A Cruz Prateada escrita por Mari Trevisan


Capítulo 1
único




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Era uma noite fresca e agradável naquela cidade grande, a primavera acabara de começar. As árvores começavam a ficar floridas e era grande o número de pessoas na rua, apesar de passar muito da meia noite. Afinal era Nova York, a cidade que nunca dorme.

Anne era uma dessas pessoas, mas diferente dos outros – que eram turistas, em sua maioria – ela estava voltando para casa depois de uma festa de colégio que fora até mais tarde do que o planejado. Ela andava apressada, pois apesar de estar na Broadway, nunca se sabe o que se esconde na noite escura. Faltavam ainda várias horas para amanhecer, e ela sabia que levaria uma bronca se chegasse em sua casa depois do horário.

Embora aquela avenida fosse bem movimentada, com gente saindo das casas de espetáculo e restaurantes, Anne teria que passar por um beco onde havia falta de energia elétrica. O barulho de seus saltos na calçada também não ajudava, pois poderia atrair alguma atenção indesejada.

Tudo acontecera por que ela esquecera o dinheiro para a passagem de metrô. Caso contrário, já estaria em sua cama há muito tempo; mas eram quase dois quilômetros de caminhada da casa de shows até seu apartamento em Midtown.

Anne entrou no beco, apressada, querendo deixar tudo aquilo para trás e virar logo na esquina que levava à sua rua. Mas quando a luz fugiu dos postes quebrados, seu coração começou a palpitar. O caminho não era mais curto há um minuto? Nervosa, a garota tateou por alguma coisa que trouxesse luz àquele lugar. Depois de alguns momentos de hesitação – que para ela pareceram uma eternidade – pegou seu celular e acendeu a lanterna. Que bom que ela tinha se lembrado de carregá-lo antes de sair para a festa.

Talvez um passo em falso ou um objeto no chão, Anne não sabia o que a levou a quebrar o salto de um dos sapatos e cair na calçada, junto a um muro de tijolos. A dor em seu tornozelo era grande, mas ela se levantou rapidamente, devido ao adiantado da hora. Em lugar algum do mundo era seguro andar pela cidade àquela hora.

Porque ela não pedira para seus pais a buscarem? Anne se apoiou na parede para ficar de pé mais rápido. No entanto, aquela parede não estava macia demais? Seu coração deu um salto e ela jogou o facho de luz na coisa em que havia se apoiado, parecia  o ombro de alguém. Agora sua pulsação era tão forte que ela tinha medo de que pudessem ouvi-la.

A sua frente havia um rapaz que devia ter sua idade. Ele estava agachado e com a cabeça baixa, de modo que não era possível ver seu rosto. Segurava uma pessoa nos braços fortes. No entanto, ele tinha asas negras que se confundiam com a noite escura; não fosse a lanterna, Anne não as teria visto. E ela pôde ver que as mãos do garoto estavam manchadas de sangue, que escorria abundantemente da garganta da vítima.

A pessoa – uma garota mais nova, com cabelos cacheados – estava com os olhos vidrados e a expressão vazia, como acontece com quem morre enforcado. A visão foi tão repugnante que a garota sentiu ânsias de vômito. Colocando uma mão sobre a boca, Anne deu um passo para trás, horrorizada.

O garoto parecia estar alheio a tudo isso durante aquele longo minuto. Colocando um dos braços sobre o rosto devido ao repentino facho de luz, ele levantou a cabeça e fitou a garota. Tinha traços fortes, parecia um europeu. Seu rosto era quadrado e suas feições, proporcionais e de grande beleza. Os olhos eram de um vermelho profundo, quase preto. O que mais chamava atenção era o cabelo, escuro como as asas de um corvo. Seu corpo era forte e atraente, o que fez com que o sangue subisse ao rosto de Anne.

Ela gritou quando viu que um filete de sangue escorria de sua boca. A expressão de curiosidade do garoto alterou-se rapidamente; ele abriu a boca em um sorriso cínico, que fez Anne arrepiar-se.  Levantou-se, ficando mais alto do que ela. Ele vestia uma capa preta que arrastava no chão, e Anne só conseguiu distinguir a corrente prateada em seu pescoço, pois ele usava roupas pretas também. Desse modo, quase se camuflava naquela escuridão.

‘’O que fazes aqui?’’ ele perguntou, sua voz tinha algo de antigo. Anne ficou paralisada por um momento antes de responder. Ela já percebera que não era nova-iorquino apenas por ouvi-lo falar. ‘’Estou de passagem’’, ela disse rapidamente, já tomando a frente para ir embora. Ele se colocou à frente dela, impedindo que desse um passo à frente. As asas se esticaram, como que para impedi-la de sair dali.

‘’De fato, acabou de entrar no corredor rumo à eternidade’’, ele disse como um poeta antigo. Anne começou a sentir medo assim que o ouviu dizer aquilo. Afobada, perguntou quem era ele. Tentou empurrá-lo, mas foi como bater em uma parede. Ele apenas segurou seu pulso e o apertou um pouco, o suficiente para que Anne parasse de atingi-lo.

‘’Podes chamar-me de Anik’’. Um anjo negro, então. Anne não sabia bem o que aquilo significava, mas era assim que se sentia em relação à Anik. Ele nunca poderia ser humano.

Anik se aproximou tão rápido que acabou prensando Anne na parede. A menina morta estava largada no chão. A garota não conseguia desviar os olhos dos dele, e teve certeza que não veria mais o Sol nascer. O que seus pais pensariam? Ela sabia, agora, que encontrá-lo a levaria à sua perdição.

‘’Por que essa menina tem essa expressão no rosto?’’ Anne questionou quase inconscientemente, como se quisesse prever o que aconteceria com ela. ‘’Está sem alma e sem sangue. Os dois elixires da vida humana’’, Anik disse do mesmo jeito que alguém diz que vai à padaria. Como se fosse algo... normal.

Quando ele sorriu cinicamente de novo, Anne sentiu uma pressão na região do diafragma, e achou que não veria mais coisas. Que ironia, ela pensou, morrer aqui porque não peguei o maldito metrô. Como se adivinhasse seus pensamentos, Anik assentiu lentamente e a apunhalou no abdome com um objeto brilhante que ela não vira antes. Uma cruz prateada, gótica.

Anik se agachou e a segurou como fizera com a outra menina. A vida escorria rapidamente de Anne, mas os olhos dela estavam abertos ainda, em sua ultima tentativa de resistência. Anik decidiu dar fim àquilo ao mordê-la na jugular, o sangue doce encheu sua boca como um néctar precioso.

Só faltava uma coisa agora. Ele segurou a cruz ensanguentada e a pressionou na testa de Anne, a fim de tirar sua alma.

Quanto a Anne, ela fechou os olhos instintivamente ao sentir que deixava de existir.


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Notas finais do capítulo

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Mari



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