Ar.

Eu precisava de ar.

Minhas mãos tatearam desesperadamente a água ao meu redor, enquanto meus olhos estavam cegos pela imensidão cristalina. Minha garganta parecia ter se fechado e meus pulmões trabalhavam em um ritmo incrivelmente acelerados à procura de oxigênio.

Eu estava afundando.

Afinal, quão longe era a superfície?

Meus pulmões foram envoltos pela água que adentrara minha boca e narinas, fazendo minha garganta ficar amarga e dolorosa. Meus pés se debateram no espaço imenso e eu tentei impulsionar meu corpo para frente. Entretanto, minhas pernas pareciam pesar como chumbo e ao invés de subir, eu caía. E caía...

Eu nem ao menos consegui gritar.

Um som agonizante saiu de meus lábios e momentaneamente, minhas mãos envolveram minha garganta enquanto eu sufocava. A última coisa que vi foi os fios de meu cabelo que ondulavam molhados em meu campo de visão. Até que, enfim, a escuridão cercou meus olhos. Momentaneamente, meu corpo inteiro ficou leve, facilitando a corrente de água que me puxava para baixo.

De repente, meu corpo foi impulsionado com uma força extrema para frente e minhas mãos finalmente alcançaram a superfície.

Arfei assim que abri meus olhos.

Minha pele estava grudenta e suada. Poder respirar novamente pareceu surpreendente, e inspirei uma boa quantidade de ar diretamente para os meus pulmões para ter certeza que aquilo estava mesmo acontecendo. Minha garganta estava seca e meu coração parecia saltar dentro do peito.

Minha visão continuava embaraçada enquanto alguns pontinhos coloridos flutuavam em minha frente, fazendo-me sentir tonta.

Onde eu estava?

- Bella? – Escutar aquela voz me fez meu sangue congelar. Eu a reconheci imediatamente.

Foi apenas preciso olhar para o meu lado que me deparei com o rosto de Alice instantaneamente, não muito nítido. Mesmo assim, consegui distinguir os cabelos espetados e as feições delicadas. Suspirei de alívio e me atirei seus braços, quase caindo de onde eu estava sentada.

Permanecemos abraçadas por minutos a fio. Até que enfim, Alice me segurou pelos ombros e me impulsionou para trás gentilmente , criando certa distância entre nós duas para que pudéssemos nos encarar.

Assim que minha visão finalmente desembaraçou, pude olhar direito para o espaço ao meu redor. De imediato, reconheci os móveis e a cama da qual eu estava deitada. E principalmente, a lareira do quarto de Edward.

E por Deus, Alice estava péssima. Pude perceber isso assim que meus olhos varreram todo o quarto e finalmente caíram sobre ela. Seus olhos estavam vermelhos, e também contornados na parte de baixo por grossas olheiras. Estava vestindo roupas simples, o que só me preocupou mais ainda.

Uni minhas sobrancelhas enquanto meu cérebro trabalhava rapidamente, relembrando-me dos acontecimentos anteriores, que passavam nitidamente diante de meus olhos: A despedida minha e de Nessie, enquanto eu a colocava para dentro da barreira. “Eu amo você. Nessie.” As palavras ecoaram dentro de minha cabeça. Oh, e também Edward... Com a arma apontada em minha direção.  Ah, e aqueles olhos dourados... E finalmente, o barulho do disparo.

O som ensurdecedor pareceu tão real que balancei minha cabeça para os lados, expulsando os momentos rapidamente de minha cabeça. Meu peito se encheu de dor e instantaneamente estendi meus braços para frente, colocando-os em meu campo de visão. Arregalei meus olhos assim que encontrei minha pele cheia de cicatrizes. Bem, se é que dizer que minhas veias estavam praticamente pulando para fora da pele poderia estar na categoria de cicatrizes de batalha.

O que mais achei estranho foi o fato de que minhas veias formaram espirrais por todo meu braço, se estendendo para mais além. Aquilo instantaneamente me lembrou... Oh, não.

Rapidamente, saltei de cima da cama e corri em direção do banheiro. Quando finalmente me pus na frente do espelho que estava posto na parede lá dentro, dei de costas para o mesmo e deslizei as alças do vestido branco que eu trajava para baixo, até que minhas costas ficassem completamente expostas. Olhei para a minha imagem refletida ali.

Engoli em seco assim que encontrei a tatuagem da rosa ali... Porém, estava um pouco diferente. As pétalas que sempre estavam fechadas, naquele momento estavam totalmente abertas, exibindo sua cor vermelha muito parecida com sangue. Mais para baixo estavam as minhas veias, que sem dúvida alguma davam a entender que juntas formavam o caule. E então, se estendiam para mais além... Principalmente por meus braços.

Fiquei por muito tempo encarando minha imagem no espelho.

Eu sabia que Alice já deveria ter conhecimento sobre aquilo. A única coisa que não se encaixava, era o porquê das pétalas terem se aberto na tatuagem de minhas costas. Será que aquilo significava uma nova chance ou coisa do gênero?

Puxei o tecido branco para cima e deslizei as alças até que caíssem em meus ombros. Dei as costas para a minha imagem refletida no espelho e parei na porta do banheiro, ocupada em olhar para Alice que estava sentada na cama.

- Como você já deve ter percebido, Jasper era o assassino, e ainda é. – Alice falou calmamente.

- Como assim ainda é? – Comecei a me aproximar da cama, a passos lentos. Temi pelo pior.

- Na festa, ele me nocauteou e quando acordei novamente, eu estava trancada dentro de um carro. Foi questão de segundos para que eu conseguisse me soltar das cordas e chegasse até você. Sinto sua presença em qualquer lugar. – Alice estava com as pernas cruzadas. As mãos estavam unidas por cima dos joelhos. Ela olhava para um ponto único, enquanto sua expressão era da mais pura dor. – No caminho, eu entendi tudo e liguei os fatos. Sempre foi Jasper. Ele quem matou Samuel. Quem fez a maldição em sua reencarnação passada. Tudo.

Quando cheguei perto o suficiente da cama, me sentei. Senti-me um pouco zonza. Se já não estava sendo fácil para mim, imagina para Alice que considerava Jasper o amor de sua vida. Não deveria ser fácil descobrir que a pessoa que você ama é uma assassina.

- Finalmente, encontrei seu corpo caído no gramado. Jasper, Edward e Nessie estavam ao seu lado. – Eu estava pronta para perguntar por eles. Porém, Alice foi mais rápida e prosseguiu: - Jasper esclareceu tudo, e até mesmo me fez um convite para acompanhá-lo em sua jornada. Recusei instantaneamente. E então, Edward avançou em minha direção e foi tarde demais para que eu conseguisse sentir o mal que havia nele. Acordei novamente e eles já não estavam mais lá. Jasper havia me deixado uma carta. Oh, Bella... Eu pensei que você estava morta assim que pus os olhos em você. Mas então, por incrível que pareça, seu coração começou a bater novamente e sua respiração foi normalizando. Eu te trouxe rapidamente até aqui, pensando que se curaria ainda mais rápido.

Demorou certo tempo para processar tudo que estava acontecendo. Meu cérebro se encheu de perguntas e tive que formulá-las para o meu entendimento

- Que jornada? – Perguntei primeiramente.

- O plano de Jasper sempre foi o mesmo: Conseguir se vingar do Conselho, por ter matado sua família quando ainda era pequeno.

- Por que o conselho mataria a família dele?

- O Conselho mata toda a família que nós temos. Assim, não teremos mais motivos para voltar ao outro mundo e conseguimos nos concentrar na missão que foi nos foi designada.

Era tão cruel. Aquilo só fez o ódio em meu peito crescer, se espalhando por todo o meu corpo. Como o Conselho poderia ser tão cruel? E Jasper... Ele continuava vivo. Provavelmente, quando eu “morri”, as rosas deveriam ter perdido sua força de poder e parado o processo de levar o maldito para baixo da terra.

Porém, estragar minha vida inteira não era justificativa o suficiente para se vingar do conselho por ter perdido seus pais. E nem para ter uma vida eterna e sem nenhuma tarefa ao lado de Alice. Maldito. Nunca achei justo o fato de que Alice e Jasper teriam que sempre lutar pelo meu final feliz, e nunca pelo deles. Senti sempre principalmente por Jasper, que demonstrava o tempo todo ser um grande cavalheiro e amar incondicionalmente Alice.

Mas tudo mudou. No lugar que sempre sentia pena e admiração por Jasper, agora era nada menos do que um poço cheio de raiva e ojeriza.

- Existe uma explicação lógica para você continuar viva, Bella. – Alice falou, tirando-me de meus devaneios.

- Qual?

- Sua mãe está viva.

A linhagem da família. A resposta havia praticamente se materializado em minha cabeça. Jasper havia me dito que para que eu pudesse morrer, a linhagem da qual fui feita também deveria.

- N-N-Não, isso é impossível. Ela morreu no part...

- Não, Bella. Se não você estaria morta. – Alice me interrompeu. – O pai deveria ter sido o primeiro a morrer. Depois, a mãe. E finalmente, você.

- E Nessie?

- Ela nasceu depois. Não antes de você. Só funciona com os anteriores a sua linhagem.

- Então por que Jasper quis fazer o sacrifício com Nessie? – Eu estava cheia de dúvidas, e minha cabeça começou a latejar.

- Ele queria que você não tivesse mais motivos para lutar, Bella. E assim, se entregasse facilmente para a morte.

- Mas havia Edward.

- Jasper faria de Edward seu guerreiro, destinado a matá-la por culpa da Fera. Jasper não é mais do bem, Bella. A magia que usou para invocar a fera de dentro de Edward só pode ser maligna. E muito, muito poderosa.

- Ele está com minha irmã e Edward, certo?

- Sim. – Ela balançou a cabeça para os lados.

- Para quê?

- Jasper está indo até o Conselho. E para isso, precisa chegar ao outro mundo. E levou Nessie. Ele me disse que sua irmã é especial. Somente ela pode acabar com o Conselho. E ele precisava da Fera de dentro de Edward para fazer o serviço sujo durante a jornada.

Então, era isso: Nessie era uma criança especial, e somente ela tinha o poder para acabar com o conselho. Qual? Eu não fazia ideia. E nem como. Assim como sua morte seria a passagem para o meu final feliz e o de Edward. Ah, Edward. Ele estava sem o menor indício de humanidade, pois estava dominado pela Fera. E eu não morri, pois ainda tinha sobrado uma pessoa de minha linhagem. Minha mãe.

E minha mãe continuava viva. Mas, então, por que minha não se preocupou em me procurar por todo esse tempo? Talvez ela não quisesse... Talvez tenha pensado que sua vida teria sido melhor sem ter que viver com o marido e duas filhas no campo.

Porém, não importava. Não enquanto tantas coisas estavam comigo, que precisavam ser resolvidas. Não enquanto dezessete anos da minha vida haviam se passado, sem ela – seja quem for - ter me procurado.

Eu tinha apenas uma prioridade: Edward e Nessie.

Com minha cabeça latejando dolorosamente, dei as costas para Alice e me apoiei na parte de cima da lareira. Ocupei-me em observar o fogo crepitar na madeira, enquanto a fumaça aquecia meu corpo.

Jasper havia conseguido tudo o que queria. Tudo o que fiz para evitar que o mal acontecesse para as pessoas que estavam ao meu redor, foi em vão. Era como se eu estivesse em um pesadelo sem fim... Uma história que nem mesmo um lunático acreditaria.

- Existe um modo de trazer Edward de volta. – Ouvi a voz cautelosa de Alice atrás de meus ombros.

- Qual? – Olhei sorrateiramente em sua direção. Não quis olhar para seu rosto, que demonstrava sinais de sofrimento.

- O beijo do amor verdadeiro.

Eu teria que beijá-lo para curá-lo. Porém, e se Edward havia deixado de me amar depois que descobriu que menti para ele? Aquilo me retiraria da categoria de “amor verdadeiro’’, de sua parte. Seria um risco que eu teria que correr.

Maldito Jasper.

Enquanto o sentimento amargo da raiva preenchia cada parte de meu corpo, dei as costas para a lareira e fitei Alice.

- Nós vamos atrás de Jasper. Vamos encontrá-los no caminho e impedir que cheguem até o Conselho. – Falei, determinada.

Alice se levantou, se mostrando tão disposta quanto eu. Pelo seu olhar, pude ver que estava ao meu lado. Infelizmente, suas feições demonstraram um novo problema rapidamente.

- Mas você não pode sair da mans....

- As rosas fazem parte de mim agora. Onde eu for, sei que vão. A tatuagem é prova disso... – Eu disse rapidamente, não querendo ser questionada. Novamente, as palavras fluíram. – Vamos precisar de ajuda.

- Quem? – Alice perguntou, curiosa. Por sorte, não entrou em uma briga verbal comigo.

- Emmett. – Respondi rapidamente.

- Tudo bem... Acho que ele ainda não foi para o Alasca. Vou procurá-lo, arrume suas coisas. - Alice estava dando-me as costas até que eu a chamei:

- Alice?

Ela se virou em minha direção, com as sobrancelhas unidas.

- Sim?

- Espero que esteja disposta para ver Jasper morrer. Pois é isso que vou fazer assim que encontrá-lo.