Acordei com o sol batendo no meu rosto, bem fraquinho. Escutava pássaros cantando, vacas e cachorros fazendo barulho. Olhei para o teto e via feixes de luz passando pelo telhado antigo e sorri. Sentia muita falta dessa vida no campo, da simplicidade da fazenda da minha família, embora eu esteja de castigo, era mais como um retiro, sentir o cheiro de poeira do quintal.

Me levantei feliz por estar de volta e me preparei pro castigo que viria. Minha avó Ana é bem brava, mas justa. E meu pai não contou tudo a ela, para que eu pudesse sofrer um pouco nas mãos rugosas dela, mas sabia que quando eu contasse o que tinha acontecido, ela me daria razão.

- Vó Ana, a senhora não sabe o quanto sentia falta do cheiro do seu café. La em São Paulo é tudo industrializado.

- Óia minina, a senhorita vai me explicá direitinho que historia é essa de cair no tapa com a minina da sua sala.

- Tudo bem vózinha, mas deixa eu comer primeiro que to morrendo de fome. – dizendo isso, nos sentamos e tomamos nosso café da manha. Junto com meu avô que tinha ido buscar o leite fresquinho e meus tios que viviam com eles. Depois do café, me sentei com minha avó e contei tudo à ela, desde o dia que eu me estranhei com a Carminha na sorveteria, até a nossa briga na sala de aula.

- Seu pai me disse que eu tinha que te dar um castigo, mas não acho que foi tão grave assim essa briga. Essa minina ta te perturbano tem é muito tempo. Se fosse eu, já teria aprontado umas poucas e boas com ela.

- Pois é vó, ela acha que eu roubei o namorado dela, mas o Luca nem olha pra ela. E depois ainda tem inveja de mim, não sei por que. Ela e linda, rica, magra e toda arrumada, parece artista de cinema, e eu não sou nada disso. Sou gorda, vivo desarrumada, e nada chique.

- Mais do jeito que seu namorado falou, voce tem muito mais do que ela. Tem amigos e pessoas que te amam.

- Ela também tem amigos. A Denise e a Maria Mello.

- Elas não são amigas, elas tem inveja da tal de Carminha, e acham que andando com ela, vão ter tudo que ela tem, jóias, roupas, e essa fama.

- A popularidade ne vó?

- É isso mesmo, igual aqueles filmes que passam na TV.

- Isso me deu uma idéia. – sussurrei pra mim mesma.

Durante o tempo que fiquei lá relembrei minha infância: colhia frutas, ajudava minha avó na cozinha, corria atrás das galinhas, brincava com Spike e Belinha os cachorrinhos da fazenda, andei a cavalo e aproveitei esse tempo pra pensar sobre o Cebola e o Luca.

- Vó Ana, a senhora já gostou de dois rapazes ao mesmo tempo? – perguntei pra ela quando estávamos sozinhas preparando um bolo.

- Ai minha filha que que ta aconteceno com voce lá em São Paulo heim?

- Ai vó, eu to apaixonada. Um deles era um grande amigo e de repente eu percebi que ele gosta de mim. Na verdade ele me beijou, mas... O outro sempre foi gentil comigo e é super romântico. A gente ta namorando, mas ... Aí o outro me beijou e eu ...

- Ou minha linda, vem cá. – nisso minha avó estendeu os braços e eu fui correndo pro colo dela, com os olhos cheios de lágrimas. – o amor é complicado mesmo, sabe.

- Eu sei. To percebendo isso agora, sabia?

- Hehehehehehehe. Ai minina... Isso é apenas o começo dos problemas. Sabia que eu já tive outro namorado antes do seu avô?

- Sério? Danadinha a senhora heim. Me conta.

- Eu na verdade era pra ta casada com ele. No meu tempo os pais que decidiam quem as filhas iriam se casar. Eu tava prometida desde que tava no berço pra juntar meus pano com o filho do irmão do padre Inácio. Ele era lindo, e quando criança, andávamos feito unha e carne. Mas aí ele foi afastando de mim porque gostava da igreja, igual o tio. Que que ocê acha que aconteceu? Ele virou padre. E quando tava no seminário veio uns tempos passar uns dias na casa dos pais e trouxe um amigo. Quando eu vi aquele galego de olhos azuis e cabelo loiro brilhante, eu sabia que era o homem da minha vida. Me apaixonei perdidamente por ele e o engraçado foi que ele se apaixonou por mim também. Parecia coisa de filme. Hoje esse galego tá lá no curral, ordenhando as vacas.

- Nossa vó, que lindo, o vovô desistiu de virar padre pra se casar com a senhora.

- Mas num pense que foi fácil, não. A mãe dele tinha feito uma promessa de que era pra ele ser padre até a morte. Passamos muito sufoco. Montamos uma mentira pra ela dizendo que o filho tinha morrido afogado no Velho Chico e viemos pro norte de Minas. Depois de um tempo, contamos a verdade pra ela, e ela perdoou seu avô e eu quando viu seu primeiro neto, e esqueceu da promessa. Quando ela tava mais velha ainda veio morar com a gente e hoje ta lá no céu, junto com o resto da família, protegendo a gente.

- Mas vó isso significa que eu devo escolher qual dos dois?

- Isinha, o seu coração que deve escolher. O meu sempre batia forte por Nicolau, mas quando eu vi seu avô Francisco... Sabe, eu fiquei com muitas duvidas também, porque eu sempre tive em minha cabeça que iria me casar com Nicolau. Mas no fim, meu coração sabia que Francisco era o amor da minha vida.

- Se vô não tivesse aparecido, o que teria sido da senhora?

- Ai, ai, não sei... Isadora, eu acho que iria atrás do Nicolau até ele desistir de ser padre sabe.  Hahahahahahahahaha – depois dessa conversa, eu não tive dúvidas: vou ficar sozinha. Eles não merecem gostar de uma garota que pensa em dois garotos ao mesmo tempo. Seria muita cachorrada minha e eu não sou assim. Até me coração decidir.

No fim de semana, meus pais vieram passar a Páscoa e fizemos festa. Alguns primos vieram também e botei o papo em dia.

- Mãe, espero que a senhora tenha dado um castigo pra essa neta sua heim?!

- Meu filho, não se preocupe, ela sofreu o diabo comigo, no foi Isadora? – Dizendo isso, minha avó deu uma piscadinha de canto pra mim, ainda bem que meu pai não viu – Essa daí num vai mais aprontar na escola não.

-  Pois é pai, vó Ana é mais braba que o cachorro do vizinho que mordeu o Cebola na bun...

- O.K. Vamos almoçar. – minha mãe me interrompeu e, dizendo isso, encerramos o assunto do castigo. Foi um fim de semana perfeito, com uma comida deliciosa e muita diversão.