Fiquei estarrecido por um bom tempo, apenas olhando para meu celular, com a boca entreaberta devido ao choque. Gloria nunca falou assim comigo antes.

Joguei meu celular no chão com força, vendo-o quebrar-se perto de meus pés e saí correndo em direção à casa de Gloria. Abri a porta dos fundos com violência, sabendo que Gloria nunca trancava aquela porta, e subi até seu quarto, onde ela se encontrava conversando mais uma vez com aquele “ser” estranho.

–Que porra é essa, Gloria?! – gritei, com raiva. Ela me lançou um olhar gélido antes de responder-me:

–Não estou nem aí para o que você pensa sobre mim, Christian, e acho que vou sair daqui. Não estou afim de ouvir seus blablablás mais uma vez. Todos os enganadores e trapaceiros que você conheceu não lhe ensinaram uma lição? Um dia, as pessoas cansam de ouvir suas conversas entediantes de sempre.

–Eu não sou enganador, muito menos trapaceiro. Apenas sou incompreendido.

–Oooh, acho que temos um coitado agora! – disse Gloria, com um tom de ironia. – Quero que você me estapeie, quero que você me nocauteie, quero que você faça qualquer coisa comigo, mas não se faça de coitado perto de mim! Bom, você sentiu falta de mim, me beijou, agora é melhor você me derrubar, afinal, é o que você sempre faz, não é? Pede minha ajuda, se faz de coitado, e depois me joga no lixo! Quando ninguém escutava todas aquelas ideias revolucionárias, eu senti pena de você e as escutei, agora, quando eu precisei de você alguns minutos atrás, você ficou enojado! Se inteligência fosse uma competição, talvez você seja o segundo colocado, mas é o primeiro a perder a corrida!

–Eu quase ganhei, se não fosse por você, Gloria.

–“Quase” só conta em uma situação de ferraduras e granadas de mão*. Mas não estamos nessa situação, entenda isso. A nossa situação é muito mais crítica, a vida de todos nós está sendo ameaçada por você! A minha, principalmente!

–Por que a sua?

–Não é da sua conta. – retrucou ela, estremecendo um pouco e murmurando algo sobre “ele vai pegar o que eu penso e o que eu sinto”. – O que você vai fazer sobre isso, Christian?

–Eu vou colocar fogo em tudo, vou destroçar tudo. – disse uma voz estranha, que parecia que vinha de mim, mas eu tinha certeza de que não era eu dizendo aquilo. Ao mesmo tempo que eu ouvi aquela tal voz, minha visão ficou embaçada e era como se eu tivesse lentes vermelhas em meus olhos – Tudo o que você emprega é feito para eu levar ao chão.**

Gloria franziu a testa e se afastou um pouco.

–Christian? D-do que está falando?

–Não brinque com a minha cara! Não se faça de inocente, você sabe muito bem do que eu falo, ou eu atiro em você! Vou beber, lutar e transar e testar minha sorte todo o tempo agora, tenho o mundo inteiro do meu lado, não preciso de você. No final, eu vou acabar morto mesmo. Os grandes sempre acabam mortos, pois os fracos sempre querem acabar com os grandes.

Gloria arregalou os olhos e foi para trás do sofá, como se estivesse com medo.

–Billie... Do que ele está falando? – indagou Gloria, como se falasse com o ar.

De repente, minha visão voltou ao normal e algo aconteceu dentro de minha mente. Era como se minha consciência tivesse voltado.

–Gloria, eu... – gaguejei, visivelmente perdido. Eu não sabia o que havia ocorrido cinco minutos atrás. – O que houve?

Gloria não respondeu, apenas continuou me olhando como se eu fosse um bicho estranho.

–Demolição, auto-destruição... Você quer aniquilar a velha contradição? – murmurou ela, como se falasse consigo mesma – Quer aniquilar a velha era...

Franzi a testa e balancei a cabeça. Gloria era um caso perdido. Suspirei profundamente e abri a porta dos fundos de novo, saindo da casa. Porém, antes de sair, dei meia-volta e olhei no fundo dos olhos de Gloria mais uma vez.

–Não estou nem aí para o que acontece com você, e acho que vou sair daqui... Para você, eu sou um odiador, um traidor em um par de Chuck Taylors agora, mas eu não estou nem aí, Gloria. – murmurei, com uma expressão neutra. Saí da casa, fechando a porta com exagerada força, e comecei a andar em direção à minha casa.

Eu tinha um problema.

Eu odiava Gloria, mas ela era minha maior inimiga.