Ela respirou fundo, provavelmente tomando algum tipo de coragem.

─ É meio complicado de explicar... ─ Ela levantou os joelhos e ficou olhando para os mesmos. ─ Não, na verdade é fácil. É só que...

─ Não precisa falar. ─ Falei, percebendo a expressão em seu rosto que claramente dizia que ela não queria falar sobre isso. 

─ Não, eu acho que você deveria saber. Gira em torno do motivo de eu ter vindo para cá, para essa cidade. ─ Ela falava, e eu ouvia atentamente. ─ Eu me mudei junto com o meu pai, logo após da separação dele com a minha mãe. Meu irmão ficou na casa da minha mãe, e eu aqui. Até então eu não sabia quem era meu pai de verdade.

Tomei um leve susto. Olhei para o seu braço e lembrei do dia em que vi seus hematomas. Ela pôs a mão sobre o mesmo e olhou para o lado oposto à mim.

 Ela abriu a boca para continuar falando mas aquele maldito sinal não permitiu que ela o fizesse.

─ Ahn... Nós... Continuamos nossa conversa outra hora. ─ Ela disse e se levantou, limpando a calça. Seguimos até nossa aula de geografia sem falar nada. E, por culpa do nosso "querido" professor, não pudemos falar nada também na classe, já que ele estava mantendo seus olhos em todos daquela vez. Mas eu estava bem curioso.

Eu normalmente ficaria quieto, no meu canto, e deixaria os problemas dos outros com os outros, mas naqueles dias eu já não conseguia fazer o mesmo. Quem não ficaria igual? Eu quero dizer, é uma história que você normalmente quer ouvir. 

Fiquei sentado na minha cama naquela noite. Fiquei imaginando no que ela iria falar, intrigado, mas mais intrigado ainda pelo fato de eu estar realmente interessado naquilo. Estaria eu mudando mesmo, afinal, ou era apenas momentâneo? Milhões de pensamentos cruzaram minha mente naquele momento.

"Ela disse que seu pai não era quem ela realmente pensara que era. Isso provavelmente significaria que ele era um cara ruim, e/ou fazia algo de ruim para ela ─ o que justificaria os machucados em seu braço. Mas... Se for isso mesmo, por quê ela não foi morar com a mãe?"

Chacoalhei a cabeça para afastar esses pensamentos e coloquei meus fones de ouvido, colocando na segunda playlist que eu havia salvado no meu mp3, a minha favorita.

Dormi sem perceber, e acordei com os ouvidos doendo e o celular sem bateria ─ E atrasado.

Levantei num pulo, e olhei para o despertador. 09:45.

─ Maldito!!! ─ O atirei na parede, e deitei na cama de novo. Não me troquei nem nada(eu sempre durmo sem camisa ou apenas com cueca boxe), apenas voltei a dormir. 

Quando acordei novamente, uma hora e meia depois, Fênix estava arranhando a porta freneticamente. A abri, e ele veio correndo e pulou em mim. Sem querer caí no chão e- WOW! Eu não tinha notado como ele já havia crescido. "Quanto tempo faz que você está aqui?", imaginei, ainda perplexo por sua força.

─ Saia de cima de mim! ─ O empurrei, e passei a mão na roupa para tirar os pelos. 

Peguei um copo d'água e liguei a televisão, enquanto sentava no sofá. Fênix subiu também, mas, já que eu estava cansado de ficar mandando ele descer todo dia à todo momento, e ele muitas vezes não me obedecia, decidi deixar pra lá.

O tempo passou sem que eu percebesse, e, em algum momento, minha barriga roncou, e eu olhei no relógio. 12:54. Me levantei, com certa preguiça, e coloquei um macarrão instantâneo(também conhecido como miojo) no fogo. 

Algum tempo depois ouvi a campainha tocar, e, com certa relutância, fui ver quem era. Pelo olho mágico vi que Sarah estava lá. "O que faz aqui?"

─ O-Oi. ─ Ela me cummprimentou, desviando os olhos de mim.

─ O que foi? ─ Perguntei.

─ Ah, é que o professor entregou um roteiro do trabalho e como sua casa é bem perto da minha eu vim te entregar. ─ Ela estendeu o papel virando a cara. ─ P-Pode por favor vestir uma camisa, por favor?

Olhei para mim mesmo e percebi que ainda não me vestira. "Pelo menos estou de short dessa vez"

─ Já volto. ─ Falei e fechei a porta, e enquanto ela esperava pacientemente, vesti a primeira camisa que encontrei e voltei.

─ Enfim, o que dizia mesmo? ─ Perguntei.

─ É só que o professor entregou essa folha... Eu já dividi de acordo com o que a gente combinou e o que você tem que fazer está grifado. ─ Ela apontava para o local ─ O resto é a minha parte. 

Coçei a cabeça ─ Tudo bem. Mas quando nós combinamos de fazer juntou você pediu pra eu te ajudar em algo. O que era?

─ Ah... Eu... Não preciso mais. O professor explicou na aula muita coisa que eu queria saber... ─ Ela olhou para o chão.

─ Tá bom então. ─ Coçei a nuca, e, um pouco antes de me despedir e entrar dentro de casa novamente, Fênix veio correndo checar a situação.

─ Own, que fofo! ─ Sarah exclamou, agachando-se para fazer carinho no animal ─ Ele não morde né?

─ Não. ─ Respondi.

─ É clalu qui não né babezinhu ─ Ela fazia voz de criança enquanto o cachorro lambia sua mão. "Uff... Garotas..." ─ Eu num vi vuxe antis... Quando vuxe veio pla cá, ein?

─ Ele me seguiu e não me deixou em paz. Eu o deixei do lado de fora, mas meu pai o trouxe para cá. O cachorro é dele, eu não me importo com essa bola de pelos... ─ Falei, virando minha cabeça para o lado.

─ Ah, não seja tão rude... ─ Ela se levantou. ─ É ótimo você ter um amigo em casa.

─ Diga o que quiser... ─ Falei, semd ar muita importância.

─ Bom, eu já vou indo. Até mais. ─ Ela acenou e caminhou em direção à sua casa, e eu entrei na minha, respondendo com um aceno da cabeça.

Fênix ficou me olhando, abanando o rabo, como se dissesse "Quem é ela? Ela fez carinho em mim! Faz também?"

Revirei os olhos, em reprovação, e senti um cheiro de queimado.

─ MERDA! O MIOJO! ─ Saí correndo, e desliguei o fogo. ─ Agora é só um mingau... Pois é. ─ Coloquei-o num prato e fui fazer minha refeição.