15th Hunger Games escrita por Primrosers


Capítulo 9
Para Sempre




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Uma voz aparece do outro lado da porta, dando ordens para nós sairmos. Ainda estamos lá, sentados naquela sala vazia com o número 11 carimbado com tinta preta na porta. Penso em todos os outros tributos do meu distrito que já sentaram aqui, nesse mesmo sofá de veludo que estou agora. As lágrimas, o desespero e o medo que foram deixados para trás nessa sala. Pousada em cima de uma das mesas, ao lado do sofá, está uma rosa recém colhida. Olho para ela, e penso se não foi David quem a deixou aqui, para combinar com meu vestido. Uma rosa para a garota destemida.

Meus dedos trêmulos encontram a mão de Alex enquanto ele tenta me levantar. Ainda perplexa, olho para seus olhos em busca de ajuda. Porém, tudo que eu acho é um vazio. Sei que ele também está com medo, mas mesmo assim ainda me da um longo abraço confortante. Albert e Elise nos conduzem por diversos corredores e salas. É engraçado, mas tudo que eu queria agora era poder me jogar nos braços deles e pedir ajuda. Eu realmente não sei o que vou falar nessa entrevista. Sei que Conor, o entrevistador, fará mil perguntas para mim enquanto ficarei perplexa olhando para seu estilo deste ano. Há quinze anos ele usa perucas coloridas, cada ano uma cor. Tento me lembrar que aqui isso é moda, mas não entra na minha cabeça. É ridículo, mas é o que menos me importa agora. Quando somos deixados diante de uma porta cinza, sei que algo lá dentro não vai me agradar. É hora de revê-los, penso. Meus companheiros tributos.

Eu estava certa. Assim que nos despedimos de Elise e Albert, Alex abre a porta. E lá estão eles, todos os 22 tributos enfileirados esperando o sinal. Nos posicionamos novamente entre os tributos do distrito 10 e 12. As garotas ficam na frente desta vez. Com o canto do olho, vislumbro Melissa em um lindo vestido dourado. Seus cabelos estão presos com uma faixa azul, da cor de seus olhos.

Uma imagem surge na minha cabeça. Milly, minha irmãzinha, em seu aniversário de três anos. Ainda bem pequena, porém muito esperta. Lembro que naquele dia acordei cedo e fui correndo para a campina. Colhi lindas flores. Prímulas, Margaridas e Rosas. A última, a que ela mais gostava. Quando estava voltando para casa, uma mulher idosa com o corpo curvado e dentes tortos, me ofereceu um pequeno vestido dourado em trocas daquelas lindas margaridas e prímulas. Sem entender o porquê da oferta, a mulher me disse que precisava delas para colocar no tumulo de sua neta que havia morrido há poucas horas. Sem pensar duas vezes, entreguei as flores para a mulher e ela me deu o vestido. Depois de desdobra-lo totalmente, percebi que serveria em Milly. Era exatamente do tamanho dela. Uma onda de dor percorreu o meu corpo enquanto eu caminhava ao longo dos ladrilhos de pedra até minha casa. O vestido, com um aspecto um pouco novo e que quase não fora usado, pertencia a neta daquela mulher. Pertencia a uma criança de três ou quatro anos. Imagens afloraram na minha mente. Uma menina doente, usando um vestido dourado e uma fitinha azul no cabelo ainda nos braços de sua mãe. Chorando, com o corpo contraído. Vejo uma lágrima escorrendo de seu rosto e caindo no chão com um impacto doloroso. Alguns soluços se seguem e, por fim, silêncio. Um silêncio contínuo.

Assim que cheguei em casa naquele dia, já eram quase duas horas da tarde. Milly estava na mesa da cozinha, enquanto Katie pentiava seus longos cabelos dourados com uma escova velha. Minha mãe estava acendando a lareira, preparando algo para o almoço. Uma mistura de verduras, eu acho. Quando Milly avistou o vestido em minhas mãos, seu rosto se iluminou. Com a ajuda de Katie, ela desceu da cadeira e veio correndo até mim. Só então foi que eu mostrei a rosa à ela. Seus olhos azuis começaram a brilhar, e uma alegria sem tamanho começou a fluir de seu corpo. Milly me abraçou tão forte que foi preciso os braços de minha mãe para desgrudá-la de mim. Depois de colocar o vestido, peguei uma das rosas e coloquei em seus cabelos. Passamos a tarde enfeitando os poucos vasos de cerâmica herdados de nossa avó. Milly pintava flores neles com seus pequenos dedinhos, enquanto Katie colocava as rosas recém colhidas nos vasos de tom pastel.

Essa é uma das memórias que não param de aflorar em minha mente. Elas vêm a todo momento, sem hora marcada. Apenas aparecem, fazem uma bagunça na minha cabeça e me deixam paralizada pelo efeito. É necessário uma sacudida de Alex ou um aperto de mão para que eu volte à vida. É como se eu estivesse presa em minhas próprias lembraças.

Um por um, os tributos vão sendo chamados para suas entrevistas. Quando olho para a pequena televisão que há na sala, vejo que a garota do distrito 2 já está sentada ao lado de Conor. A garota está rindo, fingindo ser legal e agradável, mas nada consegue esconder seu olhar mortífero. Os minutos que me levaram à relembrar momentos felizes com minha família, me fizeram perder as entrevistas dos tributos do distrito 1. Pouco me importa, acho que vê-los na televisão não iria me ajudar em nada à esquecer de que eles podem me matar com um simples golpe. Olho para a longa fila à minha frente, e vejo que alguns tributos estão me encarando de um jeito quase despercebido.

– É o seu vestido.– sussurra Alex, em meu ouvido.

Tento parecer séria, mas todos aqueles olhares e espiadinhas voltados para mim me dão vontade de sair correndo dali. Chorar, talvez. Chorar de raiva e não de dor. Não neste momento.

A fila anda, as entrevistas se seguem. Cada um parece ter uma personalidade diferente. Engraçado, sexy, fofa, extravagante, rude, feliz, idiota, solitário, tímido, forte. Tem para todos os gostos. Aposto que os patrocinadores já devem estar lutando para escolherem seus tributos a serem beneficiados na arena. Vejo uma mulher entrar para levar o garoto do distrito 10, então eu simplesmente espero. Só eu, Alex, Melissa e o garoto do seu distrito restamos na sala. A próxima a ser chamada será eu. Coloco meu braço esquerdo para trás e tento achar as mãos de Alex, que logo se grudam às minhas com força. Não para me confortar, como de costume, mas sim para dizer ''Boa Sorte''. A mesma mulher que conduziu os outros tributos reaparece, me guiando pelo braço até uma das extremidades da sala. Uma porta preta, revestida de metal e aço se abre, revelando um corredor escuro.

Estou prestes a gritar quando vejo Albert caminhando ao meu encontro. Por onde será que ele entrou? Por uma outra sala, obviamente. A mulher me deixa ao seu lado e desaparece. Sem exitar, abraço-o. Pela primeira vez, sinto conforto nele. É uma coisa estranha, estúpida, fora de costume. Abraçar meu mentor que tanto desprezo e odeio. Mas não tenho outra escolha. Albert é o único ombro amigo a qual eu posso contar agora.


– Escuta. – diz ele, baixinho. – Vê se não comete erros.

– Erros?– pergunto, com uma voz um pouco rouca.

– Faça com que as pessoas gostem de você, e não ao contrário.– diz ele. – É hora de mostrar à elas tudo o que você é, e até algo mais se você conseguir.

Só então entendo com clareza o que ele está querendo dizer. Panem inteira está assistindo. Estarei de frente para a platéia da Capital, onde haverá centenas de patrocinadores voltando seus olhos para mim, escutando com clareza cada palavra que saia da minha boca.

– Vou tentar.– digo, enquanto a mulher retorna e me guia até uma escada que leva ao palco. Escuto gritos, suspiros, pessoas animadas e loucas por sangue. Loucas para nos assistir matando uns aos outros na arena. Subo as escadas com passos tortos, minhas pernas tremem. Quando chego ao topo, percebo que estou ao lado do palco. Não há como ninguém me ver daqui, está tudo escuro e uma grande placa de metal me separa da visão da plateia. Avisto Conor sentado em uma poltrona branca, ainda conversando com o tributo do distrito 10 que está em uma poltrona semelhante ao seu lado. Esse ano sua peruca é vermelha. Não um vermelho vivido como meu vestido, mas um vermelho claro com muito brilho. Extravagante, exagerado, diferente e esquisito. Bem comum entre as pessoas da Capital. Vejo o tributo do distrito 10 se levantando, despedindo-se do público e sumindo pelo outro lado do palco. Telões gigantescos estão espalhados por todos os cantos, dando closes diversos no rosto dos tributos entrevistados. Uma voz atrás de mim diz que é hora de ir. Só então Conor anuncia meu nome.

– Está na hora de conhecer o próximo tributo.– continua ele.– Do distrito 11, a garota que todos vocês querem conhecer melhor. Vamos dar às boas vindas para Abbie Everllark!

Enquanto caminho até minha poltrona, olho de relance para os rostos grudados em mim. Sentados nas cadeiras, assistindo e acompanhando a cada detalhe. Patrocinadores, estilistas, mentores. Todos estão lá, me aplaudindo freneticamente. Consigo avistar David, que dá uma piscadela para mim. Miro o chão, não sei ao certo se é por timidez ou por medo, mas continuo assim até sentar. A poltrona é bem confortável, o que realmente parece uma surpresa para mim, porque a maioria dos tributos se sentaram de uma forma estranha.

– Olha só para você! - diz Conor. E uma sonora agitação surge da platéia. Gritos ensurdecedores. Eu realmente não havia prestado atenção no que estava acontecendo, mas todos se voltaram para meu vestido. Tomadas do rosto de David são exibidas nas telas, vários closes de onde ele se encontra na platéia. Me sinto feliz por ele estar ganhando reconhecimento. Afinal de contas, ele no fundo parece ser uma pessoa boa. Ele me deu um nome, um motivo, e é isso que vou tentar relembrar agora.

– Seja bem vinda, Abbie! É um prazer tê-la aqui no palco esta noite.- diz Conor.

– Obrigada. - digo, apenas. Seria até divertido dizer que ''o prazer é todo meu'', mas a verdade é que não sinto prazer nenhum de estar aqui.

– Conte para nós. – começa ele. – Como você se sente sabendo que seu rosto está sendo transimitido agora para toda a população de Panem?

É essa a hora. A partir de agora começou o jogo. Tenho que pensar em algo que valha a pena dizer.

– A única coisa que consigo pensar é na minha família, que neste momento está me assistindo com um enorme aperto no coração. - digo.– Mas nada fará com que vocês entendam como é isso, perder um filho para os jogos.

A platéia fica em silêncio, medindo cada palavra que sai da minha boca trêmula. Tento cruzar meus braços na altura da cintura para diminuir os tremores que correm pelo meu corpo.

– Todos ficamos sabendo que você se ofereceu como tributo no lugar de sua irmã. - diz Conor.– Porque você fez aquilo? Teve a certeza de que voltaria para casa sã e salva?

É agora que eu percebo. O quanto eu os odeio. A capital, todos eles. Essas pessoas que agora me encaram entuasiasmadas com a boca fechada e os olhos bem abertos. Apenas esperando que eu cometa um erro, ou que eu fale algo extraordinário que valha a pena sua atenção. Eles nunca entenderão. Eles nunca saberão. Nos tratar como peças em seus jogos. Cada ano enviando 24 crianças para uma arena. Só uma saí de lá com vida. E para eles tudo é diversão, o nosso sofrimento é o que os alimenta.

– Você nunca sabe se vai realmente voltar.– começo. - Eu fiz aquilo porque a coisa que mais importa no mundo para mim é a minha família. Me sinto feliz por saber que salvei a vida de minha irmã, e eu lutarei até o fim por ela.

Ouço soluços se formando em meio à multidão. Talvez alguém frágil da Capital que não aguente esse tipo de coisa. Alguma mãe que ama seus filhos, que por um segundo se colocou na minha situação. Ou simplesmente sentiu pena de mim.

Conor me observa por um momento, e por fim pergunta:

– Quero saber mais sobre você. Tirando a sua família, há mais alguém de especial em sua vida?


Olho para Conor por um momento, tentando entender o que ele acabou de dizer. Ah, ótimo. Ele quer saber se tenho algum namorado. Obviamente não tenho mais chances de ter um algum dia. Só então me lembro de um par de olhos verdes me olhando na escuridão, com seus braços em volta de meu corpo. Suas palavras que me davam conforto no meio da noite. Seus braços firmes, seu beijo quente e suave. Sua mão que me guia através dos corredores de nossa pequena prisão. É então que meu rosto se ilumina, meu olhos se enchem de lágrimas. Vejo closes de meu rosto nos telões da Capital. Por fim, minha boca se abre e rompo o silêncio instalado no ar:

– Há sim. A única pessoa que tem o poder de me confortar

.A platéia suspira.

– Você está falando de um amigo, ou mais do que isso? – diz Conor.

– Talvez mais do que isso. Uma pessoa pela qual vale a pena lutar.

Sinto os olhos de Alex, Melissa e o outro tributo do distrito 12 me encarando dentro daquela sala. Com seus olhos fixos na televisão.

– Eu tenho uma sugestão para você. – Começa Conor. – Lute por ele e tente vencer esse jogo. E então, quando voltar viva para seu distrito, tenho certeza de que vocês terão uma longa vida juntos.

Estou fixando o chão agora, e sinto meu rosto sendo flagrado pelas câmeras com cada vez mais proximidade.

– Eu vou lutar por ele sim, mas eu não vou voltar pra casa.- digo.

Conor faz a pergunta que todos estão esperando:

– Como assim? Por quê não vai?

– Porque só um pode sair vivo. E essa pessoa será ele. - digo.

Sinto o silêncio tomando conta de toda Panem. O que acabei de fazer? Deixei claro que irei sacrificar a minha vida para que Alex volte para casa. Fiz com que todas as esperanças de minha família se tornassem inalcançaveis. Melissa, minha pequena aliada, já sem esperanças de voltar para casa. Penso em Milly e Katie com lágrimas nos olhos. Minha mãe concentrada em um ponto distante, como na morte de meu pai. Quem vai protegê-las agora?

É como se eu tivesse levado um soco no estômago. Vejo Conor olhando profundamente em meus olhos, tentando encontrar algo para dizer. Ótimo, fiz até o entrevistador ficar calado.

– Bom, é uma pena. - diz ele, se aproximando de mim e beijando minha mão. – Desejo a você toda a sorte do mundo. - Ele faz um sinal com a cabeça para que eu me levante e me apresenta novamente ao público.

Pessoas perplexas, ainda soluçando, me dão uma onda de aplausos gigantesca. Umas parecem não ligar, mas outras realmente sentem pena de mim. E isso é o que mais me encomoda. Não preciso que ninguém tenha pena de mim. Ao longo de 15 anos eu passei fome e vi minha família implorando por algo para comer. Meu pai morreu pela falta de remédios, de tratamentos adequados. Sofri pela perda dele, sofri pela minha irmãzinha Milly não ter a oportunidade de conhecê-lo, por Katie ainda pequena sem conseguir entender o que estava acontecendo. E agora, só agora, pessoas estão com pena de mim. Com pena da garota apaixonada, destemida e com coragem para lutar pela vida de seu grande amor. Sendo capaz de sacrificar sua vida por ele. E o garoto não sabia de nada. Seus planos eram diferentes. Me proteger, me manter viva. Mas agora ele sabe. Ele deve estar prestes a subir no palco agora, mas ele viu tudo. Sem olhar para trás, saio do palco pelo outro lado e desço escadas semelhantes pelas quais eu subi. Escuto Conor apresentando Alex e a multidão vai novamente a loucura. Em poucos minutos, Elise e Albernat chegam ao meu encontro. Eles apenas me olham por um momento, mas não consigo identificar as expressões em seus rostos. Só então começamos a observar a entrevista de Alex por uma pequena tela de televisão na parede.

– Bem vindo, Alex! - diz Conor, parecendo ainda um pouco perplexo com a entrevista anterior.– É um prazer recebê-lo aqui.

– Obrigado. - diz Alex, com um olhar vazio.– É um prazer estar aqui também.

Diferente de mim, ele consegue mentir muito bem. Mas o que acontece em seguida me surpreende.

– Acho que você deve ter escutado um pouco da entrevista de Abbie. - diz Conor.

– Eu ouvi tudo. - diz ele, fixando seus olhos no público que olha para ele antentamente.

– Então é você, o garoto de quem ela falava. - diz Conor. - Você é um cara de sorte.

– Acho que o fato de ser mandado para os Jogos Vorazes junto com a sua namorada não pode ser considerado uma sorte.

Namorada? Ele falou isso mesmo? É como se fossemos namorados desde que viviamos felizes em nossas casas, bem antes da colheita. Bem antes dos jogos, bem antes de tudo.

Conor pondera a questão, mas então muda de assunto.

– Você também tem irmãos?

– Tenho sim. Ambos ainda não alcançaram a idade para colocarem seus nomes na Colheita, mas eu também estaria a disposição de tomar o lugar deles nos jogos se necessário, assim como Abbie.

– Ela é muito corajosa. – diz Conor.

– Mais do que você imagina. – acrescenta Alex.

Então é isso? Ele vai continuar com essa ideia de tentar me proteger, mesmo eu assumindo para Panem inteira que estou lutando para tira-lo da arena com vida?

– Você tem sorte de ter uma garota assim ao seu lado.– diz Conor.

– Sim. Mas pena que vai ser por pouco tempo agora.

– É uma pena que haja possibilidades de você sair da arena, sem ela. - acrescenda Conor.

– Também há possibilidades dela sair e eu não.– diz Alex.

Só então minha pergunta recebe uma resposta. Sim, ele ainda está tentando me proteger. Uma outra memória aflora na minha mente. Uma campina verde, repleta de lindas prímulas brancas. É primavera, minha época preferida do ano. Estou correndo, e há alguém do meu lado. Um menino de sete anos, com cabelos louros e olhos verdes como o mar. Ele sorri para mim e segura a minha mão. Corremos ao longo de um rio, que parece um pouco fundo. Eu sempre tinha medo de ir até lá sozinha, mas quando eu estava com ele qualquer medo desaparecia. Tentando passar por um espaço estreito entre o rio e as raizes de uma grande árvore, acabei caindo dentro da água. Eu só me lembro de Alex pulando para me resgatar, mergulhando e me içando com seus braços fracos de criança. Como eu também era muito leve, até mais do que ele, não foi muito difícil me trazer de volta à superfície. Enguli muita água, mas acho que permaneci acordada. Só lembro de abrir os olhos, deitada sobre um manto verde, e deparar com um ramo de flores apontadas para mim. Havia um menino segurando-as, o menino que me trouxera de volta à vida, que arriscou pular no rio para me salvar. Depois daquele dia fomos mais cautelosos ao passar por ali. Mas, mesmo a memória sendo um pouco dolorosa, havia um pouco de felicidade para mim no final das contas.

Percebo o quanto sou idiota por nunca ter reparado nisso. Alex sempre tentou me proteger. Talvez ele sempre me amasse, desde a época que eramos crianças. Mas eu era um pouco nova demais ou inocente demais para notar isso. Quando volto à realidade, Alex já está no fim de sua entrevista. Albert percebe que eu estava pensando em algo e não havia prestado atenção ao resto, pelo modo que olho para ele em busca de uma resposta.

– Ele mencionou alguns momentos felizes ao seu lado.– diz Albert. - E só.

Sinto lágrimas brotarem de meus olhos, mas não há tempo de chorar agora. Enquanto Alex some do palco, Melissa sobe com seu vestido dourado e senta-se ao lado de Conor. A platéia fica emocionada ao ve-la, emitindo gritinhos e mais alguns soluços.

Alex aparece descendo as escadas e se põe ao meu lado. Ele sabe que a pessoa que está em cima do palco agora também é importante para mim. Todos se voltamos para a tela de televisão, sem dizer uma só palavra.

Conor dá as boas vindas para Melissa e ela o agradece com um sorriso no rosto. Seus olhos estão brilhando, mas ela mantém uma postura séria.

– Você assistiu as outras entrevistas, não é mesmo?– diz Conor. Melissa faz que sim com a cabeça. - Bom, e o que você mais achou legal até agora? - diz ele.

Perguntas inocentes para uma criança inocente, penso.

– As roupas, todas são muito bonitas. Mas gostei de uma em especial.

– Qual?– pergunta Conor, com um sorriso.

– O vestido de Abbie, feito de pétalas de rosas. Rosa é a minha flor favorita.

Só então percebo sua expressão triste, mirando o chão, como no dia do centro de treinamento em que estavamos na sessão de camuflagem. A expressão de quem está pensando em alguma lembraça ruim. Então me lembro de quando ela contou a história de sua irmã. O dia em que ela passou pela cerca de seu distrito para colher algumas flores, e acabou demorando demais para voltar pra casa. Então sua irmã foi à sua procura, e acabou sendo pega pelos pacificadores ao tentar pular a cerca. Depois de longas chicotadas, a irmã de Melissa perdeu os movimentos das pernas. Ligando uma coisa com a outra, acho que acabei de compreender tudo. Melissa havia avistado Rosas do outro lado da cerca.

Conor não sabe de nada sobre essa história, de modo que apenas pergunta se ela está bem e ela faz sinal que sim. Então ele segue com a entrevista, parabenizando-a pela sua nota no centro de treinamento e fazendo mais algumas perguntas que não consigo ouvir, porque estou tonta. Tão tonta que sinto meus joelhos dobrarem e sou quase que carregada por Alex e Albert até meu quarto.

Só lembro de David e da minha equipe de preparação abrindo a porta do quarto para me despir, me vestindo com uma roupa comum e saindo em silêncio. Só então a porta se abre novamente, e Alex aparece. Decidimos não fazer nenhum comentário, simplesmente esquecemos da entrevista. Alex passa a noite comigo, me protegendo de pesadelos e me acalmando com seus beijos. Pela amanhã, Elise e Albert também não comentam sobre a entrevista, mas parecem um pouco entusiasmados com o café da manhã repleto de guloseimas. David e Betie também não dizem nada, nem a minha equipe de preparação. Ninguém. O que eu e Alex dissemos na noite passada já foi o suficente. Nada que alguém faça poderá mudar nossa decisão. Tudo que podemos fazer agora é aguardar a hora. Amanhã, nesse exato momento, estaremos a caminho da arena. Sabe-se lá o que iremos encontrar, o que iremos encarar. Engulo minha sopa colorida com a menor pressa que consigo encontrar. Não preciso me preocupar com hora hoje. Albert nos diz que teremos o dia de folga, mas nos força a descansar. Não se esquecendo de nos lembrar que amanhã acordaremos bem cedo para mais algumas aulas com ele antes dos Jogos. Para ser sincera, eu não preciso aprender mais nada, mas não discordo. Apenas permaneço em silêncio. Eu e Alex, sentados na mesa saboreando nossa refeição. Poderemos estar mortos daqui a poucas horas. Talvez um de nós sobreviva, mas não dá para saber agora.

Tudo o que fazemos é voltar para meu quarto, onde ficamos do mesmo jeito que passamos a noite. Decidimos descansar bastante porque não sabemos quantos dias teremos de ficar acordados na arena. Dormir lá é crucial, porque pode resultar em uma morte certa. Alex me abraça,envolvendo no calor de seu corpo. Beijando a minha boca, me protegendo da luz cinza que entra pela janela. Me protegendo dos pesadelos, me embalando no sono. Tenho um sonho horrível, mas não consigo me lembrar direito. Só sei que eu estava morrendo, não sei ao certo onde ou como. Mas sei que já vi isso antes, há muito tempo atrás. Antes do nome de Katie ser chamado na colheita, antes de eu me tornar voluntária para substituí-la. Estou morrendo lentamente, com uma chuva ácida percorrendo meu corpo. Antes eu era um pássaro, mas agora estou sem asas. Alguém me chama, mas não sei ao certo quem ou o que. Só sei que estou morrendo, morrendo lentamente.

Enquanto me embalo no sono, uma outra coisa me vem à mente. Uma conversa com poucas palavras, entre mim e Alex, talvez feita a alguns dias atrás. - "Fica comigo?"– eu pergunto. E, por fim, ele responde - "Para sempre".

















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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, mandem reviews que em breve postarei mais um novo capítulo! :) xx



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