Lendas Do Acampamento: O Sacrifício escrita por V i n e


Capítulo 8
A profecia de Rachel Elizabeth Dare




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Depois de deixar Isabelle no chalé de Afrodite (devo comentar que contra a vontade dela e de todo o chalé 10), fui para lago de Canoagem e passei várias horas sentado no fundo lodoso, com os joelhos aterrados na lama. Projetei bolhas e vórtex para me distrair e acho que acabei virando quatro ou cinco canoas sem querer, mas eu estava mais preocupado era o fluxo irregular de emoções dentro de mim. Saudade de Sophie, ressentimento de Kimberly (ou Inna, quem se importa com aquela piranha?), meu conflito emocional com Annie e também havia a cópia deslumbrante, atraente e prestável de Kimb-Inna.

Uma ninfa das águas nadou na minha direção e abriu um sorriso solidário. Ela tinha a pele azulada e olhos de um verde intenso e hipnótico, seus cabelos castanhos ondulavam freneticamente graças ao turbilhão que eu havia iniciado acidentalmente.

Desculpe, não foi minha intenção, mesmo tendo feito isso milhares de vezes com peixes e monstros marinhos eu me sentia meio bobo por estar falando um ser feito de água.

Seu coração está confuso, filho de Poseidon. Afrodite aprontou feio com você, não foi?, ela respondeu, sem desfazer o sorriso.

Costumo pensar que é tudo culpa da minha extrema falta de sorte.

Tudo vai melhorar, meu senhor. Logo essa confusão será dissipada e você poderá se concentrar em um único e poderoso sentimento. A ninfa ondulou e seus olhos azuis se desviaram para a superfície da água. Eu pude ver os campistas saindo das canoas e indo em direção a terra. Eu não havia percebido que a noite já havia caído, mas todos já se preparavam para o jantar e o Conselho de Guerra que aconteceria antes de servirem a comida.

A ninfa começou a desaparecer em um turbilhão de bolhas, mas uma dúvida ainda não havia desaparecido.

Espera! Como você sabe que tudo vai ficar bem?, eu gritei para as bolhas e a ninfa sorriu.

O que foi escrito não pode ser mudado, meu senhor. O Oráculo não mente, nunca mentiu. E antes de desaparecer seu sorriso ficou triste, como se soubesse exatamente qual sentimento meu se fortaleceria e sabia que eu não gostaria nada do que estaria por vir.

Eu saí da água completamente seco e revigorado. Caminhei pela terra úmida e forrada de folhas, indo na direção do pavilhão para encontrar os conselheiros dos chalés. Apesar da noite estrelada e típica do verão, eu senti um calafrio percorrer todo o meu corpo e me fazer estremecer abruptamente. Olhei por cima dos ombros, mas não havia absolutamente nada espreitando por entre as árvores do bosque.

As tochas começaram a aparecer gradativamente enquanto eu me dirigia para o meu lugar ao redor da mesa de pingue-pongue. Todos os conselheiros de todos os chalés estavam ali, exceto o de Zeus e Hera por motivos óbvios. Jake me saudou com um sorriso torto e Emma acenou para mim do outro lado da mesa. Quíron estava exaurido, eu podia notar. Sua barba estava completamente emaranhada e sua camiseta de “Centauro > Unicórnio” estava ao avesso. Se Dionisio estava no acampamento, não apareceu para o conselho. Sisífo e Hércules estavam conversando muito baixo e gesticulavam muito entre goles de Coke Diet.

– Conselheiros! – Quíron elevou a voz e todos os burburinhos cessaram no mesmo instante. Ele perscrutou cada um de nós, demorando-se em alguns rostos em especial, como o meu e o dos meus amigos mais próximos. – Essa manhã nós recebemos uma visita dos nossos colegas romanos. Como é de conhecimento geral, o Acampamento Júpiter está sob o comando de Kimberly Mason e o semititã, Brius. Nós não sabemos o que eles planejam, mas sabemos que Sophie pode fazer parte do plano para conquistarem ambos os acampamentos.

– Quer dizer que a Srta. Wikipédia é uma traidora?! – gritou alguém, mas eu me recusei a erguer o olhar para descobrir quem havia sido. Era melhor para ele que eu não descobrisse.

– Não, claro que não. Ela foi sequestrada no inicio do verão e levada para São Francisco, mais precisamente para Nova Roma. – As portas da Casa Grande se abriram e duas garotas saíram de lá rindo e conversando alegremente como se fossem amigas há anos. Rachel Elizabeth Dare e Isabelle Hildorn só se calaram quando chegaram bem perto do Conselho e sentaram lado a lado atrás de Quíron. – Essa jovem, Isabelle Hildorn, atravessou o país para se unir à nossa missão para impedir sua irmã de conseguir o que quer.

– E porque vamos confiar nela? – perguntou Emma, deslizando a adaga ameaçadoramente pela mesa.

– Porque eu vi isso, Emma. Vi uma filha de Vênus enfrentando monstros e chegando ao Acampamento Meio-Sangue, assim como vi alguns de vocês refazendo seu percurso para Nova Roma. – Rachel se interpôs, apoiando o queixo sobre as mãos.

– Eu odeio que duvidem de mim, por isso posso fazer uma promessa se você quiser, loira. – Os olhos de Isabelle oscilaram entre o verde e o dourado e um sorrisinho provocador se insinuou em seus lábios. – Mas só se você prometer que vai tentar ser menos insegura.

A adaga de Emma passou zunindo na direção de Isabelle, sem atingi-la. A filha de Vênus nem se moveu.

– Basta, crianças. Sabemos que Will vai a essa missão de qualquer forma, a vida de Sophie está em jogo e eu não colocaria ninguém que não fosse você para resgatá-la. – O olhar de Quíron estava austero, quase calculado. – Rachel, querida. O que Delfos tem para nós hoje?

Rachel, como se recebesse uma ordem, ficou pálida e tombou para frente. Isabelle a segurou e impediu que seu rosto se chocasse com a mesa de mármore à sua frente. Antes que a romana pudesse expressar seu espanto Rachel voltou à posição, extremamente ereta e névoa verde jorrou para fora de sua boca, espiralando como centenas de cobras. Sua voz ecoou como se estivesse dentro de nossas cabeças, triplicada e silvada.

“Ao Império de Júpiter cinco irão

Encaminhando-se pela trilha da destruição

A Herdeira de Sócrates pode a Guerra iniciar

Se seu sangue na mesa de pedra se derramar

A magia da pomba pode tudo acertar

Assim como com tudo acabar.”

Novamente, Rachel desabou e dessa vez Isabelle estava letárgica demais para impedi-la de colidir o rosto na mesa de mármore.

Quíron alisou sua barba nervosamente antes de mandar alguns sátiros que correram para auxiliar Rachel até a enfermaria. Ele se virou em sua cadeira de rodas e trocou um olhar significativo para Sisífo e Hércules.

– Pois bem. – Seus olhos pareceram envelhecer milhares de anos, como se todos os heróis que ele havia treinado e que morreram em suas missões estivessem ali, presenciando tudo se repetir. – Eu não consigo ver sentido em apenas cinco semideuses serem enviados para um acampamento hostil, mas o que foi escrito não pode ser mudado. O Oráculo não mente.

Foram as mesmas palavras da ninfa das águas estranha que havia me encontrado no fundo do lado mais cedo naquele dia.

– Will, eu creio que todos sabemos sua escolha. Mesmo assim, efetue-a formalmente.

Eu me levantei e troquei um olhar com Jake e Emma. Eles concordaram quase que imperceptivelmente e eu fiquei feliz por ter eles ao meu lado. Annie não fazia parte do Conselho, mas eu sabia que ela toparia qualquer coisa.

– Annie, do chalé de Apolo. Emma, do chalé de Atena e Jacob, do chalé de Hades. – Assim que eu terminei, Emma e Jake se levantaram e Quíron assentiu. Isabelle também se levantou, espanando a camisa roxa, muitos números maior que ela, mas isso não a fazia parecer desleixada. A forma como a camisa se projetava para baixo da cintura, grande demais para ser uma camisa e pequena demais para ser um vestido era irritantemente atraente. Ela enfiou as mãos nos bolsos do short jeans e deu de ombros.

– Juntos somos cinco. – Ela anunciou e eu ouvi Emma gargalhar.

– Por que você acha que levaríamos você nessa missão? – Os olhos cinzentos de Emma estavam tão ameaçadores que até Jake recuou.

– Porque eu conheço aquele acampamento como a palma da minha mão. Eu sei todos os túneis e passagens secretas da Legião e porque eu quero voltar para a casa. Não um acampamento controlado pela minha gêmea ambiciosa e o namorado cleptomaníaco dela. Mas para a minha casa em Nova Roma, com a minha família de verdade. Lamento por não ser o que você esperava de uma guerreira da Décima Segunda Legião, mas aqui vai uma novidade caso você não tenha notado, querida: Inna vai por um fim em todos os laços amorosos que vocês conhecem. Se ela odiar tanto você quanto você a odeia, eu sugiro que você se esconda sob uma pedra antes que ela te encontre e faça esse seu namoradinho te dar um pé na bunda. – Os olhos de Isabelle refletiram o brilho das tochas, oscilando entre lilás e azul mediterrâneo. Quíron arqueou uma sobrancelha e trocou olhares com Rachel que assentiu discretamente. Emma comprimiu os lábios para conter a irritação, mas seus punhos cerrados tremiam violentamente.

– Que assim seja. Vocês cinco partem amanhã de manhã, ao nascer do sol. – Quíron não disse mais nada. Todos se levantaram e foram para perto da fogueira, preparando-se para o jantar, mas eu estava sem a menor fome.

Eu me dirigi para o píer sobre o lado de canoagem e vi Jake abraçar Emma para tentar amenizar sua ira. A madeira rangeu sob o meu peso enquanto eu me sentava na beirada, colocando os pés descalços na água fria do lado.

Uma brisa morna de verão soprava os meus cabelos desgrenhados e trazia o cheiro de folhas úmidas na minha direção.

– Lugar legal – eu levantei meu olhar da água para o bosque e mantive-me inalterado. A voz de Kimberly ainda despertava sentimentos intensos e nada bons dentro de mim, mas aquela não era Kimberly, era Isabelle.

– Ótimo para ficar sozinho. – Murmurei, esperando que ela tivesse o bom senso de me deixar em paz.

– Interessante. – Ela se sentou ao meu lado e afundou os pés na água. Isabelle fincou a adaga mágica na madeira da passarela e fechou os olhos, sentindo o vento balançar-lhe os cabelos.

As semelhanças entre ela e a irmã gêmea eram perturbadoras e o as reações que isso provocava em mim eram ainda mais.

Contra minha vontade, meus olhos encontraram os de Isabelle e eu os desviei rapidamente. Ela não era igual Inna, ou Kimberly ou que seja.

Como eu havia aprendido no verão anterior, fiz um jato de água jorrar como um gêiser e congelei cada gotícula em pelo ar, fazendo-as flutuarem. Depois voltei a água para seu estado líquido e fiz ela descer lentamente.

– Você costuma fazer isso sempre ou só quando esta desconfortável? – Isabelle perguntou, mantendo o olhar no ponto onde as ondulações começavam a se dissipar.

– Quem disse que eu estou desconfortável? – eu perguntei visivelmente desconfortável.

– É por que eu sou idêntica a ela, não é? Você deve ter gostado muito da Inna quando ela era desse acampamento, isso explicaria muita coisa.

Eu realmente não queria ter aquela conversa e certamente, não com a irmã super gata da garota que eu mais odiava no mundo (que por sinal era idêntica a garota odiada).

– Eu achava que gostava, mas era tudo por causa do charme de Afrodite. – Eu disse, por fim. Meus olhos foram atraídos em direção a água, onde eu esperava ver a ninfa novamente. Eu queria saber o que ela tinha para me dizer sobre o Oráculo e o destino. – Ela não passava de uma vaca manipuladora.

– Eu posso não ser tão boa quanto ela nesse negócio de charme de Vênus, mas eu sei que ele não te obriga a fazer coisas que você não quer fazer. É muito mais fácil usar um desejo para manipular alguém do que forçá-la a fazer algo que ela não quer. – Isabelle enroscou sua mecha vermelha no indicador casualmente e se levantou, espanando a roupa. – Vou deixar você ficar sozinho. Boa noite, filho de Poseidon.

Naquela noite eu não tive sonho algum, o que me deixou muito preocupado. Eu acordei muito cedo, o céu ainda estava escuro apesar das faixas rosadas que começavam a ganhar espaço. Minha mochila estava pronta ao lado do meu beliche e meu chalé estava totalmente silencioso. Nem a fonte de água que costumava emitir um ruído relaxante estava funcionando.

Conferi o conteúdo da mochila pela terceira vez antes de me trocar. Havia algumas camisetas limpas, dinheiro mortal e alguns dracmas, também havia um kit de primeiros socorros com néctar e ambrosia. Vesti uma camiseta laranja limpa e calça jeans, calcei meu All Star surrado e sai do chalé número três. Um vento frio arrepiou os pelos do meu braço e eu coloquei meu casaco de moletom. Jake e Emma estavam na colina, ao lado do pinheiro que guardava as barreiras mágicas do acampamento.

– Bom dia, flor do dia. – Jake abriu um sorriso sonolento e Emma bocejou, esfregando os olhos. – E olá, Miss Sunshine.

Olhei por cima do ombro e Annie correu na nossa direção, abrindo um sorriso enérgico ao nos ver. Ela tinha muita energia pela manhã, o que quase sempre era muito cansativo para quem tentava acompanhar seu ritmo.

– Estou atrasada? – ela perguntou, arrumando o rabo de cavalo ruivo com mechas azul royal.

– Na verdade, não. Falta a romana. – Cuspiu Emma, cruzando os braços sobre o peito.

– Não falta mais. – Jake maneou o queixo e Annie e eu nos viramos simultaneamente. Isabelle e Quíron caminhavam lado a lado em nossa direção. Ela estava irritantemente linda. Os cabelos estavam trançados frouxamente sobre o ombro direito. Ela usava um vestido roxo muito curto e largo, short jeans e botas de amarrar aparentemente muito caras.

– Todos prontos? – Quíron estava visivelmente cansado. Rugas ao redor dos olhos, olheiras e sua barba possuía mais fios brancos do que nunca. – A van está esperando por vocês lá em baixo, e uma quantia considerável em dracmas e denários. Tomem cuidado crianças, muitos não levam Afrodite a sério, mas de todos os deuses ela é a mais perigosa. Se Inna Hildorn está com seu cinturão, temo que o mundo não esteja seguro.

Não houve despedidas nem algo do gênero. Eu assumi o volante e os outros se acomodaram. Annie e Isabelle se sentaram ao meu lado no banco da frente e Emma se manteve o mais afastada possível da filha de Vênus. Eu não tinha muito o que pensar, só pisei no acelerador após dar partida na van. Inna Hildorn ia ter uma bela surpresa quando chegássemos lá.


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