Guardiã escrita por Natizilda


Capítulo 5
Doce Armadilha


Notas iniciais do capítulo

De longe esse é um dos meus capítulos preferidos. Adoro a performance de Mégara e o jeito como a história se desenrola. Espero que gostem também.



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Doce armadilha

 

 

 

Confusa, Anne levantou-se, olhando à sua volta. De onde apareceu o buraco? Ela olhou para o círculo de luz acima de si, tentando ver algo além da claridade cegante.

- MÉGARA! SOCORRO! - Gritou ela, tentando chamar atenção do dragão. A cabeçorra da criatura apareceu lá em cima, tampando o Sol.

- AGUENTA FIRME, ANNE! VOU TIRAR VOCÊ DAÍ! - Porém, assim que terminou de avisar a garota, Mégara desapareceu do campo de visão de Anne, sendo substituída por um galho forte e viscoso cruzando o buraco.

- Mas o que... - Outro galho cruzou seu campo de visão, ainda mais grosso que o anterior. Antes que Anne pudesse pronunciar qualquer outra palavra, vários galhos se emaranharam acima dela, separando a menina de Mégara, e consequentemente, da saída. Então, após o barulho estrondoso dos galhos se entrelaçando, tudo ficou silencioso. Até o momento em que Mégara pulou o teto de galhos com força, tentando quebrá-lo. Porém, era impossível. A cada galho que o dragão quebrava, vinham outros dois no lugar.

Anne estava presa.

- Anne! Você está bem?

- Não é como se eu tivesse sido dilacerada por uma tribo canibal. - Respondeu ela. Na verdade, por incrível que parecesse, Anne se sentia tranquila. Não sabia se era porque não tinha entendido o perigo ainda, ou se as plantas a deixavam estranhamente calma.... Ela não se sentia nervosa. - Não se preocupe, Mégara, eu vou achar outra saída.

- VOCÊ NÃO ACHARIA NEM SUA PRÓPRIA CABEÇA SE ELA NÃO FOSSE COLADA AO CORPO!

- Eu...O quê? - Anne parou em meio à frase, ao absorver o que Mégara gritara. - Ok, então como pensa em me tirar daqui, gênio? Se tacar fogo nos galhos vai me incendiar junto.

Isso era verdade: o buraco era todo formado pelos galhos fortes e úmidos das plantas. Queimá-los seria um sacrifício devido à umidade, porém, quando Mégara cosneguisse... Seria no mínimo complicado. O dragão pareceu pensar a mesma coisa, porque parou de golpear os galhos por um instante. Ambas ficaram em silêncio, Mégara pensando, Anne dando tempo a ela para isso.

- Consegue ver uma saída aí? - Perguntou, por fim.

- Não, mas está escuro. - Ela se adiantou para os cantos do buraco. - Posso averiguar.

- Ok... Cuidado. Eu vou lá pra cima ver se acho um jeito de te tirar daí.

Anne achava improvável, mas assentiu. Pelo menos deixaria ela ocupada. A garota começou a tatear as paredes do buraco, enquanto ouvia o corpo de Mégara deslizar suavemente na atmosfera e o lugar voltar ao silêncio pesado e total. Ela começou a circundar o terreno, até achar uma fenda estreita entre dois galhos particulamente grandes. Com dificuldade, conseguiu adentrar a passagem, andando de lado, sentindo o cheiro forte de grama e umidade. Logo a fenda se abriu o suficiente para que ela pudesse se endireitar e andar normalmente, ainda tateando, tal era a escuridão naquela estranha caverna. O caminho começou a se alargar, até estar dentro de outra clareira, esta completamente escura por não ter um buraco no alto. Ela andou vagarosamente até o centro, e então parou, as mãos estendidas à frente.

- Onde diabos eu estou? - Ela girou no lugar, os olhos ligeiramente mais acostumados com a escuridão. Ela recomeçou a caminhar, os passos ainda hesitantes, quando pisou num calombo particulamente saliente de cipós no chão. Tropeçou e caiu de quatro, sentindo as mãos doerem com o choque. O livro, que havia adentrado o mundo novo com ela, voou para longe, caindo aberto no chão.

- Ai... - Ela se sentou, olhando as mãos sujas e vermelhas. Espanou-as, batendo uma na outra, e se levantou para pegar o livro.

Não que ela tenha conseguido alcançá-lo.

- EI! - Ela gritou, surpresa, quando algo enrolou-se em seu tornozelo e puxou-a para cima com força, deixando-a de cabeça para baixo, suspensa no ar. O livro, antes a centímetros de distância de suas mãos, agora estava a alguns metros, inocente, aberto, zombeteiro. Com dificuldade, Anne virou-se para olhar o que a pegara.

Um galho viscoso e brilhante havia se desenroscado do chão, num ponto próximo do nó onde pisara. Agora segurava-a com firmeza, agindo de maneira parecida com a trepadeira que atacara o ônibus, o que assustou a garota. Mas acho que ela se assustaria mesmo se nunca tivesse visto uma planta atacando alguma coisa.

- SOCOOOOOOORRO! - Ela gritou, tentando se soltar. Enquanto isso, tudo à sua volta se modificou: o teto da “caverna” se abriu, as paredes se curvaram e o chão afundou, tornando-se algo aterrorizante, muito parecido com uma garganta verde e gosmenta.

Estava dentro de uma enorme planta carnívora e não sabia disso.

Agora, exposta ao mundo lá fora, Anne pôde ver que o que antes era o jardim florido e bonito, o céu azul e o lindo castelo agora era um dia nublado, cinza e escuro: raios cruzavam o céu constantemente, árvores sem folhas e de galhos retorcidos rasgavam a paisagem de maneira grotesca. O castelo não passava de uma torre: talvez tivesse antes sido um grande e bonito castelo, mas agora estava em ruínas, cinzento e sujo, invadido pelas plantas perigosas do antigo jardim do Rei Julius.

- Mas o que... AI! - Num reflexo ela bateu num galho que tentava se enroscar em sua cintura, fazendo-o se afastar. A planta que havia capturado a garota parecia ser a maior do jardim. Suas folhas escuras se abriam num botão macabro, os galhos que a atacavam saindo de dentro da garganta escura e úmida. Anne tremia de medo, sabendo que estava próxima de virar comida de planta, um destino não mais digno que o de uma mosca capturada por uma planta carnívora. Olhou para baixo, tentando procurar pelo livro, e o encontrou em segurança, em cima de um caule pousado perto do chão.

“Essa praga não estraga nunca...” Ela pensou, sentindo o rosto ficar quente devido ao sangue se dirigindo à sua cabeça.

- MÉGARA!!! - Ela gritou, segurando-se para não surtar. Tarde demais anyway. - ONDE VOCÊ ESTÁ? O QUE ESTÁ ACONTECENDO? EU NÃO QUERO VIRAR UMA MOSCA NA GARGANTA DESSA COISAAAAAaaaa...

Ela sentiu o estômago afundar quando o galho puxou-a para dentro bruscamente, talvez irritando-se com a gritaria. Ela fechou os olhos e boca, implorando para que fosse rápido...

Foi então que algo se chocou com o galho forte: ela sentiu seu corpo quase ser jogado para o outro lado, sentiu algo quente perto de seus pés e então estava voando em alta velocidade para algum lugar que, a julgar pelo ar frio e melancólico que batia em seu rosto, não era a garganta da planta gigante... Anne abriu os olhos, confusa e atordoada.

Mégara segurava-a firmemente entre as patas enormes, voando em alta velocidade, cortando o ar com uma suavidade quase obscena. O livro estava seguramente preso perto da axila, cutucando o braço de Anne de maneira incômoda.

- Mégara...?

- Eu sabia que isso ia acontecer. Eu sabia. Vamos, Anne, sozinhas não vamos conseguir nada aqui.

Ela sobrevoou planícies enormes, todas na mesma situação que o jardim do castelo: feias, arroxeadas, doentes. Árvores pequenas e retorcidas, sem vida. Ao longe, a planta enorme ainda agitava seus cipós, aborrecida por ter perdido um lanche fácil como Anne. De vez em quando, um galho de alguma planta menor tentava alcançar Mégara, mas ela desviava com facilidade, como se fizesse isso todos os dias. E provavelmente fazia. Viajaram por mais um tempo, até encontrarem um deserto árido e... bem, deserto. Mégara pousou de leve, colocando Anne no chão, de pé, e dando o livro em suas mãos. Elas se viraram para o horizonte: agora não dava para ver a planta gigante, a não ser alguns galhos mais altos que ainda se agitavam. A garota olhou para o dragão, apreensiva. Mégara olhava para os galhos, pensativa, parecendo um pouco alheia para o que havia à sua volta. Ficaram em completo silêncio por alguns minutos, até que a criatura virou-se de repente para Anne, decidida.

- Ok, pelo jeito a flora tomou conta do reino de Julius, o que é no mínimo previsível. Se formos otimistas, a família real conseguiu fugir para o reino próximo, mas eu não sou otimista. O Reino de Carmélia muito provavelmente não tem mais rei nem rainha para governar, nem população para ser governada. A não ser que tenham arranjado algo para repelir as plantas, não vejo meios para alguém sobreviver aqui.

- E se houver algum sobrevivente? - Perguntou Anne, repentinamente alarmada. - Temos que ajudá-lo!

Mégara olhou para ela, perigosamente séria. Anne encolheu-se instintivamente sob o olhar maligno daquelas pupilas muito estreitas.

- Você não serviria a ninguém morta. Acho que esqueceu-se disso quando deixou de ouvir meus conselhos, não?

- Eu...

- Preste atenção – Mégara avançou para ela, e Anne deu um passo para trás, sem querer. - Para quem não queria nem saber de ajudar, você está muito atiradinha. Então, é o seguinte: ou você me ouve e fica perto de mim quando eu mandar ficar, ou então a coisa vai ficar complicada para você, menina. Entenda, eu consegui livrar sua cara dessa vez, mas eu não vou estar sempre lá pra te salvar, caramba!

O semblante do dragão suavizara um pouco enquanto ela falava, e isso acalmou Anne um pouco. Mégara estava puta com ela, sim, mas é porque se preocupava com a garota. Não importava muito se era porque era seu dever ou porque gostava dela, ter um dragão no time era no mínimo reconfortante. Anne saiu de seus devaneios com mais um chamado urgente da criatura:

- Você me entendeu, menina?

- Entendi...

- Ótimo. - Ela se virou. - Precisamos ir ao reino vizinho. Vamos ver como está a situação está por lá, e caso ninguém saiba do que sofreu Carmélia, iremos avisá-los e ajudá-los como for preciso para se protegerem das plantas. - Ela deu mais uma olhada rápida para Anne, e acrescentou: - Bem, vamos arranjar um lugar para passar a noite, primeiro. Você está uma lástima. Está escurecendo e apesar de estarmos protegidas das plantas, não estamos protegidas do deserto. Suba nas minhas costas, não me sinto confortável servindo de montaria, mas não é uma boa ideia fazer você andar agora.

E então ficou de costas para a garota, raspando as garras na areia e esperando. Hesitante, Anne subiu no lombo serpeante do dragão. Enquanto ela se preparava para decolar, Anne murmurou, se segurando com força nos espinhos das costas de Mégara.

- Mégara...

- Oi?

Ela estava impassível. Não parecia o dragão que há poucos minutos dera-lhe uma dura.

- Obrigada.

Ela sentiu o olhar atravessá-la, e novamente o medo de antes retornou. Porém, para sua surpresa, ela sorriu. Sem dizer uma palavra, levantou vôo e saiu cortando novamente a atmosfera pesada, indo em direção a uma formação rochosa no deserto sombrio.

 

---//---

 

- Eu ainda não entendi o que houve no castelo hoje. Quer dizer, e os canteiros, as flores, as árvores...Como aquilo foi destruído tão de repente?

- Não foi destruído agora – Comentou Mégara, limpando a areia das garras. - Ah, não. Aquilo aconteceu há um bom tempinho já. O que você viu foi apenas uma ilusão. Como o perfume exalado pelas plantas carnívoras para capturar suas presas, ela trabalha exatamente da mesma forma.

- E foi a planta que me pegou que fez aquilo? - Anne riscava a areia do chão com um pedaço de pau, distraída. Havia armado uma fogueira precária no chão da caverna, e Mégara rapidamente fizera a lenha arder com seu fogo mágico. Então, o dragão colocou seu corpanzil na entrada da formação para tampar o vento desértico e Anne se acomodou na parede da gruta, encolhida perto da fogueira. Agora as duas conversavam, tensas demais para conseguirem dormir. Ao pensar em dormir, Anne sentiu um choque percorrer a espinha: esquecera-se completamente da escola.

- Mégara, perdi a aula! Eu simplesmente sumi do meu mundo! Minha mãe deve estar louca atrás de mim! - Ela se levantou, sentindo o pânico percorrer suas veias.

- Acalme-se, menina – Mégara a repreendeu, com calma. - Eu não disse que o tempo corre de maneira diferente em cada dimensão? Seu mundo é tão lerdo que ainda devem ser quatro horas da manhã lá, e aqui já são quase meia-noite.

- Espere... Você me acordou às quatro da manhã?

Mégara permaneceu indiferente, limpando as garras, sem olhar para ela. Anne percebeu que aquela sua mania a irritava de várias formas.

- Sim, acordei. - Ela piscou lentamente, virando-se para outra unha, finalmente falando com a garota. - Justamente para evitar esse seu desespero. Assim, terminamos nossa parte aqui e você volta antes do seu despertador tocar.

Lentamente, Anne voltou a sentar-se, ainda olhando para o dragão.

- Ok, se você diz... Mas me diga, então... Como aconteceu tudo isso?

Mégara bocejou, deixando à mostra os enormes dentes afiados, e então respondeu:

- Eu não sei. Bem que desconfiei daquela paisagem tranquila quando chegamos. Quer dizer, se tudo estava sob controle, como a trepadeira foi parar no seu mundo? Assim que saí do buraco em que você tinha caído, comecei a procurar por alguma outra saída no chão, algum lugar que você pudesse usar para escapar... Foi quando fui atacada pelos galhos da planta que tentou te comer.

Eles não foram problema para mim”, ela continuou, deitando a cabeça em cima das patas, mirando o fogo. “Mas assim que me livrei deles, percebi que havia algo errado. O castelo sumiu e as ruínas tomaram o seu lugar, mostrando a verdadeira face do que se tornou este reino. E assim que vi, percebi que você estava em perigo. Você estava dentro do monstro que causara aquela destruição.”

- E ele quase me comeu, aquela coisa.

As duas permaneceram em silêncio então, olhando para o fogo de maneira distraída. Logo, Anne começou a sentir o cansaço tomar conta de seu corpo. Seus olhos foram se embaçando, até que ela se entregou ao sono e dormiu, encostada na parede da gruta.

Acordou meio zonza, os olhos ofuscados devido à claridade que tomava conta da caverna. Mégara havia se levantado, então o vento fustigava seus cabelos, e Anne evitou abrir muito os olhos, com medo de que entrasse areia neles.

- ... Vamos aproveitar o sol fraco da manhã para viajar, Anne, então podemos parar rapidamente ao meio-dia. Se formos rápidas, – ou melhor, se eu for rápida – chegaremos ao reino vizinho antes do anoitecer.

- Ok... - Ainda um pouco sonolenta, ela se ergueu, colocando a mão na frente dos olhos para impedir que a poeira os invadisse. Mégara se virou, claramente indicando para que ela subisse em seu lombo, e assim a garota o fez. Logo, estavam sobrevoando novamente o deserto árido, pontuado apenas por algumas pedras ocasionais, alguns lagartos velozes que corriam para fugir do calor e arbustos secos. Por volta do meio-dia, já haviam percorrido uns bons quilômetros, mas ainda só conseguiam avistar dunas: não havia sinal de civilização em parte alguma.

- Porque temos que ir pelo deserto? - Perguntou Anne, de pé em cima de uma duna particulamente alta.

- Já viu como a flora está agindo com os outros seres? - Retrucou Mégara, ríspida. - O deserto pode parecer maçante, mas pelo menos não teremos de nos preocupar com carvalhos tentando nos transformar em adubo.

Ela se enrolou na sombra precária que a duna produzia, com cuidado para não enterrar o corpo na areia fofa. Anne aproximou-se dela, sentando-se no canto da sombra, e ficou olhando a paisagem, sentindo rapidamente uma vertigem e os olhos arderem: era tudo de um laranja ofuscante, e a areia que esvoaçava com o vento produzia espirais estonteantes. Com lágrimas embaçando sua vista, ela virou-se para o céu, arrependendo-se: não havia uma única nuvem, e o sol era estranho... Era vermelho, muito menos brilhante que o Sol de seu sistema. Anne lembrou-se da história do Super-Homem, cuja força vinha do Sol do Planeta Terra, diferente do sol do planeta natal de onde viera. Ficou devaneando sobre criptonitas e super-heróis quando percebeu Mégara se erguendo com dificuldade da areia, espanando o corpo com um chacoalhão.

- Vamos, se não teremos que parar à noite e eu quero chegar ainda hoje.

Anne assentiu e ambas voltaram a viajar. Apesar de ainda serem duas horas da tarde, Anne não sentiu tanto calor, e se perguntou porque Mégara as fizera parar. Quando verbalizou essa dúvida, Mégara soltou um riso pelas narinas e explicou:

- Este sol é mais frio que o da Terra, mas é muito mais radiativo. Viajar a essa hora e pela manhã não nos expõe tanto a seus raios perigosos, mas ao meio-dia é tão forte que às vezes acaba matando alguma criatura mais fraca que passe por ele. Se não tivéssemos parado, você provavelmente voltaria para a Terra com câncer de pele, no mínimo. E se resolvesse morar aqui, não duraria vinte anos.

Anne engoliu em seco, decidindo por permanecer calada até o fim da viagem. Logo o sol começou a baixar em direção ao horizonte, e ela percebeu como o tempo passava infinitamente mais rápido naquele mundo. Aos poucos a vegetação foi se tornando mais frequente: ela conseguia ver algumas áreas misturadas de grama e areia, e até algumas árvores pequenas, vivas. Já estava quase anoitecendo quando avistaram uma carroça solitária na estradinha que saía do deserto: algumas estrelas já despontavam no céu. Mégara sobrevoou a carroça e parou um pouco à frente, escondendo-se na vegetação alta que ladeava a estrada. A diligência avançava devagar, um animal grande puxando-a de maneira monótona, açoitado pelo indivíduo que a dirigia. A carroça seguiu seu caminho, passando por elas, e Anne viu de relance que o animal que a puxava tinha a aparência de um boi comum, exceto pelo fato de possuir apenas um olho no centro da testa.

- Acredito que estamos perto do reino vizinho. Ninguém viaja a essa hora, a não ser que esteja muito perto de seu destino. Venha, vamos seguir a carroça até onde ela vai.

E assim fizeram, caminhando pela beira da estrada. Mégara ficara um pouco menor que Anne e agora deslizava pela grama para não ser vista. Caminharam por mais ou menos meia hora (ou assim pareceu à garota), até avistarem uma luz suave e vermelha, revelando um muro muito alto, ladeado por dois guardas. Eles deixaram a carroça passar após conversarem um pouco com o diligente, e então cruzaram suas longas lanças novamente, barrando o portão. Anne olhou para o lado, pensando em perguntar a Mégara como iam entrar, quando viu que o dragão não estava mais ao seu lado, mas crescera novamente e agora se adiantava em direção aos guardas. Meio tonta, viu a criatura virar-se para ela com uma clara expressão irritada de “siga-me”, e adiantou-se para o lado da mentora.

    - Alto! Quem vem lá?

    Anne não deixou de rir do chavão, porém parou ao sentir o olhar perigoso de Mégara.

    - Sou Mégara, representante do esquadrão de elite do Conselho e esta é... Musee, a nova guardiã.

    - Eu sou o que-AI! - O dragão dera-lhe uma chicotada com a ponta do rabo, obrigando a se calar. Permaneceu calada, mas ficou confusa – porque Mégara mentira sobre seu nome? E o que diabos significava Musee? Que nome retardado... Ocupou-se em observar melhor os guardas e percebeu que eles eram exatamente como humanos, e seriam até mesmo cocotos se não fosse pela mesma anomalia do boi: tinham apenas um único olho na testa. Eles se olharam ao ouvir o dragão se pronunciar, e então estufaram o peito, sem mover suas lanças.

    - Não temos permissão para deixar nenhum forasteiro passar, ah... Senhora!

    Mégara aproximou a cabeçorra em direção ao guarda que falara. O outro imediatamente ergueu a lança em direção a ela, mas a mesma não lhe deu atenção. Estreitou os olhos amarelos, as pupilas se resumindo a estreitas fendas negras e aterrorizantes e então disse, num sussurro praticamente inaudível e ameaçador:

    - Forasteiro? Posso lhe assegurar, soldado, sua mãe é mais forasteira que eu. Se eu adentrasse uma passeata de seu povo em plena luz do dia, com certeza me saudariam mais do que a seu rei. Então não me diga que não posso passar, soldado, porque se eu quiser, e eu quero, eu vou passar, e não é um ciclope metido a besta que vai me parar. E você – ela se voltou para o outro ciclope, que se encolheu, a lança tremendo em suas mãos – Aponte essa coisa pro outro lado se não quer que eu a aponte para a sua bunda.

    Os dois guardas paralizaram por um momento, então se olharam. Timidamente, o que apontara a lança ergueu-a novamente e perguntou, timidamente:

    - Você é mesmo do Conselho?

    - Sou – Ela ergueu a cabeça, um pouco mais calma, mas ainda imponente. Anne só não estava mais assustada porque não fora com ela que Mégara falara; se fosse, com certeza já teria desmaiado.

    - E ela é mesmo a... Guardiã?

    - É – confirmou Mégara. - Agora deixem-nos passar.

 


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Notas finais do capítulo

Avisem-me se tiver algum erro.



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