Redemption escrita por Yumemi


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Prefácio: a ideia dessa fic surgiu devido a um teste que me propus a fazer para ser admitido num clã de Saint Seiya RPG. Originalmente, era para ser apenas um curto monólogo. Contudo, conforme fui desenvolvendo o texto, surgiu a ideia de explorar com mais cuidado o personagem e criar uma oneshot. Espero que se divirtam e se emocionam lendo-a tanto quanto eu me diverti a escrevendo. Notarão, comparando com o manga, que mudei algumas coisinhas nas cenas. Nada tão substancial, foram apenas mudanças para adequar as cenas ao contexto da fanfic. Bem, é isso. Boa leitura!



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Redemption


Yumemi





Lost Canvas, uma pintura gigantesca, incomparável tanto em em tamanho quanto em beleza. Sem dúvidas, a maior pintura criada. Contudo, sua beleza e as figuras de pureza que evoca ocultam a vil ideologia de um deus ganancioso e maligno. É uma técnica assassina, cuja destinação única é, quando completa, ceifar a vida de todos os seres humanos.

Foi exatamente nessa magnífica pintura celeste que morri.

Como? Não sabem que quem vos fala é um narrador defunto? Hahahaha! Imagino as expressões de surpresa em suas faces! Ora, meus caros, não se espantem desse forma. Tampouco busquem explicações racionais. Apenas direi que alguém importante aqui no mundo dos mortos demonstrou algum interesse em registrar por escrito uma parte da minha história...

Voltemos ao tópico principal. O que lerão nas próximas linhas é um relato de meus últimos momentos de vida. Talvez julguem haver um certo excesso de sinceridade em alguns trechos. Não se espantem. Para nós, que não mais nos norteamos pelas amarras e convenções dos vivos, pensar em omitir ou mascarar nossos reais sentimentos, pensamentos ou ações para preservar nossa imagem não passa de uma bobagem.

Enfim, à minha breve história. Espero que aproveitem a leitura.



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Era tarde e o sol brilhava nas proximidades do Templo Demoníaco de Netuno, no Lost Canvas, quando uma fenda espaço-temporal se abriu naquele lugar e ali me deixou. Meu estado era lastimável. Faltava-me o braço esquerdo, o corpo estava em frangalhos, minha sobrepeliz de Gêmeos estava semidestruída. Naquele momento, eu podia sentir que aos poucos a vida falsa que me havia sido dada por Hades estava se esvaindo. Era inevitável.

O que se passa na mente de um moribundo?

Para mim, foi como se várias cenas importantes da minha vida se descortinassem, na forma de pequenos quadros, em minha mente, como se fosse uma estranha exposição mnemônica. Sonhos pueris, risadas, a promessa de duas crianças, inveja, ganância, ódio, arrependimento... a cada um desses sentimentos correspondia uma cena, um pequenoquadro, e todos eles vieram de uma vez, misturados, qual uma torrente de memórias que me invadia à medida que minha força vital ia fenecendo.

Fechei os olhos e apertei com um pouco mais de força o rosário de Asmita, que carregava em minha mão direita. Era insuportável o turbilhão de lembranças em minha mente. Ademais, a dor em meu corpo apenas piorava tudo. Foi então que senti uma calidez sendo emanada de algum lugar bem perto de mim. Prontamente abri os olhos e me deparei com a sagrada armadura de Gêmeos à minha frente.

Defteros?Murmurei e estendi a mão para tocar com a ponta dos dedos o traje sagrado. Era quente... Um calor que quase queimava meus dedos frios.Admirável que mesmo depois de tudo você ainda esteja comigo, irmão...

Imediatamente, toda a confusão em minha mente evanesceu e deu lugar a uma única cena. De repente, revi mentalmente a mim e meu irmão gêmeo mais novo, ambos ainda adolescentes, observando o céu estrelado num ponto mais elevado do Santuário de Athena. Naquela época de lutas, provações e sofrimento, observar as estrelas e tentar reconhecer cada uma das constelações era uma de nossas poucas distrações.


Irmão, vou trabalhar duro e vou me tornar o mais poderoso dos Cavaleiros! Quando isso acontecer, farei com que não precise mais usar essa máscara. Irei sempre protegê-lo!


Sim, era minha promessa e, ao mesmo tempo, minha ambição. Figurar no topo dos oitenta e oito defensores de Athena, no zênite, como a estrela mais brilhante, e assim proteger a todos e fazer cessar o sofrimento de Defteros, meu irmão gêmeo, meu igual, que, apenas por um desfavorável alinhamento estelar, fora condenado a viver nas sombras, sempre à margem da luz...

Finda a lembrança, afastei minha mão da armadura sagrada e fitei-a. Estava toda manchada de sangue. Aquelas manchas eram, contudo, muito pouco perto do quão maculada estava minha alma. Quando foi que meu coração, que por muito tempo fora considerado puro e imaculado, branco como um lírio, se tisnara daquela forma?

Foi nesse momento que uma nova cena surgiu em minha mente. Vi uma versão bem mais jovem de mim mesmo observando, com os olhos arregalados, o jovem Defteros treinar sozinho, exibindo uma força titânica. Logo atrás, um homem alto, trajando terno e cartola, sorria com malícia.


Você vê? Seu irmão anseia por uma força que possa rivalizar com a sua. Se continuar assim, em breve o 'segundo' vai tomar o lugar do 'primeiro' e lançá-lo às sombras...

Youma de Mephistopheles. O responsável por lançar a semente do mal que me jogou contra meu irmão. Aquele que lançou o gérmen maligno gerou a cadeia de ressentimento e rancor internamente acumulados, a qual culminaria, alguns anos à frente, em minha traição ao meu irmão.

Mas seria mesmo aquele deus esquecido e amaldiçoado o único responsável por toda a tragédia que se estendeu sobre mim e Defteros?

Não. Ainda que Mephisto tenha colocado em minha mente a semente da discórdia e tenha sido aquele a fazer falsas insinuações sobre meu irmão, eu seria um hipócrita se comodamente me colocasse na posição de inocente vítima das circunstâncias e da maldade de um deus decaído.

Foi meu coração fraco se permitiu dominar pela dúvida e que pôs em cheque o laço de confiança que me unia a Defteros; é minha a culpa por trair meu irmão, transformando-o numa marionete, num instrumento que usei para tentar concretizar meus maquiavélicos objetivos. Não... antes mesmo de Youma chegar eu havia demonstrado egoísmo com relação ao meu irmão. A promessa que fiz era egoísta... sim, pois eu deliberadamente coloquei a mim mesmo no pólo mais forte e releguei ao meu irmão mais novo a uma desconfortável posição de dependência. Se somos gêmeos, por que é que ele deveria estar sempre à sombra, fitando de longe minhas costas conforme eu evoluía e me distanciava? Estaria ele errado em perseguir a força que lhe permitiria se igualar a mim? E, sobretudo, por que é que eu fiquei tão assombrado quando notei que ele pouco a pouco estava desenvolvendo um poder equiparável ao meu?

A verdade é que eu passei a sentir medo daqueles olhos intensos de meu irmão gêmeo mais novo, que estavam sempre a me acompanhar. Não importava o quão alto eu subisse, bastava olhar para trás e estava Defteros, bem perto de mim. Em algum momento, comecei a temer que aquele que passara a vida me perseguindo me superasse...

Como subproduto desse medo que se instalara em meu âmago, vieram a dúvida e depois a raiva. E nesse ponto, mesmo minha promessa egoísta fora esquecida por mim. Tornei-me orgulhoso, arrogante... como um tirano que se coloca no topo de seu trono e repudia todos que tentam se colocar no mesmo patamar que ele. Sim, esse foi meu crime, esse foi meu grande pecado, talvez ainda maior que tentar assassinar o grande mestre e posteriormente me aliar a Hades, me erguendo contra Athena.

Um vento forte e gélido soprou ali, retirando-me de meu momento de reflexão e me trazendo de volta à realidade. Havia algo quente em minha mão... o rosário de Asmita. Por um curto instante, havia me esquecido dele.

Parece que ainda tenho uma última missão a cumprir, irmão...

Sim... Apesar de meu corpo ferido e quebrado estar prestes a desaparecer, eu ainda tinha algo importante a fazer. Precisava passar adiante o rosário que tinha o poder de selar os espectros. Não poderia me permitir cair antes de fazê-lo.

Empertiguei-me. Antes de partir para a morte certa, uma despedida era necessária. Fitei mais uma vez a armadura de gêmeos e novamente toquei-a com a ponta dos dedos. Senti aquele calor característico percorrendo-os e então fechei meus olhos.

Fui um tolocomecei, certo de que Defteros, agora o verdadeiro portador daquela armadura, podia me ouvir.Demorei muito tempo para perceber que nunca quis me superar ou tomar meu lugar... Você apenas queria caminhar lado a lado comigo.Naquele momento, uma lágrima solitária rolou pelo meu rosto manchado de sangue.Obrigado, irmão...

Essas foram minhas últimas palavras a meu irmão gêmeo. Sequei meu rosto com as costas da mão direita, fitei mais uma vez a armadura de Gêmeos, como que numa despedida silenciosa àquela que por muito tempo fora minha companheira, e comecei a caminhar em direção ao último Templo Demoníaco, Plutão. Meu corpo estava pesado e a cada respiração aumentavam um pouco as dores. Mesmo assim, continuei a seguir em frente.

Tinha percorrido não mais que dez metros quando senti que uma presença grandiosa rapidamente se aproximava de mim. Era uma cosmo-energia gigantesca, absoluta, como se fosse um universo. Possuía, entretanto, uma agradável calidez que mansamente invadia meu corpo. Aquela energia magnânima e gentil aquecia meu corpo e aliviava as terríveis dores.

Impressionado, eu estava paralisado por aquela sensação, até então inédita para mim. Apenas quando ouvi o som de passos apressados às minhas costas foi que virei-me para fitar a portadora daquele cosmo impressionante.

Athena...meus olhos se encontraram com os da deusa pela primeira vez depois de muito tempo. Apenas me recordava de tê-la visto, ainda uma criança, algumas poucas vezes antes de minha rebelião contra o Grande Mestre. Havia acabado de chegar ao Santuário e era ainda uma menina um tanto perdida naquele mundo totalmente novo. Quem estava ali à minha frente não era, no entanto, uma menina confusa e entristecida por se afastar dos amigos, mas a reencarnação da deusa da guerra, magnificamente trajada em sua imponente armadura divina.

Você é...começou ela. Sua voz era doce e gentil e seus olhos azuis e límpidos refletiam uma aura pura, reluzindo justiça.

Sou Asprosdisse, antes mesmo de ela terminar a pergunta.O antigo Cavaleiro de Gêmeos que dois anos perdeu a vida ao tentar assassinar o Grande Mestrecompletei. Um meio sorriso irônico se formou em minha face.

A surpresa, fosse pela minha inesperada presença ou pelas minhas palavras, foi nítida no olhar da deusa. Que tipo de pensamento ela teve naquele momento? Mesmo hoje não saberia dizer. Mantivemo-nos num silêncio tenso, apenas nos observando por alguns instantes. Até que Athena quebrou o silêncio.

Você está tão ferido...

As palavras dela me pegaram totalmente de surpresa. Ali estava eu, um traidor indigno que não apenas havia tentado tomar à força o posto de Grande Mestre, como também usado o próprio irmão como marionete e, para completar, ainda se aliado a Hades depois de perder a vida. A morte de meu irmão durante nosso embate me libertou de minha maldição auto imposta, era verdade. Ademais, enfrentei e selei Youma após salvar a vida de Dohko e de Shion. Entretanto, lutei muito mais por meu próprio orgulho do que por Athena. E mesmo depois disso tudo ela estava ali, na minha frente, preocupada com meu estado...

A deusa deu um passo adiante e estendeu as mãos, exatamente como faz uma mãe preocupada com seus filhos. Seria esse o sentimento de Athena para com seus Cavaleiros?

Não se aproxime!Bradei. Não... não podia deixar que aquelas mãos tão puras se maculassem tocando um ser como eu.Uma deusa de justiça como você jamais poderia entender ou perdoar uma existência como a minha, que se cobre com um manto de maldade. Não chegue perto de mim, Athena...completei. Havia uma leve nota de tristeza em minha voz ao dizer o nome dela.

Lancei-lhe mais um olhar duro, enfatizando o aviso de que não se aproximasse de mim, e fiz menção de dar-lhe as costas e continuar meu caminho. Foi quando, pela segunda vez em poucos minutos, a deusa me surpreendeu. Destemida, transpôs o espaço que nos separava, parando bem perto de mim, e retrucou:

É verdade que, por mais que me esforce, não consigo entendê-lo. Tampouco posso perdoar seus crimes. Porémnaquele momento, voltei-me para fitar os olhos azuis de Athena. Estavam reluzindo com um brilho misterioso.

Baixei o olhar e fiquei em silêncio por alguns instantes. As palavras da deusa haviam causado um estranho efeito em meu caos interior. Naquele momento, minha mente, até então atormentada por sentimentos de culpa e remorso por meus crimes, se acalmou um pouco. O que era aquela sensação agradável que timidamente se expandia dentro de mim? Era algo acalentador, confortante... como estar sentado em frente a uma fogueira com uma xícara de chá bem quente e uma boa companhia numa noite fria.

Você...apesar de meu tom de desafio, havia um pequeno, quase imperceptível, sorriso em meus lábios. Dei um passo à frente e, num gesto abruto, estendi o rosário de Asmita à deusa.Tome!Disse com aspereza.

Surpreendida com o gesto, a deusa fitou meus olhos. Naquele curto instante em que nossos olhares se cruzaram, me pareceu que ela conseguiu enxergar diretamente minha alma e entender o que eu ocultava sob aquelas palavras ásperas. A expressão do rosto da garota se amainou e ela esboçou um leve sorriso que a fez parecer, por um segundo, mais uma adolescente comum do que a reencarnação da deusa da guerra. Então tomou em suas mãos o rosário.

Girei nos calcanhares, dando as costas a Athena, e comecei a caminhar para longe. Três passos apenas eu havia dado quando meu corpo começou a se esfacelar. Havia chegado ao limite.
Aspros!Exclamou a deusa.

Ho... Parece que que meu tempo acaboucomentei. Não havia mais dor, tampouco remorso ou arrependimento. Em verdade, não havia nada em minha mente além de uma estranha sensação de paz. Estranho... a paz que nunca tive em toda minha vida eu fui sentir quando estava prestes a morrer.

Parei ali mesmo e virei meu rosto de lado, de modo que pude ainda fitar o rosto angélico de da garota com o canto do olho esquerdo.

Talvezcomecei, mesmo com todos os meus pecados, essa existência tenha valido a pena... O que acha?indaguei. Dizia cada palavra sem pressa, embora quase metade do meu corpo tivesse virado pó. Sem esperar pela resposta, continuei.Espero protegê-la mais adequadamente numa próxima vida... Adeus, Athena.

Poucos segundos antes de desaparecer completamente, virei e fitei os olhos puros da jovem Athena. Que deusa tola... derrama suas preciosas lágrimas por alguém como eu, pensei.

Em meu último instante de vida, havia um leve esboço de sorriso em meu rosto.




The End.


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