Estacionou seu carro e entrou em casa furioso. Correu para seu quarto e trancou-se. Dirigiu-se até o banheiro, abriu uma caixa que guardava sobre a pia, retirou uma pequena faca que escondia ali e começou a cortar-se. Primeiro cortou-lhe as costas. Em seguida os braços e então as coxas. Chorava como se não houvesse amanhã, mas não pela dor dos ferimentos que havia provocado. Era algo maior que isso. Era algo que ia além de simples dor física. Após perder uma quantidade considerável de sangue, sua visão escureceu aos poucos, até ficar completamente preta.

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Ainda não estava completamente consciente, mas conseguia ouvir bipes incessantes. Sua visão ainda não voltara a funcionar, mas podia ouvir os bipes. Eram de uma frequência tal que chegava a irritar-lhe. Ouvia, também, uma conversa indistinta ao fundo. Imagens do ocorrido começavam a vir à tona. Havia sangue. Os bipes continuavam lá. Havia muito sangue. Os bipes eram cada vez mais frequentes. Não era qualquer sangue. Era o seu sangue que escorria no chão. Conseguia visualizar perfeitamente a cena da noite anterior. Os bipes agora estavam muito mais frequentes que no inicio. Por fim, abriu os olhos e constatou que estava em um local de paredes brancas. Havia uma cama onde estava deitado, e uma cortina à sua direita. Ainda não estava entendendo o que acontecia, até que um senhor adentrou o quarto. Era um homem em seus quarenta e poucos anos. Vestia uma jaleco e tinha um estetoscópio em seu pescoço. Por fim percebeu onde estava: em um hospital.

– Como se sente - o médico fez uma pausa, enquanto procurava pelo nome do paciente em seu prontuário - Harry?

Como resposta, apenas um grunhido do menino que deitava na cama.

– Vou deixar que descanse mais um pouco, e então volto para ver como está - o médico disse

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Tudo começaria de novo. Harry fora internado em um hospital psiquiátrico uma vez, quando tomou mais comprimidos do que deveria. E agora, seus pais repetiriam a internação. Não é que ele fosse louco, nem era de dar trabalho. Não usava drogas, não fumava e, até onde seus pais sabiam, não bebia. A única coisa que seus pais tinham para se queixar, era da orientação sexual do filho que, para aquela família conservadora era algo próximo de uma aberração. Não era normal também. Afinal, não há normalidade alguma em chegar a casa um belo dia e cortar-se até cair inconsciente. Mas sua situação familiar explicava isso sem muitos problemas. Pais sempre muito ocupados com trabalho, tentando suprir a falta de tempo com o filho por bens materiais. Sua família sempre fora muito rica, mas nunca recebeu atenção de seus pais. E, vez ou outra, numa dessas tentativas desesperadas de Harry de mostrar aos seus pais que não, não está tudo bem, ele acabava internado em uma clínica psiquiátrica. Algumas horas se passaram e o mesmo senhor de jaleco voltou ao quarto. Trocou algumas palavras com Harry, explicou-lhe como funcionaria o tratamento, mostrou-lhe todas as partes da clínica e o encaminhou a seu quarto. Harry sequer se deu o trabalho de desfazer suas malas. Limitou-se a deitar na cama e esperar até que dormisse, observando a chuva cair lentamente pela janela.