O ponto era que minha mãe passou por tanta coisa ruim pra eu estar viva agora, que era quase inaceitável eu estar viva.

Ela havia matado pessoas inocentes é verdade, mas eu conhecia minha mãe bem demais pra saber que nada daquilo foi opção dela.

E, enquanto assistia àquele vídeo, eu entendi cada pesadelo de minha mãe, cada grito que ela dava á noite e o porque de meu pai sempre dizer pra gente ir dormir sem um “vai ficar tudo bem”, porque ele sabia que não ficaria.

E eu também sei agora. Agora que minha mãe contou tudo pra mim e para meu irmão.

Que passado horrível.

Que vida horrível.

Tantas vidas terminadas para que eu pudesse viver em minha casa branca, tranquila, comendo do bom e de melhor e reclamando de ter que ir pra escola.

Eu sou um monstro.

–Pode falar qualquer coisa que você quiser, querida. - minha mãe disse, com uma ruga de preocupação na testa.

Katniss Everdeen Mellark ainda era muito bonita aos seus 50 e alguns anos. E Peeta Mellark ainda a abraçava do mesmo jeito, fazendo ondas de amor sair do abraço dos dois.

Ambos olhavam para mim e para meu irmão mais novo com expressões dolorosas e exasperadas.

–Eu não quero dizer nada – eu respondi.

Meu irmão levantou e passou a mão pelos cabelos escuros.

–Eu sinto muito – ele disse, antes de sair. Eu tenho quase certeza de que ele iria chorar.

–Eu sinto muito também... - ouvi minha mãe sussurrar.

Talvez a gente estava tornando aquilo tudo pior pra ela.

–Mãe... me desculpe – eu disse, me surpreendendo, já que havia uma bola enorme na minha garganta.

–Por que você está se desculpando? - ela perguntou.

–Porque... eu nunca entendi realmente a dimensão disso tudo e... eu sinto muito – e a primeira lágrima escorreu. - Eu amo vocês.

Senti o abraço carinhoso de meu pai e ouvi uma som engasgado que escapara do garganta de minha mãe.

Eu gostava de ser uma Everdeen Mellark.

Até aquele fatídico dia em que meus pais me contaram toda a verdade.

Até o dia em que eu me senti culpada por todos os pensamentos ruins em relação á minha mãe.

Até eu descobrir o tanto que meus pais passaram.

Eles não deveriam ter passado por tanta coisa.

Eles não merecem ter esse peso todo nos ombros.

Eu odeio cada pedacinho da história que eles me contaram.

E mesmo assim, eu me sinto meio orgulhosa de saber que meus pais salvaram a humanidade, que hoje eu não vou para um dos... como é mesmo? Jogos Vorazes? Não importa.

Eu não sou o monstro. Esse era a antiga capital.

Então porque eu ainda me sinto suja e culpada por tudo isso?

Alguém, algum dia, disse que a ignorância era uma benção. Essa pessoa estava muito certa.