Uma Estranha No Meu Quarto escrita por Damn Girl


Capítulo 6
Capítulo 6 - Criança


Notas iniciais do capítulo

Sem enrolação, vamos direto!!! :)



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Fui o encarregado de dirigir dessa vez, apesar de cada um ter seu próprio carro e até mais de um. Os meus por exemplos; um Civic preto de quatro portas, vidros escuros, néon, hidráulica, nitro… E a Ferrari que eu usei na floresta, top de linha, duas portas, capô removível. Eu não uso ela muito, pois é um tanto chamativa. E depois da briga com o… Carlos?Carl? Bem, que seja! Depois que eu briguei com aquele cara tudo que eu não quero é ser chamativo. Mas eu já fiquei conhecido pela escola inteira como “o doido que brigou com o…” — O alguma coisa.

         Imagina se eu aparecesse hoje numa Ferrari de mais de dois milhões de dólares?

         E na Ferrari não caberia todos os meus amigos.

         Eu imaginei a cara do Carl… — alguma coisa — ao me ver chegando no estacionamento com todas as garotas olhando para mim, inclusive sua querida namorada Heather, aquela a quem ele brinca de namorar, implorando para que eu a beije. E depois ela entrava no meu carro, dando uma volta comigo na Ferrari em alguma pista perto da praia, seus cabelos ruivos balançando com o vento. Ela sorrindo e me beijando enquanto eu dirijo, a mais de 200k/h. Então eu paro no acostamento da estrada deserta e dou a atenção que ela tanto quer, o pôr-do-sol e a praia como cenário.

— Christian? — Voz de Kevin cortando meu pensamento.

         Infelizmente ele era quem estava sentado no banco do carona e Michel e Nick no banco de trás do Civic, não da Ferrari, mexendo em seus celulares, sabe-se lá vendo o quê. Fazia mais de um mês que escola estava fechada por causa do incidente e eu tinha entrado em algumas ruas erradas, tendo que fazer o contorno várias vezes. Eu freei o carro bem a tempo, em cima da faixa de “pare” de uma esquina. Um grupo de estudantes atravessou a rua e eu voltei a pisar no acelerador.

— Você está distante, aconteceu alguma coisa?

— Nada. — Eu respondi me lembrando de repente do sonho que tive ontem a noite. — Eu só tive um sonho bom.

         Poderia ter sonhado com minha antiga namorada?ou com Heather? Ou até mesmo com Maye, a nerd. Droga, como eu queria ter visto o rosto! Ou pelo menos ter ouvido a voz…

         Eu fechei meus olhos apenas por um instante, ciente de que não tinha nenhum carro na minha frente e mais ciente ainda de que não deveria mantê-los fechados por muito tempo. Então quando voltei a olhar para a pista tive de virar o volante e pisar no freio. O carro entrou na contramão, quase bateu de frente com outro, e saiu rodando em direção a calçada, forçando os pedestres a saírem correndo, e enfim, parando a centímetros de um poste. Eu nem tive tempo para piscar.

         O carro não sofreu nenhum arranhão e ninguém lá de fora se machucou. O outro carro também não sofreu nada. Eu respirei aliviado e olhei meus amigos, para me certificar de que eles também estavam bem.

         Kevin, Michael e Nick tinham os olhares e expressões mais vívidos que eu já havia visto deles. Isso me preocupou.

— Estão todos bem?

— Estamos bem. — Nick falou vagarosamente. — Mas que diabos…?

— Eu tive de desviar da…

         Eu congelei.

— Meu Deus, a garota!

— Que garota?— Dessa vez foi Kevin.

— A garota que entrou na frente do carro. Eu a atropelei?

— Garota?— Kevin piscou.— Na frente do carro?

— É!!! Uma criança, ela entrou na frente do carro e… — Eu parei por um tempo. — Você não viu?

         De todos Kevin deveria ter visto, ele estava no banco da frente comigo. Ela atravessou na frente do carro com a calma de quem estava atravessando um sinal fechado.

— Eu não vi garota nenhuma.

— Nem eu! — Nick.

         Eu olhei para Michael. Ele balançou a cabeça.

— Não é possível gente! — Eu falei em um tom mais irritado. — Eu praticamente bati nela, foi por muito pouco.

         Eles ficaram em silêncio, me olhando de um jeito estranho.

— Vocês são tão distraídos!!!!!!!

         Saltei do carro e me pus a olhar em volta. As pessoas da rua tinham parado e estavam em volta com cara de incredulidade. Um deles veio até mim, muito zangado, falando em uma língua estranha, alemão talvez. Tinha cabelos brancos, barriga saliente, e uma cara de susto. Não precisa falar alemão para entender que eu quase o atropelei e que ele resolveu se vingar com palavras impróprias. E quando eu finalmente consegui desviar do sujeito um policial apareceu. Então surpreendentemente o alemão — Ou seja o que seja.— largou seu idioma e se dirigiu ao policial num inglês fluente.

— Esse cara, ele tentou me matar!

         Ele apontou para mim, quase metendo o dedo no meu rosto.

— Senhor… — Eu falei educadamente, mas olhando em volta a procura da garota. — Foi um acidente senhor, eu não entrei na calçada de propósito e …

— Eu não saí da Alemanha para ser morto aqui neste país inferior, como um indigente. — Ele soou muito indignado. — Eu vou falar com a embaixada e …

         O policial me olhou com uma expressão de “ Que saco!” estampada e se recompôs.

— Não senhor. — O policial sorriu nervoso. — Creio que podemos…

— Você tem que prender este rapaz! Jovem sem juízo. Aposto que estava com uma garota no carro fazendo sabe Deus o que.

         Ah saco, detesto alemães.

— Escute aqui.— Eu meti um dedo em sua cara, nada educado, e falei em um tom irritante até mesmo para mim. — Eu não lhe atropelei e caso não saiba, apesar de não ser da sua conta em primeiro lugar, não tem nenhuma mulher ali dentro. E mesmo se tivesse, eu não sou o tipo de “jovem” que transa com garotas dentro do carro enquanto dirijo. Geralmente eu paro no acostamento, de preferência em um lugar um pouco mais tranqüilo que uma avenida tumultuada. Esse tipo de sem-vergonhice eu deixo para as pessoas do seu país!!!

         O policial e o alemão me encararam em silencio. Eu devo ter falado um pouco alto demais pois as pessoas em volta também se calaram. Todos ficaram em silencio e me encarando por intermináveis segundos.

         Eu quis gritar: Gente, é brincadeira! Eu nunca fiz nada com garotas dentro de carros e em lugar nenhum. Então vocês, pais de família, podem ficar tranqüilo quanto a virtude de suas filhas que ouviram isso e que me encararam de um jeito provocador. Mas eu não o fiz, não ia dar o braço a torcer, muito menos confessar a desconhecidos que ainda sou virgem. Meus amigos não iram pegar leve comigo depois dessa declaração. Eles pensam que eu já…

         Então eu a vi escondida atrás de um poste de esquina, com somente o rosto a mostra, do outro lado da rua. Nossos olhares se encontraram e ela correu para a rua lateral. Eu comecei a correr na direção em que ela foi. O guarda me parou com um dos braços.

— Desculpe, mas tenho de ir ver se a menina que eu quase atropelei está bem. Eu volto depois.

         O policial assentiu.

         Eu voltei a correr pedindo passagem, virei na rua lateral e quase não vi quando a menina atravessou a rua e entrou em uma outra a esquerda. Eu me joguei em frente a um táxi e este freou a centímetros de mim. O motorista xingou algumas coisas, mas não deu tempo de ouvir. Antes que eu me desse conta estava em um beco estreito, com muito lixo espalhado pelo chão. A principio tanto eu quanto a garota continuamos a correr até que ela parou repentinamente e ficou de costas para mim com os punhos cerrados. Eu parei há uns dez metros de distancia. Os pombos que procuravam comida no chão levantaram vôo, todos ao mesmo tempo. E então ela se virou com raiva e me encarou diretamente. Isso tudo muito rápido.

         O sol no céu acima de nós irradiou em volta dela e a fez brilhar, literalmente. Todo seu corpo ficou iluminado. Ela ergueu seu rosto redondo de criança e seus olhos verdes para se encontrar com os meus olhos.

         Eu olhei seu vestido rosa rodado, as sapatilhas delicadas com desenhos de flores e uma tira amarrada em um laço que vinha até metade da canela, as unhas borradas de esmalte vermelho, a pele branca e frágil, o cabelo loiro cuidadosamente repartido em dois e preso dos lados com presilhas iguais… Não tem mais de dez anos.

         E apesar de sua boca estar fechada em um bico infantil de protesto seus olhos demonstravam-se raivosos e diretos, como os de um adulto. Ela me encarou assim por um longo tempo, talvez pensando. Ao ver que ela não falaria nada eu resolvi começar.

— Criança, você podia ter se machucado… —Falei no tom mais gentil que pude. Ela relaxou a expressão. — Não pode atravessar na frente dos carros desse jeito, você pode morrer. Eu quase te atropelei!

         Ela gargalhou. Não uma gargalhada de criança, mas sim uma gargalhada maligna, fria, gélida. Eu senti todo meu corpo se enrijecer com o som e dei um passo para trás automaticamente. Ela jogou a cabeça para trás e gargalhou novamente.

— Você!

         Eu me virei para ver de quem era a voz que vinha de outra direção e ela estava ali num canto, sentada em uma lata de lixo. Ela bocejou como se estivesse sentada ali há muito tempo. E riu.

— Você acha mesmo que me mataria com o carro?

         Alguma coisa dentro de mim me fez pensar que não.

— Você acha que alguma coisa me mataria?

         A voz dela soou das minhas costas. Eu me virei novamente. Ela estava encostada na parede com os braços cruzados. Ela riu novamente ao ver minha expressão.

         Como é possível? Ela deveria ter andado até lá, deveria ter passado por mim.

— Você não sabe.

         Eu me virei na direção da lixeira novamente. Ela não estava lá. Eu olhei por todos os lados.

— Aqui em cima!

         Eu ergui o rosto até o telhado.

— “há muito mais mistérios entre o céu e a Terra do que acredita sua vã filosofia” — Ela sorriu e depois acrescentou: — Shekeaspere. Um homem muito inteligente. Pensamos que eles nos via, quase o matamos. Mas não, não via. — Ela deu uma pausa.— Mas você pode nos ver. Eu percebi isso desde a floresta. Entretanto não tinha certeza, então resolvi passar na frente do carro. E você desviou brilhantemente, não atropelou ninguém, não matou ninguém. — Ela sorriu de canto. — É uma pena, eu queria ver alguém morrendo.

         A imagem da coisa na floresta me veio subitamente. Ela não parecia nem de longe com o que tinha visto na arvore outro dia. Eu abri a boca para falar mas ela me ignorou.

— E agora? Deixá-lo vivo ou matá-lo por diversão? Acredite, eu estaria fazendo um favor matando-te. Pelo jeito você ainda é recente, mediador. — Ela me olhou de cima a baixo. — Pensando bem acho que você não via nada até a noite na floresta. Se já tivesse visto nós teríamos percebido. Então, provavelmente, ainda não sabe o que eu estou falando.

         Eu me senti tonto e fraco. A imagem dela começou a ficar turva e eu tive de me apoiar na parede com uma das mãos. A voz dela soou do outro lado. Eu me virei e olhei para cima, no outro telhado. Entretanto não fui para perto dela, continuei apoiado na mesma parede.

— Coitado…! — Ela balançou a cabeça. — Já está se sentindo mal. Bem, não poderia resistir muito… sendo principiante. Não deveria ter invocado as trevas aquela noite, não deveria ter despertado seu espírito e seus poderes de mediador. — Ela botou a mão na boca e depois sorriu. — Opa, falei demais. Acho que devo matá-lo agora. Adeus, Christian!

         Ela estendeu a mão para o ar e uma espada, daquelas dos filmes de samurai, surgiu entre seus dedos. Ela a pegou e voou em minha direção.

         Eu não vi ou ouvi mais nada. A escuridão tomou conta de mim.


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Notas finais do capítulo

Queria agradecer a todos os "fantasmas" que estão lendo, e dizer que sugestões e Reviews são sempre bem vindos^^ Agradecimento especial para Dani Blake, que está acompanhando desde o primeiro capítulo, estou emocionada T.T