Escuridão.

Frio. 

Uma sensação de queda, um estrondo. 

Gosto de sangue. 

Escuridão. 

Outro estrondo, seguido de um clarão. 

-

Ele finalmente enxerga o teto do seu quarto, e a realização de que sua cama o aparava. Ele respirava ofegante, o coração desacelerando lentamente. Fora um sonho, e provavelmente um dos piores. Ele não se lembrava muito bem do que havia sido, e também de ter tido uma sensação tão ruim antes. Acabara, ainda bem. 

Ele se senta na beirada da cama, passando as mãos pela face sonolenta, a roupa de ontem ainda em seu corpo, o apertando e o fazendo se perguntar de quando foi a última vez que ele teve uma boa noite de sono. Ele logo avista a folha de papel rabiscada na cabeceira, junto com copos vazios de whisky e embalagens vazias de remédios para dor de cabeça. Uma caneta estava estragada, com a sua ponta pendendo ao lado do papel cheio de rabiscos de ódio e tristeza. As palavras sublinhadas e incompreendidas o traziam para o mundo real, quando ele queria, na realidade, fugir para sua própria mente e nunca mais sair. Seus sentimentos estavam ali, algo que ele nunca imaginou que fosse tão difícil. Era difícil falar sobre angústia e saudade. Era mais difícil do que falar sobre o amor. Amor são palavras que voam da sua mente e pousam no papel, as metáforas identificando os verdadeiros pensamentos. Agora, as palavras de raiva voavam por sua mente, martelando seu inconsciente, porém embaralhadas e confusas, incoerentes e maldosas. 

Talvez não fossem só as palavras que estavam confusas.

Ele levanta, indo em direção à porta aberta do seu quarto, avistando o apartamento vazio o encarar. Ele podia sentir o velho imóvel rindo da sua desgraça. De como ele fracassou. 

Ele olha para o relógio. Ele deveria encontrar o Spencer em menos de meia hora e resolver alguns assuntos com a gravadora. Eles tinham que pensar, além dos diversos problemas que já existiam, em quem iria completar a banda. Eles não poderiam ser uma banda de duas pessoas para sempre. 

Ele suspira e sai do apartamento, as roupas amassadas sendo ajeitadas rapidamente com as mãos. Ele não sentia fome. Talvez ele comesse algo na Fueled By Ramen.

No corredor, uma menininha estava parada, o observando com grandes olhos verdes. "Você está triste. E perdido" ela diz, fixando o seu olhar em Brendon. 

Ele pensa um pouco, "Talvez. Como você sabe?" ele sorri para ela. 

"Você não pode... Você tem que descansar"

-

O dia estava nublado, as nuvens obstruindo qualquer possibilidade da luz solar ultrapassar e trazer um pouco de claridade para as ruas. A névoa que baixava ajudava a deixar o dia parecendo ainda mais depressivo. 

A porta do apartamento do Spencer estava aberta, vozes vindo de dentro. Brendon caminha apressadamente, indo de encontro às vozes. Logo que ele entra, ele vê Haley de frente para Spencer, arrumando a sua gravata. Ele estava com um terno - alugado, ele nota - preto, a gravata combinando.  Ela estava, talvez por coincidência, com um vestido preto que lhe caía até os joelhos.

"Por que estamos tão bem vestidos?" Brendon pergunta e se atira no sofá, cruzando as pernas. 

"Eu não quero ir" Spencer diz, quase sussurrando. 

"Ele precisa de você" ela diz, um meio sorriso no rosto. 

"Eu-... Eu sinto falta-"

"Eu sei. Todos sentimos" ela diz e o abraça, a maquiagem escorrendo ao redor dos olhos. 

"O que aconteceu? Até parece que alguém morreu" Brendon ri, mas não recebe resposta. "O que houve?"

"Nós deveríamos ir agora" ela diz, dando um sorriso acolhedor. "Vamos nos atrasar e não-"

Brendon levanta, ficando próximo ao casal com as mãos erguidas. "Alguém pode me explicar o que-"

Subitamente um barulho de passos pesados os alcança, a porta batendo na parede com a força com que foi empurrada. Brendon se vira e por fim vê quem chegava, seu coração batendo mais rápido. 

"Ryan, por que-"

"Spencer! É verdade? É verdade?" ele ficou do lado da Haley, observando, assustado, a face do amigo. 

"É" Spencer diz, com dificuldade, olhando para seus pés. Brendon conseguia ver uma lágrima na face do amigo se formando. 

"Por que todos estão me ignorando? Eu quero saber o que está acontecendo!" ele grita, e nesse exato momento a lâmpada do lustre falha. Ele permanece sem resposta. 

Ryan olhava para um ponto fixo na parede. Ele tinha as sobrancelhas unidas, os lábios formando uma fina linha na sua face. "Não. Como? Eu... Eu não acreditei e... Por que você não me avisou? Merda!" ele passa as mãos na face, soltando um suspiro pesado em seguida. 

"Eu mandei avisarem..." 

"Como se eu fosse acreditar em qualquer um que fosse! É o Brendon, Spencer!".

Brendon enxerga os olhos vermelhos e inchados do Ryan pela primeira vez em todos esses anos. Ele não entendia nada. Eles o estavam ignorando e falando sobre ele na sua frente. Eles nunca fizeram isso. 

"Ryan, o que está acontecendo?" ele encosta a mão no ombro do maior, impaciente. 

Ele sente um calafrio percorrer seu corpo, e ao mesmo tempo Ryan se retrai com o toque, mas ainda não olhando para trás. Uma lágrima escorria por sua bochecha. 

"Como? Como? Ele não... Ele nunca..." o maior começa, olhando para Haley, que tinha permanecido calada durante toda a conversa. 

Brendon agora gritava - ou tentava gritar -, mas as palavras não saiam da sua boca. Ele se sente puxado para trás, se sente arrancado da sala. Ele só ouve as últimas palavras de Ryan, lentas e desapontadas, antes de perder a consciência.

"Que horas é... você sabe, o... funeral?"