15th Hunger Games escrita por Primrosers


Capítulo 7
A Floresta Proibida




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Posso ver minha vida se extinguindo a medida que as horas vão passando. Estou sentada na cama, com os cotovelos nos joelhos e as mãos na testa. Pouco me importa toda a maquiagem e todas as coisas que a minha bizarra equipe de preparação fez em mim. Tenho problemas maiores. Para que todo o meu plano dê certo, hoje preciso me empenhar muito no treinamento. 

Olho para o relógio e vejo que já são nove e meia. Há essa hora eu deveria estar me dirigindo à sala de jantar, mas perdi completamente o apetite. Reúno todas as forças que consigo para vestir meu traje que David deixou em cima da cama. Minha cabeça dói e não consigo me manter em pé por mais de cinco minutos, decido que é melhor usar os minutos que ainda me restam para tentar dormir um pouco. Ignoro as duas batidas na porta. Seja lá quem for, não quero companhia agora. Mesmo Alex, que faz com que as coisas melhorem, eu não gostaria de ver agora. Uma simples troca de olhares entre nós dois, e já seria o suficiente para eu me jogar em seus braços e contar tudo que está acontecendo. Mas eu não posso. Para que tudo dê certo, ninguém pode saber do meu plano. Nem mesmo Albert, nosso mentor. Sei que há possibilidades de eu acabar estragando tudo agindo dessa forma, mas agora é a única solução que encontrei, e não tenho mais tempo de bolar outra. Estico meu corpo na cama, tentando encontrar conforto. Mas está faltando algo. Na verdade, alguém. Esse pensamento me faz despertar rapidamente, e noto que já são quase dez horas. Me levanto, tentando me equilibrar aos poucos, mas parece que estou relativamente melhor. Escovo os dentes e calço minhas botas. Antes que Elise venha bater na minha porta, já estou de pé na sala de jantar.

- Finalmente! - exclama ela.

Elise parece não reparar em como estou diferente. Afinal, perto dela estou parecendo uma mulher de beleza natural. 

Alex aparece na sala, e vejo que sua expressão é de cansaço. Quando seus olhos se encontram aos meus, posso notar um pequeno riso formando em seus lábios. Com  certeza devo estar parecendo uma aberração, mas não ligo. Acho que ele não vai conseguir se sair muito bem hoje no treinamento. Pelo jeito, enquanto fiquei sob os cuidados da minha equipe de preparação hoje de manhã, Alex voltou a dormir. Ou, pelo menos tentou. Albernat nos conduz até o elevador, sem deixar de fazer um pequeno comentário.

- Vocês dois não comem quase nada! Desse jeito vão continuar fracos. - diz ele, e em seguida manda um leve sorriso em minha direção. - Você está um arraso, queridinha.

Definitivamente estou me sentindo a pessoa mais horrível do mundo inteiro. Mas beleza nunca foi uma coisa pela qual eu lutei. Nunca liguei para isso. As meninas do meu distrito passavam seu pouco tempo livre falando sobre roupas e garotos, enquanto eu ficava escalando árvores e colhendo frutas no pomar.  A porta do elevador se fecha diante de nós e sinto a mão de Alex já colada a minha.

- Você está bonita. - diz ele. - Mas prefiro você... mais natural.

- É, eu também - digo.

Elise nos conduz até a porta do centro de treinamento, nos dá um abraço e seguimos em frente sozinhos. Assim que abro a porta, vejo que apenas os tributos do distrito 6 e 7 estão presentes. As quatro crianças me olham, com medo. Acho que, afinal de contas, toda essa maquiagem pode acabar me ajudando a agir como uma carreirista. Assim que entramos na sala, sigo diretamente para a sessão de arco e flecha e Alex segue atrás de mim. Os tributos do distrito 5 chegam e se direcionam direto para a estação de lançamento de facas. A garota do 5, que antes me encarava, parece não direcionar mais o olhar para mim. Me sinto bem melhor assim. Como o restante dos tributos ainda não chegaram, me sinto mais confortável para dar algumas dicas para Alex de como manusear o arco e flecha. Em seguida, deixo ele com o treinador, que o ajuda a aprimorar mais suas escassas habilidades. Quando me viro e caminho em direção à sessão de arremesso de lanças, vejo que todos os outros tributos já começaram a chegar também. Théo, o garoto do distrito 2, me encara de longe, lançando um olhar irônico em minha direção. Não entendi muito bem o porquê, mas sigo com o que estava fazendo. Ele não me intimida. Olho por cima do ombro e vislumbro Melissa, novamente na sessão de cordas. Porque será que ela não tenta ao menos arremessar uma faca ou algo assim? 

Pego a primeira lança que encontro, miro no alvo e acerto de primeira. O treinador fica tão entusiasmado que começa a me desafiar mais, afastando mais os alvos e mudando-os de posição frequentemente. Para minha supresa, das dez lanças que arremessei, sete acertaram o alvo logo na primeira tentativa. Quando finalmente decido mudar de estação, percebo que Théo ainda está me encarando. Ele está na mesma sessão que Alex, de arco e flecha, mas parece apenas observar enquanto o treinador dá instruções à Alex. Ando até a estação de camuflagem e passo longos vinte minutos aprendendo a criar uma coloração verde, extraindo substâncias de flores e folhas, que me permite se camuflar entre as árvores. Por um lado, é até divertido. Depois que minha mistura foi aprovada pelo treinador, me viro e começo a pintar meu braço esquerdo para testar a coisa. Levo um pequeno susto quando uma voz surge baixinha do meu lado, como um sussuro:

- O que você está fazendo?

Me viro e vejo Melissa, olhando atentamente para mim. Seus olhos azuis arregalados, me observando com atenção. Acho que ela já estava ali a algum tempo, embora eu não tenha notado.

- Camuflagem, assim posso me esconder melhor em cima das árvores. - digo.

- Então quer dizer que haverá uma floresta? -  pergunta ela.

Não pensei muito a respeito. Com todas as preocupações que andei tendo até agora, não consegui arrumar tempo para fantasiar como será a arena. Afinal, pode ser qualquer coisa. E, já tenho problemas suficientes para ocupar minha mente, de modo que pensar no cenário que será minha morte não ajuda em nada.

- Talvez. - digo, e volto e me concentrar na mistura.

- Você consegue subir em árvores? - diz Melissa, ainda atenta a mim.

- Eu costumo trabalhar em cima das árvores em meu distrito, e no meu tempo livre gosto de colher frutos, até dos galhos mais finos do topo delas. - sorrio por um tempo, lembrando de casa, lembrando dos dias de verão em que eu passava o dia colhendo amoras e saboreando-as enquanto assistia ao pôr do sol.

- No meu distrito tem uma floresta - começa ela, quase que sussurando - é proibida, mas eu já fui la apenas uma vez. Quando teve um corte de energia e a cerca foi desligada, escapei até lá para colher umas flores. É claro que não tive muito tempo para escalar as árvores, mas consegui subir em uma ou duas. -  Reparo na expressão vazia que tomou conta de seu rosto. Quase que imediatamente, vejo uma lágrima escorrendo de seus olhos.

- O que houve? - sussurro para ela.

- Naquele dia eu demorei um pouco para voltar pra casa. Minha irmã mais velha foi atrás de mim, mas acabou sendo pega pelos pacificadores ao tentar passar pela cerca. Eles a prenderam e deram diversas chicotadas em suas pernas. Ela não anda mais, e é como se tudo fosse por minha culpa.

Um choque toma conta do meu corpo. Imagino Melissa, sua irmã, sua família. Seu distrito rígido, probre. Uma floresta fora de seu alcance.

- Eu sinto muito, de verdade. Mas não foi culpa sua. - digo, e dou um leve e rápido abraço nela. Sem que Melissa veja, uma lágrima escapa de meu rosto. Eu sinto falta da minha família, e abraça-la faz com que eu lembre ainda mais de minhas irmãs. É como abraçar Milly, ou Katie. Fico imaginando o que elas devem estar fazendo agora...

- Ei, você não vai continuar? - diz ela, secando as lágrimas com a manga da sua blusa.

Só então reparo que estou parada, perplexa, e que deixei o pincél cair. Me abaixo para pegá-lo e continuo tentando pintar meu braço. Melissa acompanha cada pincelada com os olhos, ansiosa para ver o resultado. Quando, por fim, estou satisfeita, encosto meu braço sob uma folhagem baixa e me permito um leve sorriso.

- O que você acha? - pergunto à ela, que agora parece estar com uma expressão melhor.

- Ficou incrível! Certamente ninguém vai conseguir te achar quando você estiver em meio às folhas.

Continuamos lá, eu e minha pequena e indefesa aliada. Nos divertindo na estação de camuflagem. Pinto uma flor em sua bochecha, com cores vivídas que me trazem felicidade. Em troca ela sorri para mim, e o retribuo. Sei que eu deveria estar treinando modos de matar meus oponentes, mas estar aqui com Melissa me dá uma sensação da qual eu estava sentindo falta. Não é o tipo de proteção e conforto que Alex me proporciona, mas o sentimento de estar com a minha família. Ao lado de minhas irmãs, como nas tardes de primavera em que colhiamos flores no campo perto de casa. Em todos esses dias aqui na Capital, eu jamais havia sentindo algo como isso. É como se, por um momento, eu estivesse de volta à minha casa. Por um momento permanecemos caladas, uma pintando o rosto da outra, até eu finalmente romper o silêncio:

- O que você acha de tentarmos alguma coisa diferente agora?

- Que tipo de coisa? - pergunta ela, sorrindo ligeiramente para mim.

- Algo como... arremessar um objeto. - digo.

- Está bem. -  Melissa segura minha mão, e caminhamos até a estação de arremesso de facas, que agora está vazia. Ela não diz nada, mas sei que ela também encontra proteção em mim. Talvez, de alguma maneira, eu também lembre sua irmã.

Noto o medo no rosto de Melissa em frente a todos aqueles objetos cortantes. Certamente ela nunca fizera mal a ninguém, e parece que nunca usou uma faca antes. Para tentar diminuir seu medo, eu vou na frente. Pego uma faca com um cabo longo e com a ponta fina, e arremesso no boneco que está a quase oito metros à minha frente.  A faca acerta o alvo, bem no coração. Sinto Melissa trêmula ao meu lado, e percebo que força-la a tentar o mesmo que eu não seria a coisa certa a fazer. Antes que qualquer uma de nós diga uma palavra, ela se direciona até os objetos e pega uma das facas que a garota do distrito 5 costuma usar. Movida por uma certa coragem, Melissa ergue seu corpo como se fosse levantar vôo, e em seguida arremessa a faca. Me espanto ao perceber que ela quase acertou um dos alvos. A faca ficou enfiada a pouco centímetros abaixo do estômago do boneco. Olho para Melissa, e percebo que ela está tão surpresa quanto eu.

- Eu fui bem? - pergunta ela.

- Foi... sim. - digo, meio que gaguejando. Melissa sorri para mim e ouço o alarme soar, nos comunicando que já está na hora do almoço. Dou um forte abraço nela antes de encontrar Alex, pois eu sei que amanhã só iremos nos ver rapidamente antes dos treinamentos individuais, depois na noite das entrevistas, e então... na arena. Assim que me viro, encontro Alex parado diante de mim, com uma expressão satisfatória.

- Conseguiu acertar o alvo? - pergunto.

- Três vezes. - diz ele.

Saímos da sala de treinamento de mãos dadas e caminhamos até o elevador. A maioria dos tributos já foram embora para seus quartos. Ou melhor, para suas prisões de luxo. Elise não foi nos buscar lá em baixo, mas fico feliz em finalmente poder apertar o botão com o número 11. Assim que a porta do elevador se abre a nossa frente, noto que todos já estão sentados na mesa de jantar. 

- Nem esperaram a gente. - sussurro para Alex, que dá um leve riso.

- Oh. - diz Elise. - Desculpem não ter ido buscar vocês. Eu tive um problema com as sobremesas.

- Tudo bem. - digo, dando de ombros, e sentamos à mesa. David e Betie fazem algumas perguntas de como foi o treinamento e apenas respondo com curtas palavras. Já Alex, parece estusiasmado com seu treino de hoje. Fico feliz por ele. Albernat e Elise também fazem alguns comentários, e sinto como se esse fosse o primeiro almoço normal que eu já tive desde que cheguei aqui. Quando acabamos de comer, seguimos para nossos quartos por uma hora, antes que Albernat nos convoque para uma pequena reunião acerca dos preparativos para nossos treinamentos individuais. Corro para meu quarto e tiro toda a maquiagem de meu rosto. Vejo o resto da tinta das flores que Melissa pintou em meu rosto escorrendo pelo ralo, e mais uma vez a tristeza me consome. Visto uma camiseta e uma calça simples e vou em direção ao quarto de Alex.

- Toc Toc. - imito Albert, enquanto bato em sua porta.

- Pode entrar. Sei que é você, Abbie. - diz ele, rindo.

Fecho a porta e caminho até ele, que está sentado em sua cama ainda com as roupas do treinamento. Sem pensar duas vezes, me jogo em seus braços enquanto ele me beija.  Sou envolvida naquele ciclo de proteção novamente, que me faz bem. Não reclamo quando ele para, mas peço para que ele não solte seus braços de mim. Seu abraço era tudo que eu precisava agora. Sinto uma sensação de alegria tomando meu corpo novamente, e deixo escapar alguns sons de alívio.

- É bom estar com você. - digo.

- Eu queria ficar com você pra sempre. - diz Alex.

Ficamos em silêncio até que Albert venha nos chamar.

- Toc Toc. - diz ele, o que nos faz rir um pouco.

Abro a gaveta de Alex e jogo algumas roupas limpas para ele vestir. Prontos, caminhamos juntos até a porta. Quando abrimos, encontramos um Albert um pouco furioso, mas quando me vê sua expressão é de surpresa e ao mesmo tempo de sarcasmo.

- Ah, você está aí querida. - diz ele.

Seguimos Albert até uma sala vazia que nunca haviamos entrado antes. Lá, há apenas três poltronas. Fico pensando se os tributos do ano passado sentaram aqui também, mas sacudo a cabeça para me livrar desse pensamento. Depois de uma hora e meia de dicas sobre o que fazer em frente aos idealizadores de jogos, decido que vou tentar arremessar alguma coisa no alvo e pronto. Pouco me importa se vou acertar ou não, mas a única coisa que me encomoda é o fato de que teremos uma nota de 0 a 12 pelo nosso desempenho. Finalmente, Albernat nos libera e seguimos para nossos quartos. Já está quase na hora do jantar, mas decido que hoje vou comer no quarto. Peço para que Alex fique comigo de novo esta noite, já que o tempo que temos para ficar juntos já está quase acabando. Pedimos um banquete de frutos do mar e porções de variados tipos de chocolate e frutas. Uma mulher vestida de branco leva tudo em meu quarto, e seu rosto adquire uma expressão de tristeza quando vê eu e Alex abraçados. Parece até que ela sente pena de nós. Enquanto comemos, tentamos nos lembrar de histórias passadas. Começo a rir descontroladamente quando lembro da vez em que Alex caiu em um poça de lama, quando tinhamos cerca de sete anos, e apareceu em casa chorando e todo sujo da cabeça aos pés.

- Que belo banho foi aquele! - digo, em meio a gargalhadas.

- É, mas não foi tão bom como naquela vez em que você foi perseguida por vespas. - diz ele. - Você ficava gritando para que eu fizesse alguma coisa, mas sua voz desesperada me dava ataque de riso.

- Grande amigo você, hem! - falo brincando. - Me deixou completamente encurralada.

- Mas você achou um meio de se livrar daquilo sozinha. - lembra ele. - Você pulou naquele lago.

- E você foi até lá também, ficamos mergulhando o dia inteiro... - Lembrar de tudo isso pode até ser divertido, mas não para a atual situação em que estamos. Sinto minhas bochechas gélidas, e por um instante meu corpo todo congela.

- Você está bem, Abbie? - pergunta Alex. Mas ele me conhece o suficiente para saber o que acontece comigo, ele sabe um pouco do que estou sentindo. Alex me abraça forte, deitamos na cama e deixamos a noite nos embalar no sono. Acordo gritando os nomes de Katie, de Milly, de Melissa. Mas, felizmente, Alex me beija e volto a adormecer. Sinto seu corpo tenso, e sei que a noite também não está sendo fácil para ele. Decidimos ficar um pouco acordados, depois voltamos a dormir novamente... e assim a noite se vai, carregando-nos em meio a pesadelos angustiantes. Seria muito pior se eu estivesse sozinha, sem ninguém para me confortar. Juntos, tudo parece melhor. Amanhã o dia vai ser longo e exaustivo, não posso imaginar o que me espera. Só sei que os dias estão passando muito rapidamente, e logo estarei na arena enfrentando meus amigos tributos. Ou, devo dizer, meus inimigos. Mas o que eles fizeram mesmo para mim? Nada. Somos todos marionetes da Capital, usados para proporcionar à eles diversão e entretenimento por 15 anos seguidos. Até quando isso vai durar? Quando alguém vai ser corajoso o bastante para desafiá-los, a ponto de desencadear outra rebelião que por fim acabe com os Jogos? Esses pensamentos são proibidos, e estão longes do meu alcance agora. A única coisa que posso fazer é passar todos os minutos que ainda me restam ao lado de Alex, tentando achar um meio de lidar com tudo isso de alguma maneira...


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Notas finais do capítulo

Mandem reviews que postarei mais. Espero que estejam gostando. :) xx



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