Geek.com escrita por H Lounie


Capítulo 1
Uma virgem em apuros




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Eu estava lendo Pelo amor da física pela terceira vez. Ou quarta.

Estava quieta, testando minha inércia no banco do carona do sedam escuro de papai. Apenas meus olhos se moviam pelas paginas branquinhas e aparentemente pouco folheadas. Apenas aparentemente, eu sabia aquele livro de cór e salteado.

Mas acho válido dizer que dessa vez nem tal livro conseguiu me acalmar. Por quê? Eu estava indo para a Valley University, a universidade que papai e eu sempre sonhamos. Papai era um tipo calado. Tipo, bem calado mesmo, quase não conversamos o caminho todo, da longínqua Washington até a Califórnia, meu novo lar. Ele não falava não por não ser uma pessoa sociável – não que ele seja uma pessoa sociável – mas porque não está acostumado a pessoas, está acostumado a computadores. E bem, computadores não falam muito.

Dorian McDowell, como os outros o chamam (e eu mesma chamo quando ele não está por perto e então não sou obrigada a chamá-lo de pai), trabalha na NSA, Agência Nacional de segurança, como engenheiro de software. É um homem muito reconhecido, trabalhou em vários projetos secretos de signals intelligence, que eram sempre sobre um meio de recolher informações, ou como chamam interceptação de sinais de comunicações entre pessoas ou máquinasblá blá.

Mas voltando a universidade e o sonho dos McDowell, a Valley foi, antes de tudo, a universidade que formou meu pai. Desde pequena eu cresci ouvindo que eu iria para lá um dia. Porque é no vale do silício. Porque o centro tecnológico de lá é tão completo. Porque as oportunidades lá são tão vastas. Porque, para seu próprio bem Liv, é bom você conseguir entrar lá. Blá, blá, blá. E bem, eu havia conseguido isso então.

– Então – Papai começou, ou tentou começar assunto – É isso aí.

– É isso aí – respondi, enfim desprendendo meus olhos do livro.

– Liv você está com olheiras terríveis. Dormiu bem?

O que você acha? Pensei irônica, mas não cheguei a verbalizar. Na verdade eu tinha tido um sonho estranho demais, primeiro, eu estava apenas levando o anel para Mordor, como de costume. De repente eu atravessei uma porta e me vi deitada em uma cama, dentro da NSA. O familiar som de teclado de computador e os bips irritantes que soam tanto durante o dia pareciam ter sumido, mas mesmo assim eu tinha plena certeza de estar na NSA. Estava com papai e outros dois homens que vestiam branco. Físicos? Médicos? Quem saberia dizer. Sabia apenas vagamente o motivo de estar ali. Uma experiência nova, papai havia dito. Minha mente trabalhava formidavelmente bem obrigada, como engrenagens de uma máquina em pleno auge de produção. Eu acumulava as informações enquanto, paralelamente, pensava em como essas informações desconhecidas chegavam a mim tão depressa. Eu me sentia um super computador ou coisa assim. Sabe, era como se eu estivesse dentro da armadura do homem de ferro, mas a surpresa me tomou mesmo quando olhei para o meu braço. Novo braço, do mesmo tamanho que o antigo, porém diferente.

Aquele objeto metálico preso a mim brilhava com caracteres ordenados, em linguagem de programação, como o código fonte de um software. Toquei o lado direito de meu rosto, este parecia desconectado do resto do corpo, a mão ainda humana notou a diferença entre o que sentiu e o que deveria ter sentido

– O que você fez? – Gritei. Papai sorriu, segurando minha mão ainda humana.

– Não vê Liv? Você está incrível! É perfeita agora. Veja esse braço – As articulações artificiais rangeram quando as movi – Veja! Sensores para obter dados de comunicações não humanas, como telemetria de mísseis! Em uma guerra você seria incrível Liv!

Com Liv Rambo McDowell, a guerra será nossa, Tio Sam.

– Você me transformou em uma máquina cibernética de espionagem?

Senti que poderia virar o Hulk a qualquer momento. Papai soltou uma gargalhada daquelas dignas de super vilões.

– Não apenas isso, você tem seu próprio HD, querida – Falou, tocando a lateral direita do meu rosto, como quem diz olá – Pode armazenar qualquer coisa, sua memória é impecável. Feche o olho esquerdo – eu obedeci ainda sentindo uma agitação meio Hulk dentro de mim - Vê a perfeição? Retirei o direito, o que você tem aí é uma lente de alta definição. Não é incrível?

Incrível não era bem a palavra, talvez assustador fosse mais adequado. Eu apenas queria levar o anel para Mordor, não virar um robô como o projeto zeta.

– Ainda não falei sobre os sistemas de segurança, e seu sistema baseia suas decisões em etiquetas contendo uma variedade de informações relevantes. A lógica da tomada de decisões é encapsulada dentro do servidor de segurança, tem uma fortaleza dentro da própria mente, querida. Claro, vai levar certo tempo para você conseguir controlar tudo isso, e se adaptar.

Nisso, eu finalmente acordei. Não tinha dormido muito e o sonho teria sido muito mais empolgante se eu sonhasse colorido. E que bondade do meu pai notar as olheiras.

– É, eu tive uma noite meio complicada – Falei, olhando para o meu braço e lembrando do sonho maluco.

– É apenas ansiedade. Ah, Liv, você vai adorar o CO Tech, o centro de pesquisas, os laboratórios. E a fraternidade, é claro.

A fraternidade é claro. Aqui está meu problema número um no momento: conseguir entrar para a bizarra e odiada antiga fraternidade que meu pai ajudou a criar na década de oitenta, quando estava na Valley. S.H.I.E.L.D. Sim, você não leu errado. Supreme Headquarters of International Espionage and Law-Enforcement DivisionNão, não exatamente, mas quaseEm todo casose The Avengers foi a primeira coisa que lhe veio à mente ao ver este nome, devo dizer que você está certíssimo, só para que tenha idéia do tamanho da bizarrice da coisa. Pelo que eu sei, o resto da universidade conhece o lindo lugar como “A casa nerd”.

Todo o resto do campus era grego, com exceção do dormitório, é claro. Mas eu já havia aberto mão dele, para tentar a maldita vaga na maldita Shield com os demais malditos nerds. Apesar de ser conhecida pelo seu centro de pesquisa tecnológica impecável e invejável a Valley mantinha todos os demais tipos de pesquisas e cursos. Então os ΛΠΘ, os ΡΔΓ, os ΦΩβ e todos os outros ditos gregos estavam lá, pra zoar e rir dos membros da infeliz, porém rica e invejada fraternidade nerd. Mal posso esperar.

Troquei o livro pelo vídeo game portátil, apenas para deixar a ação do jogo me distrair um pouco. Depois de mais algumas horas, eu fui deixada em frente a um prédio de tijolos pequenos com uma bandeira tremulante dos Estados Unidos, apenas com um “boa sorte e te ligo mais tarde”. Meu pai é mesmo um máximo, o que, claro, ainda o faz melhor que minha mãe que não está nem aqui. “Veja bem Liv, eu estou feliz por você, você sabe”, disse ao telefone dia desses, “Mas as coisas estão meio loucas por aqui”. Ela trabalha no banco mundial, e é divorciada do meu pai. É tudo o que você precisa sobre ela.

Pessoas com malas iam e vinham e eu estava começando a me sentir uma imbecil segurando um Pikachu de pelúcia. As meninas eram em sua maioria loiras e bronzeadas, trajando shorts curtos e mini blusas. Tinham outras também, mas essas ou vestiam preto dos pés a cabeça ou então roupas tão antiquadas que faziam minha vista arder. Os meninos andavam em tipos mais variados, de alternativos a mauricinhos, de playboys a esportistas, mas não fiquei encarando muito.

– Ei você! – chamou alguém.

Liv, se acalme, respire. Não é com você.

– Ei ruiva, você precisa de ajuda? Parece meio perdida.

Meu senhor dos anéis! É com você. Aja naturalmente. Respire.

– Er, eu? Ahn, eu procuro a... Shield. É, a Shield. Preciso chegar lá para o... Teste?

Eu tentei não gaguejar. Mas se você é Liv McDowell, bem, isso vem naturalmente a você quando o assunto é garotos. Tive muitas, muitas experiências ruins no passado. Minha vida escolar foi um lixo. High School sem o musical. Foi assustador. Então ali estava eu, virgem, recém chegada, perdida e gaguejando. Eu amo a minha vida.

– A Shield, claro – Disse o menino, sorrindo. Ele me pareceu fofo, sem mais – Aliás, meu nome é Chris, Chris Harper.

Chris Harper tinha uma clave de sol tatuada no braço direito. Cabelos castanhos em uma desordem casual e olhos de um azul escuro, quase preto. Usava uma camiseta do U2 e tênis converse impossivelmente sujos e desamarrados. Alguém precisa arranjar uma mãe pra esse menino.

– Eu sou Lívian McDowell, mas pode me chamar de Liv – Disse, estendendo a mão para cumprimentá-lo, feliz por não ser um ciborgue com um estúpido braço metálico cheio de caracteres brilhantes.

– Hum, bela camiseta Liv.

Ele apontou para o escudo do capitão América gravado em minha camiseta. Eu correi, o que é bem típico de ruivos. Obrigada mãe pela mutação do rutilismo, isso faz de mim quase um dos X men.

– Bela clave de sol – Sorri tímida.

Santo Odin, como eu sou estúpida. Bela clave de sol, eu disse isso mesmo?

– Ah, isso – Chris riu com vontade – Todos em minha fraternidade tem isso, aliás, se você vai ficar na Shield, vamos ser vizinhos.

– Você fica na ΦΩΔ glória aos deuses βΣΛ ou algo assim?

– Não, não somos gregos. Um dos poucos, na verdade, nos alto denominamos A resistência. A fraternidade Paradise, mas você vai ver que não há nada de paraíso naquele lugar.

Chris pareceu ressentido por alguns instantes, só para depois sorrir outra vez.

– Que tipo de gente há lá? Músicos?

– Principalmente – Ele falou, puxando-me para uma caminhada por entre as poucas árvores, como uma forma de cortar caminho – Mas há também aspirantes a artistas de todo gênero, dramaturgos, escritores, poetas, é uma festa, se quer saber.

A medida que caminhávamos eu via todo tipo de coisa. Eu quero dizer todo tipo mesmo, desde pessoas correndo nuas pelo campus a cartazes de “procura-se amor, paga-se bem”.

– Além da Paradise e da Shield, há quantos outros não-gregos?

– Com exceção a Paradise e a Shield, vejamos, só a Paradise e a Shield. Os gregos dominaram o campus. Toda a verba vinda da universidade ou vai para o CO Tech e as pesquisas, ou para a ampliação da parte grega. Os pais dos presidentes da ΔΩΔ e da ΦβΣ tem muita influencia na universidade, então os filhos se aproveitam disso. Sorte a dos nerds que... Digo, que o pessoal da Shield tem ótimos patrocinadores, você sabe.

Eu sabia. O atual presidente da Shield pelo que eu havia pesquisado era Daniel Dell, filho de Michael Dell, isso mesmo, o dos computadores, e o resto você pode deduzir sozinho. Reza a antiga lenda contada lá em casa que Michael Dell e papai fundaram a Shield com alguns outros caras, ripongas malucos que estão no vale do silício agora.

– Bem, é aqui que nos separamos – Disse ele – Ali está a Shield – Apontou para um lado da rua, onde uma construção branca e repleta de formas retangulares e vidro se erguia – E na frente dela – Ele apontou para o outro lado da rua – Minha querida Paradise, não tão paradisíaca assim.

E cara, eu senti pena. A Paradise era, de longe, a pior moradia da cidade universitária. Uma casa grande, com certeza, mas de madeira, quase que se desfazendo, grama por aparar e janelas por consertar, uma visão contrastante demais se comparada às gregas ou mesmo a Shield, que me parecia tão imponente, erguendo-se quase majestosa logo a frente da Paradise.

– Nos vemos ruiva, espero que consiga entrar. E se não conseguir, pode tentar a Paradise, não somos muito seletivos. E não temos nenhuma ruiva. – Ele sorriu outra vez e correu para o gramado que estava repleto de pessoas de todos os tipos, mas mesmo assim, todas pareciam de certa forma, artistas de algum gênero.

Ouvi Chris gritar que ele havia chegado e que a festa poderia começar, então aquelas pessoas estranhas foram levadas para dentro, e o que se ouviu depois foi uma mistura de gritos de pavor e risadas. Com certeza a iniciação dos recém chegados havia começado.

Parecia haver um tipo de festa, ou ao menos um comitê de recepção em frente a cada fraternidade que eu podia ver pela rua, onde grupos ou de meninos ou de meninas pareciam realmente animados, exceto na Shield. Ali não havia muitas pessoas, de fato, havia apenas três. Um garoto de expressão arrogante, cabelos penteados para trás e roupa impecável lia algumas folhas, enquanto outro, de expressão mais simpática e bonita parecia recolher amostras de sangue dos três jovens assustados a sua frente.

Hesitei antes de seguir em frente. Por que uma vez na vida eu não poderia fazer parte de algo normal? Eu poderia estar em uma destas fraternidades gregas para garotas de Q.I. baixo, não querendo entrar para uma fraternidade que recolhia amostrar de sangue logo na entrada. Mas então me lembrei do meu pai, e quanto eu sacrifiquei para estar aqui – saídas, festas, namorados, uma vida.

Avancei confiante apenas para ouvir um ofendido “Está atrasada, senhorita McDowell”. O rabugento da leitura se apresentou como sendo o próprio Daniel Dell. O simpático bonito (Que de perto descobri ser realmente bonito) disse ser Peter Harlowe, o assistrouxa do rei Dell. Fiquei encantada, não como fiquei por Sebastien Santee na oitava série, mas definitivamente encantada. Peter era bonito, não do tipo modelo de revista, mas do meu tipo. Camisa xadrez sobre uma camiseta preta, jeans, converse, cabelos quase loiros quase castanhos e olhos azuis detrás de um óculos estilo geek chic. Ele me parecia a versão menos perigosamente apaixonante do ator Chace Crawford.

– Seus históricos escolares são impecáveis, meus parabéns – Dell falou para nós, enquanto Peter soltava um risinho baixo e balançava negativamente a cabeça, como se algo naquilo tudo o divertisse – Lívian...

– Liv – Interrompi Dell, me arrependendo no mesmo instante – Só Liv, por favor.

– Certo, Liv. Rico conhecimento a cerca das ciências exatas, da matemática e da tecnologia. Seu pai é engenheiro de software na agência nacional de segurança, cuida de projetos de interceptação de comunicação, certo? – Assenti uma vez – Ótimo. Antigo membro fundador da Shield também. Certo. Sua mãe é diretora da corporação financeira mundial, tem escritório no The World Bank headquarters? – Assenti outra vez – Você ocupava seu tempo com pesquisa de física, coisas como matéria versus anti-matéria e por que os seres humanos existem. Além de, claro, manter-se a par das novidades no cenário tecnológico, huh? E fará o curso de engenharia da computação?

– Certo – Anui nervosa.

– Notas perfeitas, comportamento notável, desempenho fantástico em turmas de maratona acadêmica. Ganhou um ano na escola, tem dezessete?

– Tenho, faço dezoito em onze meses.

Ele fez uma cara de “e daí?”. Certo, garoto difícil.

– Ok, mais alguma coisa a acrescentar?

Pane no sistema. Nada ao alcance da mente. Pense Liv, pense.

– Jogo RPG e mato dragões?

Liv, você é tão estúpida. Tão, tão estúpida. Para minha sorte Peter riu com vontade, e Dell e os outros três se juntaram a ele.

– Isso é ótimo – Dell falou ainda rindo – Temos campeonatos aos sábados a noite – Boa sorte no teste. E você, - ele se dirigiu ao outro – Você é Yugi Daniels.

E ele falou e fez perguntas a Daniels, um asiático que parecia prestes a ter uma síncope de tão nervoso.

– Com licença? – Cantarolou algo com voz bonita perto de mim, enquanto eu ouvia a “entrevista” de Daniels. Ele era um estudante e tanto, mas asiáticos, você sabe, é de se esperar.

Balbuciei algo realmente inteligente como “Oh, ahn? Oi?” e me virei para quem me chamava. Era o Chace Crawford da Shield, querendo me espetar com uma agulha. Fiz bico mais acabei por ceder, porque ele não parecia muito interessado em joguinhos de “Tente acertar a agulha enquanto eu me movo”.

Não demorou muito e Dell tinha terminado a entrevista com os outros três. Peter aproximou um pequeno aparelho de nossos olhos, e disse que aquilo era para o scanner de retina da porta.

– Os gregos, vocês sabem, estão sempre querendo aprontar das suas – Peter explicou – Por isso protegemos a Shield como podemos, temos scanner de retina nas portas de entrada, além de cartões magnéticos para os dormitórios e senhas para os laboratórios. O sistema de alarme é acionado eletronicamente todos os dias às 23, e desliga às 5, volta a ser ligado às 9, quando a maioria sai, e desliga novamente às 3, quando quase todos voltam. Se ficar em casa, pode usar uma senha para desligá-lo. As câmeras de vigilância ficam ligadas vinte e quatro horas por dia e a central de comando fica escondida, vocês saberão onde se entrarem para a fraternidade.

Certo, certo. E os vidros das janelas devem ser prova de balas.

– E os vidros são a prova de balas.

Não estou assim tão surpresa.

– Mas não é como se eles atirassem na gente – Peter sorriu – Isso aconteceu apenas uma vez. Ou duas, se contar o ano novo.

– Certo, agora chega de conversa – Dell interrompeu – Vamos aos testes, senhores. Entrem, só não se sintam em casa.


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