Lendas Do Acampamento: O Sacrifício escrita por V i n e


Capítulo 3
Sangue de Herdeiro




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O cão da direita avançou um passo, o da esquerda continuou na defensiva olhando fixamente para a espada. O da direita rosnou e abanou o rabo, seu corpo maciço e peludo poderia esmagar um carro com a maior facilidade. Minha única chance nesse caso seria se eu conseguisse chegar à água. O que seria impossível com aquelas mandíbulas imensas mirando minha garganta, mas era minha única chance. Joguei meu corpo para trás, girei nos calcanhares e me vi de pé sobre a água. A onda de energia, força e poder lambeu minhas veias enchendo-me de adrenalina.  Minha espada se transformou em um arco, o ataque a longa distância esse seria meu trunfo. Preparei uma flecha, apontei para o da direita.

- Não! Não os mate! – urrou Jake. Ele apareceu atrás dos cães e acariciou lhes o pelo. – Eles são meus! E só querem brincar!

- Esses monstros são seus? – gritei.

- Otto e Octtor. Meus cães infernais. Ganhei no meu aniversário – explicou ele.

- Seu pai te deu monstros homicidas? – berrei.

- Eles são uns amores, ta bom? Eles só queriam brincar! – disse ele. O da esquerda que ele indicou como Otto, deitou no chão de barriga para cima e latiu de forma monstruosamente carinhosa. Jake pulou em cima do cão e coçou-lhe a barriga, Octtor abanou o rabo e pulou de um lado para o outro.

- Poderia me ajudar? Não consigo fazer carinho nos dois – murmurou.

Olhei relutante para o cão, era grande, forte e muito pesado. Andei até Octtor e escalei seu pelo. Estiquei a mão e cocei atrás de sua orelha. Ele deu um salto, agarrei sua coleira e apertei o couro com força.

SPLASH!

Octtor se lançou riacho adentro. As dríades fizeram gestos com os dedos e berraram xingamentos.

- Boa garotão – eu não consegui parar de rir.

- Ele gostou de você, Will – disse Jake sorrindo.

- É? Você gosta de mim Octtor? – perguntei ao cão.

Ele latiu e abanou o rabo.

- Que tal um passeio? – sussurrei ao seu ouvido. O cão avançou pelo bosque, apertei meu corpo contra o do cachorro. O vento sibilava em meus ouvidos, os sátiros berravam e corriam desesperados. – Uhu!

Octtor parou e deu meia volta. Ele continuou galopando até que pulou. Ele parou perto do lago de canoagem onde Jake e Otto estavam nos esperando.

- Gostou do passeio? – perguntou Jake.

- Meio rápido.

Ele subiu em Otto e assoviou para Octtor. Fui carregado até o estábulo, os pégasos não me saudaram como de costume, estavam demonstrando suas condolências, lá havia um canto separado de todos os pégasos. Nesse canto duas correntes de ouro se projetavam nas paredes. Jake pulou das costas de Otto e prendeu uma das correntes no cão. Escorreguei pelo dorso de Octtor e deixei Jake prendê-lo também.

- Obrigado.

- Vinte dólares por passeio – brincou ele. Dei-lhe um soco de brincadeira no braço, mas soltei uma gargalhada. – Que bom que faço você rir Cara de Bacalhau. Não apareceu no jantar nem na hora da fogueira.

- Eu não estou muito bem. Acho que estou entrando em depressão.

- Não diga isso. Vamos salvar Sophie – ele dizia cada palavra lentamente como se quisesse realmente acreditar no que dizia.

Concordei com um gesto de cabeça, olhei para o lugar onde Speed, meu pégaso, deveria estar. Ele tinha saído em uma missão com o intuito de descobrir os planos de Brius. Isso aconteceu quando eu estava em coma, por que se estivesse em pleno controle de minhas faculdades mentais, e não babando numa maca de enfermaria, eu nunca teria concordado em deixá-lo ir. Não tínhamos noticias dele há um ano, meu pai de dois em dois meses permitia que eu sonhasse com ele. Sonhos de semideus nunca são só sonhos, eles são trechos do passado, presente e futuro. Eu consegui ver que ele estava bem, ele recebeu a ajuda dos Pôneis de Festa. Primos muito distantes de Quíron, eu quase surtei quando me disseram que Speed estava com eles. Eles têm uma fama de serem arruaceiros, mas nos meus sonhos eles sempre pareceram hospitaleiros. Ele deveria ter voltado dois meses atrás, mas houve um imprevisto no monte Otris. Em um ano vigiando Atlas, apenas uma vez Brius apareceu por lá. Isso foi o suficiente para que Speed o seguisse até uma ruela de São Francisco. Nessa ruela Brius atacou meu pégaso, machucando-lhe a asa esquerda, os Pôneis de Festa tentaram pegá-lo, mas ele desapareceu. Desde então Speed ficou em recuperação, ele deveria ter voltado, mas sua asa não tinha se recuperado por completo...

- Esta pensando no que? – perguntou Jake.

- Speed deveria ter voltado. A asa dele já deve estar boa – comentei.

- Will, a asa dele esta ótima, mas ele não pode voar um país inteiro! Ainda esta cansado e o ferimento pode abrir de novo – disse ele.

- Isso foi há dois meses! – exclamei.

- Paciência é uma virtude – comentou ele.

- Falou o Sr. Ioga – murmurei. Chegamos perto da fogueira, apenas nove campistas continuavam ali cantando. Despedi-me de Jake e foi para meu chalé, o número três era feito com pedras de coral, entalhado em ouro na porta, uma lança de três pontas. O tridente. Abri a porta e me joguei na cama, minhas malas estavam no chão ao lado do beliche. Um quadro, uma cômoda e um banheiro preenchiam o espaço que eu chamava de quarto, meu pedaço do paraíso, meu aconchegante ponto seguro. Passei o dedo pelos lençóis de seda azuis. Meus dedos esbarraram em uma superfície lisa, uma folha de caderno dobrada ao meio.

Abri a folha e forcei os olhos para ler o conteúdo.

Olhe dentro de seu cofre. Isso vai te ajudar na sua jornada. Lembre-se: O arco pode ser mais letal que uma espada!

Cuide de minha Annie.

Apolo.

Dobrei a folha de papel com muito cuidado, os deuses não podem entrar em contato com seus filhos. Mas eu não sou filho de Apolo, e por que ele estaria me dando um presente. Bem eu e ele somos o que podemos chamar de primos, e até amigos. No verão passado ele me salvara de um coma. Ele pedira para que eu cuidasse e treinasse Annie, nos tornamos grandes amigos, mas seria esse presente uma forma de agradecimento?

Andei até o quadro, passei a mão direita na frente do barco de madeira pintado na tela. A água pintada fluiu com meu movimento, uma maçaneta de conchas surgiu no meio do quadro, girei a maçaneta e o quadro rolou para a direita.

O buraco dentro da parede era iluminado por uma aljava de ouro. Puxei uma flecha e examinei-a. O cabo era de madeira, forte. A ponta era de bronze celestial, a pena me era familiar, azul e verde como a de um pavão. Penas do pavão sagrado de Hera. Minha primeira missão, meu primeiro troféu!

- Obrigado – sussurrei.

Apertei meu colar do acampamento, olhei para a conta do verão passado. Uma serpente enrolada em uma lança. O basilisco enrolado na minha espada Metamorfo̱tikí̱s. Sua tradução é Transfiguradora, ela pode se transformar em qualquer outra arma, maça, arco e flechas, lança, escudo, adaga, faca...

Coloquei a aljava no cofre, e só então reparei na pena branca. Uma pena longa do tamanho do meu anti-braço, era branca como a neve. Uma pena das asas de um pégaso, meu pégaso, Speed. Olhei no relógio, 21h30 o toque de recolher estava expirando, mas eu tinha que tentar.

Corri para o bosque, os sátiros dormiam debaixo das árvores, nem viram quando passei correndo aos trancos e barrancos por eles. Abria a porta do estábulo e entrei.

- A onde ele esta? – perguntei.

Will! Will! O que está fazendo aqui?!

Calma gente! Cadê o Speed?

Eles saíram da frente e abriram caminho, um pégaso branco, como as nuvens de um dia de verão, estava deitado comendo um bolo de feno.

Will!

- Speed! – gritei. Corri até ele e abracei sua cabeça – Speed você esta bem?

Sim. Minha asa precisa ficar em repouso, mas nada que eu não possa resolver, já vim voando pra cá mesmo. Eu soube sobre a Soph. Will, cara eu sinto muito.

Senti uma garra negra e fria apertar meu coração.

- Speed eu te amo. Nunca mais saia de perto de mim! Cara nunca mesmo! – dizem que é feio um homem chorar, eu não acho, acho que a coisa mais pura e mais límpida é um homem chorando. Por isso não me importei com as lágrimas que saíram descontroladas, rolando por meus olhos.

Eu também. Também te amo William.

Uma horda de “Owns” se seguiu de todos os pégasos. Otto e Octtor que antes estavam dormindo acordaram e começaram a latir, parecia que todo o chão estava tremendo.

Quem foi o infeliz que os colocou aqui?

- Speed, eles são muito legais. – ralhei. – Otto! Octtor! Quietos! – os cães se calaram e começaram a babar.

- Tenho que ir amigão. Volto amanhã de manhã – prometi.

Saí do estábulo e andei sorrateiramente até meu chalé. Joguei-me na cama e cai no sono.

A luz fraca e bruxuleante era provocada por archotes, espalhados de forma regular através do circulo de pedra, Sophie estava acorrentada a uma mesa no centro do circulo. Uma faca cerimonial presa a um pedestal, cobria ameaçadoramente a cabeça de Sophie. Corri até ela, minha voz simplesmente não saia, Soph não me via e Brius entrara na sala. Sua pele devastada por uma queimadura incurável reluzia com o suor.

- Filha de Atena! Pensou em nosso acordo? – perguntou ele.

- Nunca! Nunca vou me aliar a você! – berrou ela puxando as correntes, até elas cortarem seus braços. – Brius você tem noção das proporções que isso esta tomando? Você vai provocar os deuses! Não pode criar uma raça de semideuses!

- Eu não quero uma raça. Quero o mundo. Eu devo ser o soberano do mundo e não esses deuses babões! – urrou ele. Um trovão rasgou o céu, chacoalhando as paredes. – Quero que os deuses vão para o Tártaro!

- Como conseguiu a ajuda deles? – perguntou Sophie.

- Kimberly é bem persuasiva com seus irmãos.

- E o que eu tenho a ver com isso? – berrou ela.

- Hora de saber a verdade sobre sua origem – disse ele. Um sorriso muito maldoso se formou em seus lábios. – A éons atrás, um filho de Atena descobriu a arte da pura sabedoria. Esse conhecimento causou invejava a deusa da sabedoria. Palas Atena. A deusa saiu em busca do conhecimento a todo custo, ofereceu a imortalidade ao seu filho, em troca do segredo. Atena era a deusa da sabedoria, mas a verdadeira arte do conhecimento, da sabedoria e da guerra, foi descoberta por seu filho. O homem, que também era ganancioso, aceitou a imortalidade, e em troca deveria entregar a Sabedoria de Combate a Atena. Isso não aconteceu. O semideus enganou a deusa e fugiu para o labirinto de Dédalo, mas Atena subornou o inventor e ela finamente pegou seu filho. Depois de duzentos anos de procura, Atena o achou – ele relatava tudo com uma voz fria e muito ensaiada. – Ele renunciou a imortalidade, mas por consequência espalhou seu genes e seus conhecimentos a seu fiel seguidor. Esse aprendiz procriou, dando a humanidade uma chance de se tornar superior aos deuses, a revolução teve inicio nesse ato. Sócrates nos deu a oportunidade de crescer, estou dando continuidade ao trabalho de seu ancestral!

- O que? – gritou ela.

- Seu pai é o herdeiro de Sócrates. O encontro de idéias de sua mãe e ele geraram você. A filha original da sabedoria. Sabedoria, você é filha do herdeiro de Sócrates e de Atena. Você é a herdeira da Sabedoria Suprema do Combate! – a voz dele era triunfante.

- Isso é impossível! – sussurrou ela.

- Você é a prova de que isso não é impossível. Seu nome é uma ramificação da palavra Sabedoria. Sofía. Sophie. – o sorriso provocante de Brius era cada vez maior. – Agora que sabe de tudo. Por que não vem me pegar, Will? – ele falou mais alto.

- Will? – gritou Sophie se esforçando para me encontrar. – Corra!

Brius andou até mim, meus músculos não me obedeciam. Ele agarrou-me pelo pescoço e me empurrou, cai três metros de onde estávamos.

- Você nunca aprende? – ele perguntou sua foz ficando rouca, seus olhos ficaram de um tom vermelho sinistro.

Fui engolido por chamas, elas me queimavam, mas não por fora e sim por dentro. Mãos feitas de sombras seguraram meus braços, o lugar onde seus dedos pútridos tocaram deixaram marcas em carne viva no meu braço.

- Eu já consegui quebrar esse feitiço uma vez. Posso quebrar de novo! – urrei.

- Naquele dia eu estava fraco, agora você não pode me deter. – a voz calma e gélida de Brius provocou arrepios por todo meu corpo. – Sinta-se feliz meio-sangue. Não vou matá-lo agora. Quero que você sofra vendo sua preciosa namoradinha arder em chamas bem piores que as que o domina...

Acordei com o punho em chamas.


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