Eu e Whatsername éramos simplesmente...

O casal perfeito.

Ela era uma pequena rebelde e eu era um santo da negação. Nós dois nos dávamos muito bem e eu estava extremamente feliz de finalmente poder chamá-la de “minha”.

Mas isso tudo foi só nas primeiras duas semanas.

Aos poucos, fui vendo que ela era... Muito diferente de mim. Ela era rebelde demais, punk demais para mim. Não que eu não fosse, mas ela havia crescido nesse meio e eu tinha acabado de entrar naquilo tudo. Era como entrar em um trabalho novo. Todos estariam lá, trabalhando, enquanto você olharia em volta, perdido, e tentaria acompanhar o ritmo. O problema é que eu não consigo acompanhar o ritmo dela. Além do mais... Por mais estranho que isso soe... Ela já não me parece mais tão atraente quanto antes. Só que eu não tenho coragem de terminar com ela, seja porque ela é fofa, seja porque ela é aterrorizante.

Qual foi minha melhor opção?

Ir desabafar com Ray e Bob.

Ah, espera! Os dois idiotas não estão falando comigo!

Merda.

Fui falar com Gerard então.

Encontrei-o no mesmo beco escuro e sujo de sempre. Ele estava sentado, observando a parede com uma expressão tristonha. Entrei timidamente e ele notou, abrindo um sorriso mais triste ainda. Isso me preocupou levemente. Vê-lo triste me preocupava de uma forma estranha.

–Hey. – murmurou ele. Sua voz estava rouca e, quando cheguei mais perto, notei olheiras fundas embaixo de seus olhos.

–Hey. O que houve contigo?

–Nada. – mentiu ele. Arqueei as sobrancelhas.

–Nada, Gerard? Como não? Você está com umas olheiras enormes, está visivelmente abatido, pálido e tenho a leve impressão de que está começando a ficar doente. Vamos lá, conta o que aconteceu!

–Não foi nada. – insistiu ele – O que veio fazer aqui?

Suspirei. Mais cedo ou mais tarde, ele diria qual era o problema. Comecei a contar-lhe sobre a “descida” de meu relacionamento com Whatsername. Sua fisionomia não demonstrava surpresa, para o meu próprio espanto. Pra falar a verdade, atrevo-me a dizer que vi uma pontinha de felicidade passar por seu rosto.

–Quer dizer que você já não sabe mais o que sente por ela?

–É. – suspirei.

–Então... Conte mais sobre o que você vê nela agora que... Digamos... Descobriu mais sobre ela. – disse Gerard. Suspirei novamente e comecei a falar:

–Ela é uma garota extraordinária em um mundo ordinário, e parece que ela não consegue escapar.

–Entendo... – disse ele, pensativo – Sinto muito por isso tudo, Jimmy. – ele fez uma careta de tristeza.

–Não é culpa sua. Eu...

De repente, fui interrompido por uma voz melodiosa que eu já conhecia bem, acompanhada por uma voz levemente mandona.

Whatsername e Cherry.

–Mas por que você diz que Jimmy não é mais o mesmo? – perguntou Cherry, ao longe. Arregalei os olhos e Gerard me empurrou para trás de uma lata de lixo que me dava proteção e uma boa visão das duas ao mesmo tempo. Elas passavam lentamente na frente do beco.

–Porque não. – respondeu Whatsername, nervosamente.

–Por favor! – Cherry riu – Fala logo o que aconteceu!

–Falta-lhe coragem em sua mente... Como uma criança deixada para trás, como um bichinho deixado na chuva. – disse a loira, de uma vez.

Arqueei as sobrancelhas e aguardei até que elas passassem. Gerard me lançou um olhar de pena e eu simplesmente fiz um gesto negativo com a cabeça.

–Obrigado por me ouvir. – rosnei e andei de volta à Danger Zone, visivelmente alterado. Chutei uma latinha que vi no caminho e soltei um grito de frustração, atraindo vários olhares curiosos. Eu era praticamente um imã para problemas.

Merda de St. Jimmy. Foi ele quem me levou a fazer isso.

–X-

POV Gerard

–Obrigado por me ouvir. – o tom de voz de Jimmy era revoltado e irritado. Permaneci sentado naquela ruela escura, apenas observando o baixinho ir embora.

Merda.

Eu me apaixonei por ele.

Era só o que me faltava.

Suspirei e tentei reter o choro. Levantei-me lentamente, sentindo dores nas costas. Ficar sentado e encostado na parede o dia inteiro não havia sido uma boa ideia. Encaminhei-me até a parte um pouco mais nobre da Danger Zone, onde as pessoas tinham casas.

Sim, punks também têm casas, para a surpresa de vocês. Mesmo que estas não sejam tão chiques quanto as das outras pessoas.

Bati na porta do numero 109 e aguardei, até que um rostinho particularmente infantil apareceu na porta. Um sorriso iluminou seu rosto.

–Gee! Que surpresa!

–Oi, Miks. Posso entrar?

–Mas é claro! – disse ele, dando espaço.

Mikey estava bem melhor de vida do que eu, pra ser sincero. Ele já tinha me convidado inúmeras vezes para ir morar com ele, mas rejeitei todas essas vezes por um simples motivo: amor. Eu amava meu irmão e sabia que eu era um péssimo exemplo, portanto, quis me manter bem longe dele e só fazendo visitas casuais. Não queria que ele se tornasse o que eu me tornei... Um homem amargo e solitário que só faz merda nessa vida.

–A que lhe devo a visita, Gee? – indagou Mikey. Meu irmão vestia uma camiseta do Ramones, uma calça jeans e um tênis já bastante surrado. Seus óculos, já levemente arranhados, estavam em seu rosto, o que não era de se esperar. Ao contrário de muitos, Mikey gostava de usar óculos. Dizia ele que “lhe dava um ar de inteligente”.

Só o ar mesmo.

–Eu estou com uns... Problemas.

–Hm, entendo. Pode contar pro seu maninho aqui! – ele abriu um sorriso. Sorri de volta. Mikey era o único que conseguia arrancar um sorriso meu quando eu estava triste.

Se bem que, agora, Jimmy também seria capaz de me arrancar um sorriso simplesmente por ficar comigo.

–Então... Tem um garoto novo na Danger... Chama-se Jimmy. Veio de Jingletown. Ele... Ele é simplesmente lindo. – sussurrei a última parte – E eu conversei com ele durante um bom tempo... Eu acabei me apaixonando por ele, Mi. Eu não devia ter feito isso!

–Por que não?

–Porque ele tem namorada. E isso me leva ao outro problema. Ele e Whatsername estão passando por uma... Crise em seu relacionamento. Jimmy diz que ela é revoltada demais e ele não está acostumado com esse tipo de comportamento.

Mikey fez um barulho de escárnio.

–Até parece que é só isso. Deve ter mais algum motivo. – o menor pensou por um minuto – Vai ver o motivo é você.

Ri amargamente.

–Até parece que ele ia se importar com alguém como eu.

–Gee, para com isso! Você sabe que é maravilhoso!

–Diz isso pra ele!

–Ele vai perceber. Cedo ou tarde, ele vai. – Mikey sorriu – Enfim, continue.

–Eu... Bom... Pra falar a verdade, eu já sabia que isso estava acontecendo, mesmo antes dele me contar. Eu acabei ouvindo ela chorando um dia... Não passei por perto dela, mas a observei. Ela estava lá, sozinha novamente, limpando as lágrimas dos olhos. – suspirei – Alguns dias ele sente como se estivesse morrendo, enquanto ela fica cansada de chorar.

–Já que os dois já estão claramente cansados um do outro... Por que não tenta conversar com o Jimmy? Talvez ele entenda. – Mikey deu de ombros.

–É, mas e se não entender? Você não entende, Michael? Não posso fazer isso! – falei, chorando. Mikey sentou-se ao meu lado e me abraçou.

–Gee, você nunca vai saber se ele te ama ou não se você não tentar... – disse ele, me abraçando mais forte – Só tenta conversar com ele...

–Alguns dias ele não vale a tentativa... Agora que os dois estão descobrindo... Ela fica cansada de chorar. – sussurrei.

–Como?

–Nada. Obrigado pela ajuda, Mi.

–Não foi nada. E... Gee?

–Sim?

–Já pensou no que... No que eu te ofereci?

Suspirei.

–Mikey, você sabe que eu não posso.

–Pode sim! É só dizer que quer e você pode! Não tem o menor problema, Gee! Por favor...

–Michael, eu sou uma péssima influência. Não posso morar com você.

–Nunca ouviu falar daquela frase do Corey Taylor? “Más influências não são desculpas. Cada um faz o que quiser”? – rebateu o menor. Gemi em frustração. Quando ele queria, meu irmão conseguia ser teimoso feito um burro.

–Por favor, não torne as coisas mais difíceis...

–Quem está tornando isso difícil é você¸ Gerard! Eu só estou querendo o seu bem e você me afasta cada vez que eu faço isso... Por que faz isso, Gee?

–Porque eu não preciso de ajuda.

–Ah, pelo amor de deus! Você está no fim da linha, está a um passo de recomeçar a se drogar... Acha que isso é não precisar de ajuda?!

–Michael, cala a boca, por favor.

Ele suspirou.

–Vou calar. Mas antes, saiba de uma coisa: um dia vai chegar alguém e lhe oferecer ajuda. E você não vai conseguir recusar, seja porque ela te encanta, seja porque você precisa muito. E eu espero muito que seja a primeira opção. – rosnou ele antes de virar e ir em direção a outro cômodo. Bufei em descontento e saí da casa, batendo a porta com uma força irritantemente desnecessária. No caminho, encontrei Whatsername novamente e ela parecia totalmente irritada.

–O que houve? – indaguei.

–O Jimmy é um idiota! – gritou ela.

Discordo. A idiota aqui é você.

–Por quê? – perguntei, tentando parecer o mais gentil possível.

–Ele só veio pra cá pra ver se conseguia uma vida social e, agora, olha só! Tá lá me ignorando! Ah pelo amor de deus! Ele é só uma criancinha que nunca vai crescer, que não sabe absolutamente nada da vida! Até parece que ele não entende que eu sou assim por um motivo que ele não precisa saber qual é!

–Sabe, Whatsername, você deveria tentar pensar no ponto de vista dele também. Sei lá... Ele já deve ter feito muita burrada, mas você também.

–Agora você defende ele? Muito obrigada. – disse ela, com acidez, antes de se afastar. Arqueei as sobrancelhas e voltei a caminhar até a minha rua.