foi assassinada por sua causa, graças à sua falta de displicência, graças aos seus estúpidos e violentos impulsos juvenis.

Pouso os olhos na TV ligada. Está passando um programa teen da MTV e um apresentador afetado explica tudo sobre o horóscopo do dia. A garota parece ficar alegre quando o homem diz que os cancerianos estão em uma excelente época, o que significa que “novos amores estão por vir!”. Sinceramente? Que lixo. Se ela soubesse que minhas visões são mil vezes mais certeiras e úteis que essa besteira de horóscopo, signos e astros...

Horóscopo, signos e astros.

As palavras repetem-se na minha mente incessantemente, girando e quicando como insanas na minha consciência.

Subitamente, tenho uma ideia. Bom, uma ideia tosca e ridícula ao extremo, mas ainda assim é uma ideia. E como não tenho outras opções, decido que não há escolha senão colocá-la em prática. E rápido.

Desço os andares e vou para a entrada do prédio a passos rápidos. Certifico-me de que estou completamente sozinha e materializo-me em alguns milésimos de segundo. Agora, sou visível para tudo e todos que tiverem olhos.

Observo meu reflexo na vitrine envidraçada da loja à minha frente com um suspiro baixo. Há tempos não me materializava. Já tinha quase esquecido da sensação de ser tangível.

No momento, estou com a aparência que tinha aos doze ou treze anos. Lembro-me um pouco dessa época; vivia na turbulenta casa dos meus tios, tendo como constante companhia meus primos idiotas. Não foi uma fase muito... Agradável. Não me lembro de ter uma relação estável com quase nenhum dos meus parentes, mas meus tios e primos de primeiro grau eram, sem sombra de dúvidas, os mais insuportáveis.

Arrumo meus cabelos castanhos escuros em um coque malfeito devido à falta de prática e torço para que minha pele não esteja assustadoramente pálida. Logo quando o primeiro morador passa, digo, forçando um tom de voz agudo e infantil:

– Olá, senhor. Poderia me dar alguns trocados para que eu possa usar o telefone público? Preciso falar urgentemente com a minha mãe.

Ele abre um sorriso terno. Ou minha figura é adorável aos olhos dos vivos ou estou parecendo uma moradora de rua carente. Fico com a segunda opção.

– É claro, querida - o homem grisalho estende uma nota de vinte e eu a pego - Você mora aqui?

– Aqui onde? Nesse prédio? - Pergunto, fazendo-me de desentendida. - Não, não. Moro do outro lado da cidade.

Ele ergue as sobrancelhas, ainda sorrindo.

– Ah sim. Então até mais, mocinha!

– Tenha um excelente dia, senhor. E obrigada pelo dinheiro - respondo. Quando ele já está distante o bastante para não me ouvir, completo: - O senhor não faz ideia de que acabou de salvar uma vida.

Com o dinheiro em mãos, entro em uma daquelas típicas cabines telefônicas inglesas e disco o número da Vítima, cujos dígitos vieram instantaneamente à minha cabeça. Isso é comum. Algo em mim busca instantemente por dados na mente da Vítima, mesmo que esta esteja bem distante. Isso vem a calhar em muitas situações.

Enquanto o telefone toca, treino o meu "tom de voz profissional" baixinho e formulo as frases que direi. Penso em me materializar em uma versão mais velha de mim mesma, porque assim não precisaria forçar a voz para parecer mais velha, porém há muita gente por perto e não tenho tempo para me esconder.

Assim que uma voz feminina soa do outro lado da linha, digo:

– Olá, senhorita... - Me dou conta de que não sei o nome da Vítima e a frase fica no ar.

Julliet. Meu nome é Julliet, sussurra sua voz em minha mente.

Pigarreio discretamente e recomeço a ligação, esperando soar convincente dessa vez.

– Olá, senhorita Julliet. Falo da Central de Vidência e Astrologia Meia Lua. - As mentiras fluem com a mesma leveza que fluiriam se fossem verdades. - Realizamos recentemente um sorteio com alguns números de telefone residenciais aleatórios. E adivinha só? O seu foi o escolhido entre todos os outros!

Espero por uma reação, mas tudo o que recebo é silêncio.

– Agora, você tem direito a uma consulta grátis em sua própria casa. – prossigo - O que me diz?

Há uma hesitação no outro lado da linha. O silêncio parece durar séculos.

Que plano mais estúpido. E se ela não acreditar nessas besteiras? E se ela for cética? Se bem que não é muito provável, uma vez que estava assistindo ao Horóscopo Diário... Mas e se ela pensar que isso é um trote? Meu Deus, essa ideia foi um fracasso.

– Tudo bem. - Responde ela, interrompendo minha turbulência mental. Sua voz demonstra que ficou alegre com a notícia. - Creio que já tenha meu endereço, então.

– Ah, sim, é claro que tenho. Só tem um detalhe imprescindível: a consulta terá de acontecer hoje.

–Hoje? - Choraminga ela, desanimando. - Mas minha amiga virá aqui em casa jantar à noite... Desculpe, mas não posso.

Pressiono o telefone com força contra minha bochecha.

– Por favor, senhorita, eu...

– Ah! Tem alguém do outro lado da linha. Desculpe, mas não posso mesmo recebê-la aqui. Adeus.

Entro em estado de pânico imediatamente.

– Não, não, espere! Não desligue o telefone, p-o-r f-a-v-o-r. É muito importante. Estou lendo aqui nas cartas que... Que se você não souber do seu destino, ele se concretizará. E, acredite, você não quer que isso aconteça.

Posso ver o cenho da garota se franzindo, seus olhos miscigenando confusão com curiosidade. Consigo ouvir os ruídos advindos da TV ligada, o som irritante da voz do apresentador, os pássaros na janela, tudo.

– Não quero que aconteça? - indaga.

(Apenas se você gosta do sangue correndo quente em suas veias...)

– De modo algum. - digo, forçando a voz para que ela pareça mais sombria e provocativa - A escolha é sua, jovem.

Ela pondera por algum tempo. A ansiedade toma conta de mim à proporção que o silêncio se aprofunda.

– Certo - diz ela, a convicção retornando à sua voz - Apareça aqui o mais rápido possível.

– Estou a caminho - respondo.

Respiro profundamente (mesmo sabendo que não preciso mais de oxigênio).

Devolvo o telefone novamente ao gancho cautelosamente e pressiono minha têmpora com os dedos. Minha cabeça está me matando. Incrível como certas coisas desagradáveis (tais como as dores) continuaram me assolando mesmo depois da minha morte, enquanto outras (tais como as sensações boas, gostos, etc), simplesmente sumiram. Talvez eu tenha vivido para morrer, e morrido para sofrer; mas de que vale esse sofrimento todo, afinal? Será que sou uma escrava do destino, enviada para evitar que a Dona Morte tenha muito trabalho?

“Descanse em paz, Alice”. “Agora a Alice está em um lugar melhor”.

Frases irônicas e ingênuas.

Suspiro. Às vezes, preciso lembrar a mim mesma que estou morta, que não há mais volta, que agora tenho outras responsabilidades.

Saio da cabine telefônica e sento na beirada de um canteiro de flores.

A questão é: como darei a notícia a Julliet?

 

–-

– Sente-se aqui.

Vou até a mesinha central e acomodo-me em uma cadeira de ferro nada confortável. Em seguida, espalho as cartas (as mesmas que um casal de videntes, agora mortos, usava em suas consultas) sobre a mesa e apoio meus cotovelos na superfície do móvel.

Enquanto isso, um gato preto move-se soturnamente entre móveis e vasos de plantas. Por um instante, observo enquanto ele desvia dos objetos com uma maestria tipicamente felina. De súbito, ele para, senta por cima das patas traseiras e pousa seus olhos translúcidos no meu rosto, inclinando a cabeça levemente para o lado, como se estivesse suspeitando de algo.

“Ah, não”, penso. Animais, assim como as crianças, têm uma sensibilidade muito aguçada. Não me lembro de ter lidado com gatos enquanto materializada, mas já tive algumas experiências com cachorros e ratos. A reação varia de animal para animal, mas, em geral, eles ficam paralisados como uma estátua, me encarando efusivamente como se eu fosse uma ameaça ou algo do tipo. Parece até que estão se fingindo de mortos.

– Ei, Hitler – chama Julliet, aproximando-se do gatinho e acariciando suas orelhas – O que aconteceu? Parece até que viu um fantasma.

“Hitler? Desde quando isso é nome de gato?”, pondero.

– Acho que é porque ele nunca me viu antes – digo.

– Geralmente, ele é aberto e até amistoso com as visitas. Eu nunca tinha visto Hitler quieto assim antes. – a garota acaricia o bicho pela última vez antes de deixa-lo e voltar à mesa – Desculpe, não queria atrasar sua consulta com futilidades.

Esboço um sorriso.

– Não precisa se desculpar.

Prendo delicadamente meus cabelos em um coque apertado e tenho um relance do meu atual reflexo no espelho da sala; uma senhora de aproximadamente quarenta anos, sadia e de bom porte. Desvio meus olhos imediatamente daquela imagem falsa. Ainda assim, não consigo deixar de sentir uma pontada de tristeza com o fato daquela Alice mais velha nunca ter existido. A verdade é que eu nunca envelhecerei fisicamente – não de verdade. Nunca acordarei em uma manhã e me depararei com um emaranhado de cabelos grisalhos. Jamais me deleitarei com a visão dos filhos dos meus filhos, tão jovens, brincando no jardim. Minha vida foi interrompida muito antes disso. Meu tempo já se esgotou, assim como minhas futuras oportunidades.

De qualquer forma, eu devo estar parecendo muito técnica e profissional com minha aparência madura.

Fito as cartas à minha frente com um genérico ar de entendimento. A verdade é que eu não faço ideia de como me portar como uma vidente. Devo mexer nas cartas? Devo encará-las até encontrar o destino da cliente estampado ali? Ou será que devo apenas cuspir a verdade na cara da menina, sem mais nem menos e botando toda a culpa no destino?

Como não sei o que fazer, começo a tagarelar.

– As cartas são um poço de mistério. Elas transbordam verdades e dores, alegrias e pesares - digo. Minha voz - surpreendentemente - soa firme e convincente, de modo que não me sinto uma completa idiota (apesar de estar agindo como uma).

– Sim - murmura Julliet - Estou ansiosa para saber o que o futuro me reserva.

Suspiro distraidamente e começo a mexer nas cartas com o dedo indicador. Finco meus olhos nas imagens e finjo que estou engajada naquilo. Volto meus olhos rapidamente para a Vítima, que parece assustada. Preciso ser rápida com minha atuação, ou será tarde demais.

– Vejo um homem cruzando seu futuro - murmuro, ainda fitando as cartas. Sinto-me um analfabeto enquanto encaro a porção de imagens à minha frente.

– Um homem? - repete ela, um sorrisinho brotando em seus lábios - Isso não é tão ruim, afinal.

– Não tenha tanta certeza. Algo me diz que ele não quer seu bem - tento avançar um pouco mais na visão pescando informações da minha memória - Vejo um garoto magro. Uma garota de cabelos vermelhos amordaçada. Chora. Hm, ela é parecida com você.

Os olhos de Julliet se arregalam em sinal espanto. Posso sentir, através da nossa ligação, que esse espanto é genuíno.

Comece a digerir a verdade desde já, Julliet.

– A senhora consegue enxergar mais alguma característica desse rapaz?

Balanço a cabeça positivamente.

– Olhos verdes, óculos, altura mediana - fito a menina por algum tempo - Conhece alguém assim?

Ela baixa os olhos para a mesa. Uma onda de insegurança transborda sua mente.

– Conheço, sim. Mas algo deve estar errado com essa sua profecia. Quero dizer, a pessoa que eu conheço nunca me faria mal.

Posso sentir a mentira pesando em seu tom de voz. Quase que de imediato, um ninho de cenas invade minha mente, preenchendo cada espaço da minha cabeça. Memórias de um rapaz violento, raivoso, desestabilizado. Ele bate em uma mulher com um grande pedaço de madeira. Manchas escuras surgem nos locais atingidos pelo objeto, hematomas horrendos; o sangue salpica no chão. A mulher é tão parecida com Julliet que, a princípio, imaginei ser uma versão mais velha dela. A única diferença relevante é a cor dos cabelos; enquanto a Vítima esbanja fios carmim, a moça das memórias possui longos e brilhantes cachos loiros.

Logo as memórias se esvanecem como neblina. Aproveito este momento de hesitação para provocá-la.

– Tem certeza, querida? Seus olhos parecem confusos.

– Eu... Eu não sei. Bem, continue. O que o... Rapaz faz comigo?

Ergo as sobrancelhas teatralmente para as cartas, como se visse algo realmente surpreendente.

– Meu anjo - murmuro -, seu futuro é uma incógnita até para mim. Escuridão... Uma penumbra densa e negra... Isso é tudo o que vejo. O rapaz não fará nenhum bem a você, escreva o que estou lhe dizendo.

– Quer dizer então que eu devo evitá-lo?

– Não – respondo repentinamente, tentando fazer com que a ideia pareça macabra e intimidadora (o que não é difícil) - Fuja ou sofrerá.

Enquanto guardo pacientemente por uma resposta, Julliet pousa seus grandes e redondos olhos nos meus, o cenho franzido. É então que eu vejo aquilo que eu mais temia ver; aquilo que já vi tantas outras vezes no passado, estampado em outros tantos rostos, presente na voz sardônica de muitos...

É então que vejo a descrença nos olhos da Vítima.

Julliet segura o riso e ergue uma sobrancelha perfeitamente delineada. Encaro-a firmemente, tentando ao máximo demonstrar confiança. Instantes depois, ela finalmente quebra o silêncio.

– Sem querer dar uma de cética, mas como posso abandonar tudo o que tenho com base nas meras palavras de uma vidente desconhecida?

– Estou falando a verdade. – digo.

– Prove-me.

Continuo olhando profundamente nos olhos simplórios de Julliet. Posso ouvir tudo o que ela ouve, respirar o mesmo ar que ela respira, sentir o que ela sente. Estou dentro dela, caminhando por entre seus pensamentos, navegando pelas suas memórias, adentrando o ponto mais íntimo do seu âmago.

Este sempre é o último dos recursos.

E ainda assim nem todos cedem a ele.

(Às vezes, a incredulidade dos vivos me impressiona)

– Sei tudo sobre você - digo, soturnamente. Ela arqueia uma sobrancelha, pouco convencida. Achei que fosse menos questionadora. - Seu nome é Julliet Meredith Hill, tem quinze anos e é canceriana. Mora com os tios, pois seus pais faleceram em um terrível acidente de avião, sobre o qual nunca comenta com os amigos ou parentes. Seu relacionamento com a família não é dos melhores, já que nenhum dos seus parentes é realmente presente. “Eles estão pouco se fodendo para mim”, suas palavras. Sua cor favorita é verde, apesar do cabelo vermelho. Gosta de músicas calmas e já teve mais de oito hamsters de estimação. Nunca beijou a boca de um menino, e isso a deixa tão envergonhada que chegou a mentir para todas as suas amigas ao dizer que já tinha beijado muitos, e até não era mais virgem. Sua melhor amiga é chamada Molly, e ela é a garota mais popular e socialmente aceitável da escola. Sempre se deu bem com a sua irmã, mas nunca gostou do namorado dela. Ambos foram presos ao serem flagrados em um assalto. Atualiza suas redes sociais diariamente e adora assistir seriados. Aos oito anos, cortou o cabelo tão curto que não teve coragem de ir para a escola por duas semanas. Mantém um diário secreto até hoje, no qual escreve tudo o que sente e deseja. Você acredita em amor verdadeiro e vida após a morte.

Faço uma pausa. A onda de pensamentos cessa imediatamente, como se eu tivesse desligado um aparelho eletrônico da tomada. Julliet está tão tensa e estática quanto uma marionete de madeira e olha diretamente nos meus olhos, como se tivesse tentando encontrar alguma explicação neles. Acho que a assustei demais.

Sinto algo roçar na minha mão direita. Espanto-me com o toque de algo tão quente e tão... Vivo. Não sei muito bem como descrever a sensação de ser tocada pela primeira vez em muito, muito tempo; é simplesmente inenarrável. Foi novo e estranho para mim. Julliet parece sentir o mesmo, já que afasta sua mão imediatamente, como se tivesse levado um choque, e fica algum tempo olhando para a própria pele.

Após alguns segundos, ouço a voz baixa e rouca de Julliet murmurar:

– Obrigada. Irei para a casa da minha avó agora.

Um misto de alívio e alegria inunda o espaço vazio em meu peito.

– Este é o meu trabalho - respondo, ainda sentindo o estranho formigamento na mão direita.

Levanto-me, ainda meio aturdida. Já estou quase saindo do apartamento quando Julliet grita:

– Espere!

Olho para trás e vejo que está com o rosto pálido e os olhos vermelhos. As lágrimas se enfileiram nas bochechas da garota, que começa a caminhar lentamente na minha direção.

– Você... Você é um anjo, não é? - murmura, a voz vacilando.

– Um... Anjo? – indago.

– Sim – responde, convicta – Um anjo enviado pelos meus pais.

Sorrio, mas acabo por não responder a sua pergunta.

– Seus pais estão felizes neste momento. - É tudo o que digo.

Logo depois, saio pela porta da frente. Faço o trajeto até a entrada do prédio sem pensar em absolutamente nada, como se estivesse em estado vegetativo. Assim que alcanço a rua, sinto o vento chicotear em meu rosto imaterial. Deito-me na beirada da calçada e descanso a cabeça no asfalto.

Após cerca de meia hora, uma garota de cabelos vermelhos e olhar convicto sai do prédio cinzento sem olhar para trás.


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Notas finais do capítulo

Não saiam sem deixar um comentário. :(



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