Trovani escrita por Bruh


Capítulo 1
Capítulo 1




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Tenkai,24 de janeiro de 1995

“A cidade de Tókio está passando por problemas praticamente insolúveis como o crescimento desenfreado da população e a falta de matéria prima para abastecer o mercado de consumo e as exportações. Ao passo que a ameaça de tremores de terra e tufões assombram a cidade. A população tem considerado a hipótese de abandonar suas moradias pelo menos enquanto a situação não se normaliza. Parece que a qualquer momento irá ocorrer um desastre irreversível.”

Dizia a repórter do jornal diário.

Lyu Ohama desligou a televisão para não apavorar sua neta, que assistia ao noticiário atenta.

Lyu pulava cedo da cama todos os dias para cuidar do imenso jardim que cultivava na frente de sua propriedade em Tenkai, um vilarejo próximo á Tokio, mas naquele dia, algo a impedira. O clima de devastação, a falta de flores nas árvores e a aparente tristeza que tomava conta do lugar ainda eram recentes.

Sua fachada, antes coberta de heras e flores da estação, agora parecia um muro seco de cimento gasto. A trilha de pedra que dava acesso á porta de entrada estava coberta de folhas secas, que ela ainda não havia tido coragem de varrer, desde que a ventania arrancara a mangueira que fazia sombra na varanda.

‘Estes galhos estão secos. Você deve cortá-los antes que estraguem todo o ramo...’ dizia toda vez que Tamasi se aproximava de uma planta seca tentando tira-la á força da terra fofa.

Eram os tempos mais difíceis que a população de Tenkai já havia passado.

Uma seqüência de tempestades havia destruído algumas casas ao Norte e muitas famílias foram dizimadas.

Algumas se mudaram, tentando reconstruir a vida em outro local, mas as que não tinham condições se amontoavam como podiam em abrigos sem estrutura.

Após assistirem ao noticiário da TV, as duas subiram as escadas de madeira em direção ao quarto de Tamasi.Lyu havia decorado o espaço pessoalmente quando descobriu que teria uma neta.As prateleiras repletas de animais de pelúcia e as cortinas românticas denunciavam a personalidade doce das mulheres da família Ohama.

– Vamos dormir Tamasi... já está na hora. – Lyu colocou os óculos em seu nariz pontudo ,afastando seus cabelos lisos e prateados do rosto para ver a hora no grande relógio-cuco do corredor.

– Vovó, conta uma história para eu dormir? Por favor... só até a mamãe chegar... – Tamasi fitou-a com olhinhos esperançosos.

– Tudo bem querida... você conhece a história do caramujo dourado? – perguntou sorrindo.

Sempre que Tamasi lhe pedia para contar uma história, ela se lembrava de sua filha Penn Rose. Eram tão parecidas.

– Sim vovó... a senhora me contou essa história mais de mil vezes! – a menina indignou-se.

– Sim, sim... é verdade, eu não me lembrava. Vá para seu quarto enquanto eu tento escolher algum outro livro na biblioteca.

Tamasi concordou, seguindo pelo corredor arrastando seus chinelinhos pequenos de pelúcia branca e seu ursinho descosturado.

A casa muito espaçosa dava um ar sombrio ás passagens escuras e empoeiradas onde Tamasi circulava. Ela não era exatamente o tipo de criança que se amedrontava com qualquer coisa, mas a escuridão sempre lhe causava um mau pressentimento.

Lyu subiu as escadas que davam acesso á biblioteca com passos curtos e arrastados . Acendeu a luz, tossindo fracamente. O ar estava carregado de poeira.

Havia construído aquela biblioteca na década de setenta, quando seu marido, Klaus Ohama, viajou por todo o ocidente em uma embarcação, fazendo negócios com comerciantes da área. Ele trouxe muitos livros que ganhou ou comprou em feiras de rua.

O espaço era relativamente pequeno, mas dava para acomodar as diversas coleções de autores famosos, enciclopédias arcaicas e histórias de dormir em prateleiras de madeira polida.

Sem muita paciência, acabou pegando um livro aleatório. Se a história não fosse interessante, inventaria uma na hora.

Voltou ao quarto na esperança de encontrar Tamasi adormecida, mas ela continuava ali, com os olhos bem abertos.

* * *

11:45 p.m.

– Então quer dizer que a lenda pode ter algo de verdadeiro? – perguntou a pequena Tamasi, quando sua avó fechou o livro e lhe deu um sorriso cansado, após concluir a história.

– Sim querida. – Lyu fitou os olhos amendoados e astutos da neta, que ansiava por mais informações. Ela não entendia o repentino interesse de Tamasi por uma história de dormir boba. Talvez a profecia que aparecia na história que acabara de contar realmente tivesse existido em algum povoado, mas isso já deveria fazer muito tempo. Nem ao menos se lembrava de onde havia adquirido aquele livro. Talvez tivesse sido um presente de Klaus. Lyu admirava a imaginação das crianças. Eram como fósforos esperando pela primeira fagulha para acender.

– Agora durma... – disse, cobrindo a neta e beijando-lhe a face. Levantou, com passos arrastados e apagou a luz do quarto. Tamasi observou-a saindo e reparou que, o livro de capa marrom e páginas amareladas, ainda estava encima da mesa de cabeceira. As letras douradas reluziam sob a luz fraca do abajour.

As janelas do quarto estavam fechadas com um trinco de madeira resistente, o que não impediu Tamasi de sentir uma brisa fria percorrer-lhe a espinha. Sua face se iluminou com a possibilidade de por as mãos naquele livro. Nem ela mesma entendia porque isso era tão importante, mas algo a convidava a abrir as páginas e saboreá-las.

Quando percebeu que todas as luzes da casa estavam apagadas, a menina sentou na cama, esticando o braço para pegar o livro. Era pesado e empoeirado. A capa parecia ter sido remendada muitas vezes.

Folheou o livro, se prendendo á página que Lyu não havia lido para ela. Ela sabia que a história tinha uma continuação e um final mais interessantes do que o que Lyu havia contado.

"A lenda de Trovani

257.

O que consta nos registros mais antigos e confiáveis achados nos destroços da cidade de Trovani não nos deixa saber exatamente em que país ou continente se localizava. Paleontólogos e pesquisadores afirmam que um desastre natural se encarregou de destruir vestígios primordiais. A cidade pode ter sido reerguida por outra civilização mais evoluída, que habitou as terras em meio ao caos e hoje o local é conhecido por outro nome. Ou seja, qualquer cidade no mundo pode ter sido Trovani, em alguma época remota.

Os estudos mais específicos sobre Trovani são sobre a lenda que afirmava a existência de uma profecia.Segundo esta profecia, a cidade teria seu tempo na Terra contado. Trovani seria como um povoado sagrado, onde apenas eleitos viveriam. Haveria água, comida, a pesca seria farta e a terra fértil, porém quando estes eleitos tivessem seu tempo findado no planeta, seus descendentes não mais teriam a chance de se perpetuar na ‘terra das maravilhas’, como foi denominada, pois mais cedo ou mais tarde o local seria destruído por alguma catástrofe natural: fogo, neve, tempestades ou furacões, o que posteriormente, acabou sendo confirmado pelo pesquisador americano Robert McLean. Esta destruição seria inevitável, porém, haveria uma chance de o povoado ser reerguido para que a cidade pudesse ser refeita. O único modo seria o nascimento de uma criança com o mapa da cidade em seu corpo. Este mapa provavelmente incompleto dependeria do nascimento de outra criança que traria, também como marca de nascença, a parte que faltasse do mapa. Quando essas duas crianças se encontrassem durante suas vidas, haveria um reconhecimento de almas e elas seriam então, capazes de localizar a cidade através do mapa que se completaria com o encontro delas. ’

Tamasi fechou o livro assustada.Puxou a barra de seu pijama lentamente,observando o tórax. Ela havia nascido com uma estranha marca. Sua mãe sempre lhe dizia que era genético, que a família era propensa a manchas e pintas pelo corpo. Mas agora, olhando bem, aquela mancha parecia mesmo um mapa. Talvez não um mapa como aqueles que mostram o caminho do tesouro. Era mais parecido com um rabisco torto que delimitava uma área específica. Ninguém na família Ohama havia nascido com nada parecido.

Sacudiu a cabeça para afastar as idéias que povoaram sua mente imaginativa, fechou o livro na tentativa de impedir que aquilo tudo perturbasse seus sonhos.


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