End escrita por Scarlet


Capítulo 1
Único: Queda




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"Sentia sua cama fria. Seu quarto completamente inóspito. Assim como sua própria vida. Sonhos quebrados, amores perdidos. Uma música tocava baixo no fundo. Não era alegre, sua melodia exaltava a dor. Tudo parecia insuportável para ela. Um jorro de lágrimas quentes e salgadas escorreu pelo seu rosto e foi imediatamente amparado pelo travesseiro, seu único companheiro nas agoniozas horas noturnas. O único que conhecia todos os seus segredos, todas as suas dores. O único que guardava cada uma de suas lágrimas. E ela chorava, chorava, a noite toda, ou até adormecer. E tudo parecia que ia ficar melhor depois, mas todo dia era a mesma coisa. E ela começou a se cansar."

Estava parada no terraço de um prédio qualquer. O local não vinha a ser importante. Suas mãos estavam apoiadas sem muita firmeza na grade de proteção, encontrando-se sentada nela, os pés balançando devagar no ar parado. Abaixo de si apenas a queda, rápida, abrupta. Uma queda sem volta para o fim.

Ela encarava o espaço à frente. Dezenas de outros prédios a encaravam de volta. Vindo lá debaixo era possível escutar o barulho dos carros que enchiam as ruas. As pessoas estavam voltando do trabalho, dirigindo-se de volta para suas casas confortáveis, focadas apenas em sua própria vida. Ao passo que ela focava-se no fim. Mirou o horizonte, observando o sol que começava a se pôr. Aquele era seu cronômetro. Seria seu último pôr-do-sol.

Nunca, jamais veria novamente aquele brilho avermelhado. Nunca mais escutaria os ruídos daquela selva de pedra, que respirava, crescia e vivia ao seu modo. Sentiu os olhos encherem de lágrimas. Mas apesar disso ela estava decidida. Não suportava mais aquela dor que habitava seu peito. Não suportava mais as memórias doloridas que enchiam sua cabeça. Não suportava mais suas noites mal dormidas. Não suportava mais seus dias longos, que pareciam se arrastar. Agora que ele se fora, ela não tinha mais nada para fazer naquele lugar.

Abandonara tudo. Casa, família, amigos. Abandonara tudo por amor. E no fim, fora abandonada. Ainda se lembrava do sorriso nos lábios daquele que um dia a chamara de ‘meu anjo’, quando ele partira. No fim, ela nunca fora nada para ele. No fim, ela fora apenas alguém que ele usara para se divertir e depois descartou com uma facilidade incrível. Como se ela fosse apenas um pedaço de nada.

Jogou a cabeça para trás, mirando o céu que rapidamente começava a se escurecer. Mais lágrimas lhe escorreram pelo rosto, deixando uma trilha de sal pela pele. Seu coração parecia estar esmagado dentro de seu peito. Ela não conseguia nem mesmo respirar. Sentia a respiração travada, e por mais que tentasse nunca parecia que o ar era suficiente. Voltou a olhar para frente.

O sol agora já quase se pusera completamente e as luzes da cidade se acendiam ao seu redor e abaixo de si. Era o seu sinal. Agora, nada mais importava. Absolutamente nenhum pensamento mais tomava sua cabeça. Ela sorriu. Seu sorriso era de alívio. Alívio por finalmente saber que não existiriam mais noites sem dormir. Alívio por saber que não existiriam mais lágrimas. Não existiria mais a dor em seu coração. Ela estava entregando os pontos. Não podia mais suportar tudo aquilo e agora chegaria ao seu fim.

Soltou as mãos lentamente das barras de proteção e projetou o corpo para frente. Abriu os braços, e sentiu como se começasse a cair em câmera lenta, mas rapidamente acelerando. Fechou os olhos com força, e por um breve instante teve vontade de gritar, mas não gritou. Sua queda durou pouco, mas naquele breve cair uma única coisa tomou sua mente. Aquele sorriso que um dia a seduzira e encantara. Nem mesmo quando estava em seus últimos instantes pôde se livrar daquela lembrança.

Assim era o amor. Ele lhe prendera em suas garras, tomara sua mente, seu coração e sua razão; A mergulhara no mais encantador dos prazeres, e no fim, na mais devastadora das dores. Sentimento perverso quando não correspondido, nunca satisfeito, que sempre afundava a pessoa em completa ruína. Uma vez pego por ele, você nunca estaria livre. Se naquele breve instante em que ela caía pudesse dar uma dica para alguém seria: Não ame. Você não sabe como dói.

Seu corpo atingiu o chão já sem vida. Agora ela era apenas uma massa sangrenta, com todos os ossos esmagados e já sem nenhum pensamento na cabeça destruída. Sua alma desapareceu naquele instante, levada por dedos gélidos e insensíveis. Pessoas rapidamente começaram a se juntar ao redor do corpo desfigurado pela queda e uma criança gritou. Mas ela não poderia saber de nada daquilo, já estava longe dali. Já estava num lugar onde nem mesmo nome tinha mais. E no entanto podia vagamente se lembrar de um calor e ao mesmo tempo de um aperto em seu peito. Se ela soubesse nunca teria se jogado daquele prédio, mas nem mesmo a morte pode fazer esquecer um amor. O amor era a única coisa que podia transpassar até mesmo a gélida escuridão daquela dama sedutora que era a morte.

 


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Notas finais do capítulo

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