A Stopped Clock escrita por Nekoclair


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Tudo que tenho a dizer sobre este capítulo é que ele é importante. Já estava na hora de ser revelado esse tal problema que tanto perturba nosso queridíssimo albino. .-.
Agradecimentos especiais àquela que me atura diariamente e que beta sempre minhas fics. Obrigada, French Lily.
Boa leitura. ^^



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Estou determinado.

Cansei de sempre permitir que o Gil faça as coisas segundo a sua vontade. Eu não vou mais abaixar a cabeça como um cão obediente. Já chega disso. Eu não vou mais ser controlado por ele.

– E então? Vamos até a sala para que você me esclareça tudo? – minha voz soa séria e ainda um tanto intimidadora.

Ele coça a cabeça, um tanto pensativo e perdido, afinal, essa não era uma situação nada normal. Nunca deve ter passado pela sua cabeça que eu percebera as atitudes estranhas e forçadas em meio a tantas provocações. Ele nunca deve ter pensado que, na verdade, eu estou sempre o observando atentamente.

– Não... Na sala não. Vem comigo. – ele diz, com a voz baixa e séria. Aparentemente, ele ainda tentava compreender o motivo de minhas ações.

Ele começa a andar para a sala, em silêncio, e eu o acompanho. Atravessamos o cômodo e nos encaminhamos até a cozinha, sem que qualquer palavra fosse trocada entre nós. Ele ia à frente, sem olhar para trás, enquanto eu o seguia, com o olhar preso à sua nuca, observando cada movimento feito por ele.

Quando estávamos na cozinha, vi seus olhos caírem sobre as duas xícaras sobre a mesa. Ele se vira para mim imediatamente, ao que paro de andar.

– Poxa, Rod! Você nem pra beber o café que eu te fiz com tanto carinho? Como você é ingrato... – ele fazia bico enquanto dizia essas palavras.

Eu sinto um nervo pulsar-me na testa: ele estava novamente a tentar desviar o assunto. Porém, apenas ignorei suas provocações, uma vez que eu não desejava iniciar mais uma discussão com o albino, principalmente quando não me parecia necessário.

Mantive-me em silêncio, apenas o observando recolher as xícaras e as colocá-las dentro da pia, murmurando algo como um “depois eu lavo”. Ele suspira, ao que eu finalmente decido por pronunciar algumas palavras.

– É aqui que vamos ter a nossa conversa? – meus olhos violetas encontravam-se sérios quando o encararam. Realmente, determinação era o que não me faltava.

– Ah... Não. Eu quero te mostrar um lugar, lembra?

– Primeiro me diga o que acontece, ou não irei a lugar nenhum com você. – eu respondo de imediato, cruzando os braços sobre o peito.

– Agora você está até parecendo até uma criança mimada. – ele diz em tom provocativo. Ele suspira, voltando a apresentar feições mais sérias – Não. Sério. Só me segue. Ok? Lá é o lugar perfeito para termos esta conversa.

Ficamos parados, apenas trocando olhares silenciosos e esperando que o outro fizesse algum movimento ou dissesse alguma palavra.

– Eu não vou deixar você me controlar mais. – eu digo de repente, quebrando a quietude que dominava a cozinha. – Se tiver alguma coisa para falar, fale agora. – as palavras saem calmas, mas na verdade o que eu mais sentia no momento era raiva.

– Não estou querendo te controlar.

– Você sabe muito bem que está! Você sempre fica me enrolando para que tudo aconteça de acordo com a sua vontade! – a raiva é visível em minha voz, o que surpreende um pouco o albino.

– Rod, você sabe muito bem que eu nunca fiz nada para te prejudicar.

Mantive-me em silêncio, afinal aquilo era verdade. Os seus atos, por mais inconsequentes que fossem, na verdade, nunca me trouxeram nenhuma notável consequência. Tudo que o albino já me fez acabava sendo ou para me constranger ou para me omitir alguma informação. Isso se não considerarmos o fato - o que era uma consequência de Gil simplesmente ser o que era afinal - de eu ter me apaixonado por ele...

Minha mente se esvaziou por alguns segundos, enquanto eu ainda era observado atentamente pelo albino.

MAS O QUE DIABOS EU ESTOU PENSANDO? Uma coloração rubra atingiu-me a face, fazendo-me virar o rosto rapidamente para que ele não notasse.

– Ok! Vamos logo a esse lugar! – as palavras saem velozes e aos tropeços de minha boca e eu me sinto constrangido por culpa de meus próprios pensamentos. No fim, eu sempre acabo cedendo...

O albino sorri largo e me parece bem mais feliz. Ele se vira e começa a caminhar para os fundos da cozinha, seguido por mim. Ver aquele sorriso tão bobo fez com que meu coração se apertasse em meu peito, mesmo que eu ainda conseguisse me controlar ao ponto de manter minhas emoções muito bem escondidas em meu interior. Tudo era tão mais fácil antes de eu amar esse idiota...

Continuamos andando, lado a lado e em silêncio, até nos depararmos com uma velha porta de madeira, que, diferente de todas as outras da casa, era decorada com vários ornamentos e, só de olhá-la, você sentia que ela guardava algo muito mais importante que um quarto. Viro-me para o albino, confuso, mas ele apenas dá um passo à frente e pega na maçaneta, virando-a lentamente.

Quando ele a abriu, tudo que vi foi uma pequena escada que mergulhava na escuridão. Era aquilo que ele queria me mostrar? Lá era seguro, ao menos? Gil dá um passo para o interior do cômodo escuro, que supus ser algo como um porão, e logo começa a descer os degraus, despreocupado com a ausência de iluminação.

– Gil, espera! Você vai cair!

Quando percebo, as palavras já foram ditas e o prussiano já se virava para me encarar. Ele abre um sorriso debochado.

– Agora você está preocupado comigo? Relaxa. O seu amado aqui não vai se machuc...

Ele mal terminou a frase e já estava no chão. Sim, ele caiu, como já me era previsto. Levo a mão à testa e massageio a têmpora. Dou um passo adiante e, cautelosamente, desço a escada a procura do prussiano. Encontro-o sentado na beira da escada, massageando o braço.

– Eu te avisei.

– Eu sabia que você ia falar isso.

Ele se levanta e passa a tatear a parede grudada à escada, provavelmente à procura de um interruptor.

– E o que tem aqui de tão especial? – eu digo, em tom monótono.

– Isto! – ele diz após finalmente ligar a luz, o orgulho transbordando em suas palavras.

Não posso mentir. Eu realmente não esperava por algo assim. Eu pensei que ia ter bebidas, pornografia, sei lá, qualquer coisa, mas nunca que eu imaginaria encontrar dezenas de estantes repletas de grossos livros. E um piano! Por que, afinal, o Gil tem um piano? Isso não faz o menor sentido!

Viro o rosto instantaneamente em direção a Gilbert, ao que ele apenas solta uma debochada gargalhada.

– Melhor fechar a boca antes que comece a babar. Ksesesesesesese...

– I... Isso... Isso não era nada do que eu esperava... – eu digo, ignorando os comentários do prussiano. – Um piano? Você não sabe tocar piano!

– E daí?

– E livros... Gil, tem centenas de livros aqui!

– Ei, antes que você fale mais alguma idiotice, já vou avisando que eu sei ler, viu, aristocrata?

Começo a andar pelo corredor formado pelas estantes até chegar ao piano no fundo, sempre acompanhado de perto pelo despreocupado albino. Aquilo não era um simples porão, era enorme. Sempre pensei que a casa de Gil era relativamente pequena por ser térrea, mas aquele espaço devia ter quase o a mesma área que o resto da casa.

Sento diante do piano, que brilha como recém-limpo. É um modelo antigo, muito raro de se ver por aí. Passo a mão de leve sobre as teclas, com medo de que aquela preciosidade se quebrasse ao meu toque. Viro o rosto para o albino, ainda boquiaberto, e assim fico a encará-lo.

– Não me olha com essa cara... Pode tocar se quiser. – ele diz com uma careta.

Não esperei por um segundo incentivo. Comecei a pressionar as teclas compassadamente e não demorou muito para que uma suave melodia se formasse e preenchesse o ambiente. O albino se aproxima e se senta ao meu lado no pequeno banco, mas mesmo isso não foi capaz de me fazer parar de tocar o raro instrumento.

Ficamos sentados, escutando a música que eu tocava. A composição? Não sei. Apenas deixei que meus dedos tateassem o piano livremente e aproveitei para relaxar com aquele maravilhoso som. O albino permanece em silêncio, olhando para frente, enquanto que um sorriso calmo e tranquilo ocupa seus lábios.

– Chopin.

– Ah? – indaguei ainda concentrado no piano.

– Chopin. Você está tocando Chopin, certo?

Só então é que comecei a realmente prestar atenção à melodia. Sim. Eu estava tocando Chopin, a Tristesse, para ser mais exato. Mas como ele sabia? Ele não tem ouvido pra música. Ele não entende nada nesse assunto. Certo? Ou estou errado?... Não. Ele teve ter apenas deduzido, já que sabe que Chopin é um dos meus compositores preferidos. É. Deve ser isso.

– Gil... Que composição você acha que estou tocando? – arrisco.

Tristesse, se não me engano... – ele diz, sua voz apresentava uma ponta de dúvida.

Meus dedos param instantaneamente de se movimentar e se afastam do instrumento. Viro para Gil em movimentos inconscientes, apenas para notar que ele também me encara. A distância entre nossos rostos normalmente me assustaria, fazendo-me afastar rapidamente, mas, naquele momento, eu estava em um estado de choque tão profundo que nem aquilo me perturbara.

– Desde quando você entende algo sobre composições clássicas? – a surpresa transborda em minha voz.

Foi como se o albino tivesse sido tirado de um transe quando fiz a pergunta. Por alguma razão, ele parece mais incomodado que eu com a nossa proximidade.

– Ah... Bem... É por causa do vovozinho, digo, do senhor Fritz... Ele tinha muito interesse nessa área musical. – ele deu uma rápida e baixa gargalhada. – Ele nem sabia tocar, mas, mesmo assim, nada do que eu dissesse foi capaz de impedi-lo de comprar esse maldito piano.

Um sorriso se formou em seus lábios, um diferente de qualquer outro que eu já vira. Dava para facilmente notar todo o carinho e admiração que ele sentia em relação a esse senhor só de olhar para as suas feições.

– Ele era uma pessoa incrível... A mais incrível que eu já conheci...

Fito-o em silêncio, tomado subitamente pela surpresa. Eu nunca pensei que Gilbert - aquele que não perdia a oportunidade de lembrar aos outros de o quão incrível ele era - fosse capaz de considerar alguém superior a ele, pelo menos não nesse quesito.

Ele fica em silêncio, enquanto aquele sorriso incomum ainda permanece em sua face. Parecia viajar por lembranças e, estranhamente, parecia realmente muito feliz.

– Então este piano pertencia a esse senhor Fritz? – eu digo, tomado por uma súbita curiosidade.

– Sim. Tudo aqui pertencia a ele: a casa, o piano, os livros... Enfim, tudo. Exceto por alguns móveis e os eletrodomésticos, claro.

Era incrível como ele parecia uma pessoa totalmente diferente naquele momento. A felicidade dele chega a ser tão pura quanto a de uma criança. Ele sorri tão docemente...

– Fale-me mais sobre o seu avô. – eu digo, tentando prolongar o assunto, o que o prussiano obviamente não recusou.

– Bem, na verdade, ele não é meu avô. – ele diz coçando a cabeça, bagunçando ainda mais os fios claros em sua cabeça – Ele apenas cuidou de mim durante toda a minha infância. Nós só tínhamos um ao outro, mas... Mesmo assim, nós éramos uma família tão feliz quanto qualquer outra, mesmo sem nenhum laço de sangue.

– Ele devia ser bem sucedido. Digo... Para ter uma casa tão grande como esta...

– É claro que sim! Ele trabalhou no exército. Era general. Claro que, quando ele me adotou e me trouxe para morar com ele, e nessa época eu devia ter quatro ou cinco anos, ele já estava aposentado.

Trocamos olhares, em silêncio. Eu estava um pouco mais feliz agora, por saber ao menos um pouco do passado de Gil, passado este que, para mim, sempre fora um mistério. Sinto-me até mal por ter pensado que ele não confiava em mim. Um tímido e constrangido sorriso escapa-me dos lábios, enquanto continuo sendo observado pelo albino, que me olha curioso.

– Você devia gostar muito dele... – digo.

– Sim – ele responde simplesmente. – Eu vivi os dias mais felizes de minha vida ao lado dele, mas ele morreu quando eu tinha sete anos, logo depois de eu finalmente encontrar meu irmão e meu pai.

– Estranho... Pensei que você e seu irmão vivessem juntos desde que nasceram. Bem, eu te conheço desde que tínhamos oito anos, o que significa que eu nunca conheci esse senhor... Eu queria tê-lo conhecido.

– Bem, mas não vamos ficar relembrando o passado. – ele diz, e o sorriso começa, aos poucos, a sumir de seu rosto. – Você ainda quer ter aquela conversa?... Sabe. Sobre os meus problemas.

Respondo afirmativamente com a cabeça, satisfeito por finalmente abordarmos o assunto e surpreso por ter sido ele a tomar a iniciativa. Minhas feições se tornam curiosas e eu não consigo deixar de fitá-lo. Deve ser por isso que ele se levanta e começa a andar pelo cômodo, novamente coçando a cabeça. Eu devia estar pressionando ele mais do que eu imaginava. Permaneço sentado, esperando que ele começasse.

– Dívidas.

– Ahn? – indaguei um pouco confuso. – Dívidas? É isso que está te deixando tão abalado ultimamente?

– Na verdade, não...

– Então o que houve? Explique-me direito!

Ele suspira baixo. Aquele assunto não devia ser nada agradável para ele. Depois de alguns segundos, ele finalmente volta a pronunciar mais algumas palavras.

– Eu briguei com o Ludwig, tá bom? Ou melhor, foi mais um... Desencontro de ideias.

– Continue.

– Bem... Quando o senhor Fritz morreu, ele me deixou esta casa. A casa onde nós vivemos os momentos felizes de nossas vidas. Ele também tinha me deixado a sua aposentadoria para pagar os impostos, mas aí veio a inflação e as coisas começaram a se complicar um pouco. E você deve lembrar que, ano passado, meu pai descobriu um câncer, certo?

Apenas afirmei com a cabeça, ao que ele continuou o discurso, acelerando mais a cada nova palavra que saía de sua boca. Suas feições eram impassíveis, como se aquilo tudo não o afetasse nem um pouco.

– Tive que usar um pouco do dinheiro do Fritz para que pudessem tratar do meu velho. – ele suspira, e suas feições tornam-se de repente mais perdidas. – Meu pai morreu, o dinheiro foi gasto em vão e as dívidas começaram a aumentar até certo ponto que não temos mais como pagar.

– Ainda não entendo o porquê de você e Ludwig terem brigado.

Ele fez um breve silêncio, e não pude deixar de notar a raiva florindo em suas feições.

– Ele quer vender a casa. – ele se virou para mim e encarou meus olhos violetas fixamente, o olhar perdido e um tanto rancoroso. – Mas é claro que eu me opus! Rod, como eu poderia simplesmente me desfazer de tudo que me é precioso, de todas as minhas lembranças?

Ficamos em silêncio, enquanto ele mantém o seu olhar sobre mim, aparentemente em busca de algum apoio ou resposta, mas eu nada digo, permanecendo sem nada dizer e sem saber ao certo o que fazer.


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Notas finais do capítulo

Obrigada aos que leram até o final.
Que tal um review? Não te causa nenhuma lesão, mas faz bem ao coração do autor.
BJJS e até o próximo capítulo. ^^