Quando A Caça Vira O Caçador escrita por Padalecki, Samuel Sobral


Capítulo 22
Vinte - Mason


Notas iniciais do capítulo

Pulando as desculpas pela demora de sempre, aqui está o capítulo 20 de QCVC! Ele é bem importante para a história como um todo, então fiquem atentos.

~Sam



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– Você ainda vai demorar com isso? – Perguntou Luccas, nervoso.

Soltei ar pela boca, meio rindo, meio bufando.

– Só mais alguns segundinhos, Lu – Falei, esticando o fio de aço com a roldana.

Atrás de mim, o lobisomem rosnou.

– Não me chame de Lu, garoto – Avisou.

Minhas pernas estavam doendo depois de tanto tempo agachado, esticando os fios das armadilhas que eu havia espalhado por toda a floresta. Meus dedos estavam cortados, ardendo nas pontas. Meus olhos estavam envesgando por causa da quantidade enorme de tempo em que eu olhei para meus dedos trabalhando. Se eu não fizesse uma piada com alguém, provavelmente socaria Luccas.

– Você não está em condições de reclamar, Lu – Lembrei. – O cara mais corajoso manda. O medroso obedece.

Outro rosnado, mais gutural. Ri fracamente.

– Eu não estou com medo, Mason – Soou como o aviso final antes de ele partir para a violência, mas ele já tinha usado-o demais para poder me amedrontar agora.

– Não, claro que não – Disse eu, sarcástico. – Você só está na floresta. De onde qualquer um dos seus amiguinhos pode sair... – Deixei a frase reverberar no ar frio e parado da floresta ao nosso redor. – A qualquer momento!

Em levantei de supetão, estendendo os braços em direção a Luccas. Assustado, ele recuou alguns passos até que sua máscara de susto se transmutou numa carranca. O lobisomem me agarrou pela gola da minha camiseta preta do Batman, praticamente me erguendo do chão. Seus olhos mudaram gradativamente de cor, de um azul profundo para um vermelho/amarelo vulcânico. Eu apenas ri.

– Tá bom, cara – Bati em no antebraço musculoso dele. – Me solta. Eu aprendi a lição.

Luccas suspirou, condenando a si mesmo por ceder tão facilmente, e me soltou. Bati o pó de meus jeans, olhando para o trabalho terminado: uma estrutura de madeira e metal acoplada no tronco de uma árvore nodosa, um fio de aço perfeitamente esticado passando por toda a extensão da estrutura, enrolando-se num galho mais baixo da árvore e então fazendo uma linha quase invisível até um círculo de folhas no chão da clareira, que o lobisomem tinha feito o favor de cavar. Abaixo do círculo, uma rede de metal esperava por sua próxima presa.

– Acabamos – Anunciei, pegando minha mochila com os materiais necessários para a construção de armadilhas como aquela. – Por mais que a maioria dos monstros consiga sentir armadilhas, os sensores nelas vão nos avisar da presença de qualquer ameaça perigosamente próxima.

– Hum – Foi a resposta de Luccas, girando os calcanhares para a saída da floresta.

– Ah, qual é – Reclamei, seguindo-o. – Isso não é interessante? Uma estrutura perfeita, capaz de prender até um rinoceronte alucinado.

– Não vai ser o suficiente – Respondeu ele, num tom soturno.

– Mas vai nos dar tempo para nos prepararmos – Retruquei. – Cara, seja mais otimista.

Otimismo? – Ele ridicularizou a palavra. – Sua amiga está prestes a se tornar um híbrido perigoso entre caçador e caça, uma ameaça que os monstros ainda usam como história de terror. Eles vão senti-la, Mason. Vão tentar matá-la antes que tudo se consuma, antes que ela se torne um problema irreversível. E você ainda vem me falar em otimismo?

Rolei os olhos. Eu estava aterrorizado por dentro, mas admitir isso provavelmente seria pior.

– Eu não sei de você – Falei, enquanto a floresta se abria para o gramado atrás do galpão da casa de Jenny assomando na escuridão parcial do crepúsculo. – Mas eu não quero entrar na luta esperando pelo pior.

***

– Isso é realmente necessário? – Perguntou Jenny, nervosa.

Estávamos no porão da minha casa, o QG dos Arrow, assistindo meu pai prender Jenny numa cadeira de madeira com tiras de couro. Eu estava tentando ignorar o nó que crescia em minha garganta só de vê-la assim, tentando se mostrar corajosa, por mais que sua voz e suas mãos estivessem desmentindo aquilo com tremores.

– É sim – Disse Megan, sentada na escada. Podia-se ver os olhos dela marejando a cada vinte segundos, mas ninguém dizia nada. Era uma situação difícil para todos. – Não sabemos como vai ser. Os livros da época em que o primeiro caso aconteceu estão perdidos. Podemos presumir que vai ser violento, mas não sabemos o quanto. Pela sua segurança...

– E pela nossa – Emendou Robert. Beliscão, imponente empoleirado no encosto da cadeira ao lado da cabeça de Jenny, grasnou em acordo.

– Vamos amarrá-la aí até que a transformação termine, já que não estaremos aqui para vigiar você, querida. – Finalizou Megan.

Jenny testou uma de suas amarras no pulso esquerdo. A tira de couro nem se mexeu.

– E por que vocês não vão poder me vigiar mesmo? – Indagou ela.

Meu pai riu, terminando o serviço ao esticar ao máximo a tira de couro na cintura dela.

– Sem medo, queridinha – Pediu ele, batendo no ombro dela de leve. – Seu amigo lobo ali nos contou que monstros podem sentir sua transformação.

– Eu posso senti-la, agora mesmo – Avisou Luccas, seguindo sua deixa, falando de trás de uma estante de flechas. – Algo em seu sangue está mudando. Quando a transformação atingir seu ápice, qualquer monstro na floresta inteira vai conseguir sentir. E não vão gostar.

– Precisamos proteger você – Concluiu Robert. – Até que a transformação termine.

– E quem garante que eles não vão tentar me matar depois? – Insistiu ela. Era quase divertido vê-la tão assustada e ao mesmo tempo tão determinada.

– Eu – Luccas levantou o braço. – Seja lá o que estiver fervilhando em suas veias, não gostaria de lutar contra isso depois de terminado. Uma vez terminada, a transformação vai repelir monstros.

– Legal – Comentou Jenny. Nossos olhares se encontraram. – Vou chutar seu traseiro, Sr. QI.

Sorri para ela.

– Não se esqueça de quem está lá fora, lutando por sua vida – Brandi meu arco.

Ela riu. Robert a acompanhou, assim como Megan. Até Luccas abriu um sorrisinho. E não era de minha piada que estávamos rindo. Era porque aquela poderia ser nossa última chance de rir.

***

Mudei minhas pernas de posição, ajeitando o peso de meu corpo sobre elas.

Era uma posição horrível para se estar, agachado sobre o telhado inclinado da minha própria casa. Com todas aquelas flechas entupindo minhas aljavas, pesando nas costas e nas coxas, era muito difícil manter o equilíbrio. Mas, por algum motivo desgraçado, aquele era o único lugar em que a mãe de Jenny, do outro lado da rua, podia mandar o sinal avisando da presença de monstros, que ela receberia de Luccas, montando a linha de frente no galpão. Meu pai montava a última defesa, no porão da minha casa, com todo um arsenal à sua disposição.

Acima e atrás de mim, numa parte mais alta do telhado, Rigle rosnou seu melhor e mais ameaçador “Shhh” em língua de cachorro. Com suas habilidades caninas, ele estava numa posição confortável e vigilante. E, e claro, estava reclamando do “barulho” que eu fazia toda vez que mudava minhas pernas de posição.

– Ei, garoto, quer calar a boca? – Disse eu, apoiando as costas na inclinação. – Já é difícil sem uma voz na minha cabeça me chamando de desengonçado.

“Desculpe” pediu Rigle, sua voz esbanjando sarcasmo canino. “Eu não sei onde estava com a cabeça. Você é a incarnação de um gárgula, o rei do equilíbrio.”

– Gárgula? – Perguntei.

“Você sabe” Disse ele, descontraído. “Feitos de pedra. Feios, fortes e rápidos. Podem desafiar a gravidade, escalando qualquer coisa feita do mesmo material que eles. Alguns foram aprisionados em catedrais.”

– Então não são estátuas? – Era uma pergunta inútil, mas eu queria passar o tempo. Três andares abaixo, a minha melhor amiga estava se transformando. Eu podia sentir a transformação agora. Era algo... Errado. – Poderiam simplesmente saltar das paredes de uma capela?

“Não seja burro, Mason” O desdém na voz de Rigle desafiava o que eu considerava possível. “O que os prendeu lá extinguiu toda a vida dentro da rocha, transformando os gárgulas em simples peças de decoração gótica. Você deveria fazer como a garota e ler um pouco”

– Ei! – Reclamei. – Sabe com quem você está falando? O nerd. Você não pode simplesmente me dizer para...

Me interrompi. Uma lanterna acendeu e apagou de dentro de uma das janelas da casa de Jenny.

– Monstros – Disse eu, ao mesmo tempo em que Rigle pensou na mesma palavra.

Me coloquei em pose vigilante, esticando uma flecha mista – ferrugem, que era um tipo diferente de metal vermelho capaz de matar vampiros, prata, cobre e chumbo, combinados numa única seta. Serviam para o caso de eu não saber que monstro iria enfrentar, como agora. A desvantagem é que um tiro como aqueles dificilmente mataria.

Varri a rua com o olhar, procurando qualquer movimento suspeito. Meus ouvidos simplesmente amplificaram sua capacidade, escutando cada som no bairro, que se resumiam a roncos pesados. O “pó nocauteante” que meu pai espalhara por aquela área da cidade tinha surtido efeito, mantendo as pessoas em suas casas. Na escuridão fria e silenciosa, pude ouvir um rastejar, um assovio e uma série de passos, em algum ponto depois da casa de Jenny, na floresta. Eles estavam se aproximando. Encaixei a flecha na corda, ainda observando.

Algo voou por cima do telhado da casa dos Clein, cortando a escuridão da noite como um meteoro ascendente. Segui a coisa com a mira da flecha por todo o arco que ela traçou no céu, até perceber que era Luccas, balançando os braços feneticamente enquanto caía na rua seguinte.

“E lá se vai nossa eficiente linha de frente” Anunciou Rigle.

– Você só sabe reclamar, pulguento? – Reclamei, ignorando o lobisomem voador. Mantive os olhos e os ouvidos na casa de Jenny.

Ouvi ruídos de luta. Algo de porcelana se quebrou. Tombos ecoaram no piso de madeira, e, a julgar pelo modo como se repetiam, assumi que Megan estava fazendo uma verdadeira carnificina lá dentro. Continuei esperando. Dois, três, quatro minutos. Meus membros começaram a doer, mas eu mantive a posição.

Já tinha começado a pensar na possibilidade de as coisas estarem sob controle, quando Megan precipitou-se pela porta da frente de sua casa, com as roupas camufladas repletas de rasgos, apenas uma das duas habituais adagas nas mãos. Mirei na porta automaticamente, preparando-me para cobri-la.

“Eles nunca saem pela porta” Sussurrou Rigle docemente.

Assim que ele terminou a frase, as janelas explodiram, libertando dúzias de monstros furiosos. Amaldiçoei em voz alta, disparando a primeira flecha. Não esperei para ver se tinha acertado, mirando em meu próximo alvo – e depois no próximo, e no próximo, e no próximo. Por alguns segundos repletos de adrenalina, Megan e eu seguramos os monstros no gramado cada vez mais maltratado.

O problema era que eles simplesmente não paravam de chegar, saltando das janelas dos andares superiores e cercando Megan cada vez mais. Percebi que se eu fizesse alguma coisa, ela não conseguiria fugir. Com a velocidade de um raio, pesquei uma flecha com cerdas ralas e duras. Encaixei-a na corda e, um segundo antes de dispará-la, gritei:

– Megan, saia daí! – E então soltei a corda.

Para o meu alívio – e surpresa –, ela conseguiu captar a mensagem ao mesmo tempo em que eu falava, abrindo uma grande distância do meu alvo, no centro da turba sobrenatural. Uma explosão sacudiu a rua, matando e desnorteando nossos inimigos. Consciente da mãe de Jenny cambaleando para a porta da minha casa, disparei flechas nos monstros avulsos com eficácia mortal. Nada se movia nas sombras da noite, agora tingidas pelo amarelo das chamas que riscavam o gramado e boa parte da parede da casa dos Clein.

Escorreguei pelo telhado até a janela do meu quarto, Rigle em meu encalço. Uma vez dentro do cômodo, corri para a sala, deparando-me com uma versão desgastada e ferida de Megan Clein. Mesmo com os cortes no rosto, ela conseguiu levantar o polegar e sorrir.

– Muito bom, garoto – Parabenizou ela.

Nem tive tempo de sentir orgulho de mim mesmo. Do outro lado da casa, a porta da cozinha se abriu e fechou no mesmo segundo, servindo de encosto para as costas nuas de um Luccas cansado e aterrorizado.

– Ei, Lu – Chamei. – Onde está sua camisa?

Ele rosnou para mim, o peito subindo e descendo rapidamente. Os cortes em seu peito estavam se fechando sozinhos no mesmo ritmo, mas não podia se dizer o mesmo dos restos de sua camiseta branca e justa.

– Eles nos cercaram – Avisou ele. – Eu tentei detê-los do outro lado da rua, mas... – Seus olhos ainda estava arregalados, como se eles ainda tentasse processar o que viram. – São muitos. E trabalhando juntos.

– Trabalhando juntos – Repetiu a mãe de Jenny, ofegante. – Isso não deveria ser possível.

– Eu sei – Assentiu Luccas, removendo os restos de sua camiseta dos ombros. – Lobisomens jamais sonhariam e lutar lado a lado com vampiros. Mas é isso que está acontecendo lá fora.

– Você sabe o porquê disso? – Perguntei.

– Não – Luccas balançou a cabeça. – Eu ouvi boatos sobre um “Rei da Escuridão”, mas nada que os lobos mais experientes quisessem contar a um ômega. Achava que era só uma lenda para manter os ânimos depois de tanto tempo numa prisão.

Houve um momento de silêncio constrangedor. Luccas, no pouco tempo em que passamos juntos, conseguira me provar que os monstros não eram tão diferentes assim de nós. Em sua maioria, eles já haviam sido seres humanos, como eu ou Jenny. Eles não escolheram ser assim. E alguns – como o próprio Luccas – ainda tentavam retornar ao estado primário.

– Bem, eles fugiram da prisão – Falei, finalmente. – E agora vão nos matar.

Como se para pontuar minhas palavras, a porta tremeu. Pude ouvir a madeira vibrando antes do segundo impacto, que fez rachaduras brotarem na porta. Encarei Megan, a mais experiente ali, à procura de orientação.

– Bem, vamos para o plano B – Ela deu de ombros, e todos nós corremos para o porão, trancando a porta recentemente consertada atrás de nós.

Eu praticamente saltei os quinze degraus que me separavam do chão de rocha polida, assim como Luccas. Megan desceu rápido, chegando ao chão quando eu e o lobisomem já estávamos em posição. Atrás de nós – e eu estava lutando para não olhar –, Jenny se debatia em convulsões assustadoras. Meu pai surgiu com seu arco longo.

– O plano A falhou – Constatou ele. – E a transformação de Jenny está longe de acabar. Estamos perdidos.

Ri nervosamente, preparando uma flecha para a porta que tremia.

– Onde está o otimismo? – Perguntei.

– Foi substituído pelo realismo, querido – Foi Megan quem respondeu. – O seu pai está na estrada a tempo suficiente para saber que...

– O plano B nunca funciona – Disseram os dois em uníssono.

Luccas trocou um olhar sarcástico comigo.

– Viu? – Perguntou ele.

Eu me limitei a sorrir. Por dentro, era como se minhas tripas estavam tentando fugir da morte, debatendo-se contra as paredes internas do meu corpo. Mas minhas mãos se mantinham firmes, e eu puxei a flecha. A porta explodiu, e, antes que eu pudesse ver o que saiu por ela, mirei na estante com as flechas de fumaça. E disparei.

O lugar se tornou uma zona de guerra ao mesmo tempo em que perdeu a visibilidade. Como meu pai previra, a fumaça desnorteou os monstros por tempo suficiente para que nós pudéssemos nos colocar em formação. O plano B deu muito certo nos primeiros cinco minutos. Corpos inertes se amontoavam no chão, que ia ficando escorregadio de sangue. Descarreguei duas aljavas inteiras, e agora estava reaproveitando flechas usadas para não descarregar a terceira.

Em algum lugar na fumaça cinzenta, Luccas estava mutilando seus inimigos. Eu podia ouvir seus rugidos animalescos unindo-se aos de Jenny, fazendo hordas e mais hordas de inimigos voltarem por onde vieram. Mas ainda havia os mais furiosos, que só paravam quando Robert ou eu cravejávamos seus peitos. Megan estava literalmente patinando mortalmente – deslizando pelo sangue no chão enquanto fatiava monstros. Rigle estava saltando pela fumaça, atacando estrategicamente. Beliscão tinha deixado seu lugar ao lado de sua dona para bicar os inimigos que se aproximavam muito.

Então vieram os cinco minutos seguintes, marcados pelo cansaço e pela resistência. Ganhei alguns cortes venenosos. Megan tinha perdido boa parte das barras de seus jeans, e meu pai usava o próprio arco como bastão de beisebol. Juntos, formávamos um círculo de proteção ao redor de Jenny, assim como Rigle e Beslicão. Os monstros já não atacavam mais. Só nos acuavam, avançando vez ou outra só para assustar. Eu só tinha mais duas flechas.

– Cansados? – Perguntou um cara alto e pálido, suas presas vampíricas sorrindo com prazer. – Isso é bom. Muito, muito bom. – Ele riu, se aproximando da adaga brandida de Megan como se aquilo não significasse nada. – Agora estamos em condição de negociar, eu presumo. Entreguem a garota... E teremos uma trégua.

– Nem pensar – Falei.

A risada harmônica do vampiro engasgou-se num rosnado diabólico.

– Eu temo que você não tenha entendido – Disse ele, aproximando-se de mim. Mirei em seu peito. – Vocês não passam de um cãozinho desgarrado, dois velhos enferrujados e um... – Seus olhos vermelhos me analisaram de cima a baixo. – Um aspirante a Robin Hood, além de uma dupla de mascotes inúteis. Não é como se quiséssemos negociar. Eu realmente adoraria experimentar o sangue de um caçador. Dizem que deixa um vampiro dez vezes mais poderoso. Se não fosse pelo Gar...

Ele se interrompeu, e sob a sua postura altiva percebi uma pontada de medo. Ele tinha falado demais.

– Gar quem? – Perguntei.

O jovem riu, desconversando.

– Não é importante – Disse ele, recuperando a autoconfiança. – O que importa é que vocês já eram. Vai ser do jeito fácil ou do jeito difícil?

– Já tem sua resposta – Desafiei, brandindo o arco.

Ele fez um som estranho com a boca, um som que lembrava uma cobra. Suas presas dobraram de tamanho, projetando-se para fora da boca. Seus olhos vermelhos faiscaram.

– Que seja – Ele fez um gesto de desdém. – Lithos! Temos um presentinho para você!

Por um segundo, ninguém fez nada além de esperar. Até mesmo os monstros ficaram tensos, procurando por algo que não aparecia. Então um som contínuo – como milhões de rachaduras estalando ao mesmo tempo. Alguns vampiros formaram um semicírculo, olhando para baixo. Comecei a perceber a pedra naquela área ondulando, erguendo-se do solo.

Então aconteceu – a rocha cinzenta dentro do semicírculo de vampiros se ergueu do nível do chão, tão lentamente quanto alguém saindo de uma banheira de água quente. A rocha ascendente começou a tomar forma, ganhando uma cabeça enorme com chifres curvos e uma versão brutal de um rosto humano projetando-se para a frente da cabeça. Ombros largos seguravam braços grossos e definidos, ladeando um tronco humano feito de rocha que se afunilava numa cauda ofídica.

– Um gárgula – Balbuciei. – Essas coisas são de verdade.

Rigle riu em minha mente, mas continuou rosnando para a coisa recém-saída do chão. Beliscão eriçava as asas, mas se recusava a sair de perto de sua dona. Mirei uma flecha com mola por dentro da ponta, capaz de rachar um bloco de pedra sólida no peito do gárgula enquanto ele estalava as juntas, areia desprendendo-se de cada parte dele enquanto ele se movia. Era surreal. Os olhos vazios e cinzentos dele nos observavam com ódio inteligente.

Lithos rastejou para fora da cratera que havia criado ao ganhar vida, a dez metros de distância. Sua cauda, mesmo gerando um som horrível ao friccionar-se no chão, se mostrou muito útil para a locomoção. O gárgula bateu os punhos, pressentindo o prazer de dar uma surra em caçadores. Disparei o primeiro tiro, mas a flecha ricocheteou na rocha. Disparei o segundo tiro, mas Lithos segurou a flcha explosiva com as mãos, suprimindo a explosão entre seus dedos.

Engoli em seco. Eram meus últimos tiros. Segurei o arco na posição “bastão de beisebol” do meu pai, e esperei. Rigle se preparou para a investida, assim como Lithos. A criatura de pedra avançou contra nós, e eu fechei os olhos instintivamente – mas o impacto não veio.

Lentamente, abri um dos olhos. E o que vi me fez abrir o outro. Pisquei algumas vezes, trocando olhares com Megan e Robert, que estavam tão surpresos quanto eu. Atrás de mim, a cadeira onde Jenny estava ficou vazia. À minha frente...

Eu já tinha visto ela fazer coisas inacreditáveis. Como dar uma surra em Michael Milles, o valentão da sétima série. Ou quando ela humilhou uma garota de Nova Iorque que havia passado as férias em Weston e se achava superior. E, é claro, havia a mais recente: manter um embate de forças com um espírito das sombras.

Mas o que eu via agora... Aquilo desafiava os padrões. Até quando se falava nos Padrões de Jenny Clein. Lá estava ela, segurando o gárgula pelos chifres, contendo a força do ataque como se estivesse apenas equilibrando os objetos que caíram de uma vez do armário da escola. Seus braços eram firmes, assim como suas pernas dobradas para mantê-la de pé. Quando eu notei que algo estava diferente nela, Jenny já estava movimentando-se rápido demais para que eu pudesse confirmar.

Ela saltou sobre o gárgula surpreso, agarrando-o pela cauda pouco tempo depois de aterrissar. Com um puxão, Jenny girou com Lithos, arremessando-o depois de acumular muita força. O gárgula atingiu os monstros como uma bala de canhão, para depois finalmente desmantelar-se de encontro a parede. O pânico se instalou nos inimigos. Eles correram para a saída, desesperados. Foi como Luccas dissera – a transformação os afugentava. Antes que todos os monstros conseguissem escapar, ela ainda pescou um ou dois duendes escuros e os trucidou.

Jenny provavelmente teria perseguido-os por toda a floresta, mas eu a impedi tocando em seu ombro. Ela se virou, e eu finalmente percebi o que havia de diferente. Ainda era o mesmo rosto bonito, os mesmos cabelos loiros, os mesmos olhos castanhos. Mas a atitude... O modo como ela movimentava os olhos, como ela mexia as mãos num frenesi silencioso. Ela parecia estar numa crise de abstinência.

– Mason – Ela disse, levantando-se do cadáver de um dos duendes. – Fique aqui. Cuide dos outros. Eu vou seguir esses canalhas e dar cabo de todos eles, tá bom? – Ela piscou um olho para mim. – Descanse.

Pelo menos, eu percebi, ainda era Jenny – só que uma versão muito mais “ligada” dela.

– Não – Eu a segurei pelo ombro, mantendo-a perto. – Você não vai.

– Mas... – Ela piscou, olhando de mim para a escada por onde os monstros fugiram. – Eu posso fazer isso, Mason. Eu sei que posso. Estou mais poderosa agora. Mais forte. Sinto como se pudesse segurar uma Ferrari a duzentos quilômetros por hora.

– Sim, claro – Megan segurou o outro ombro. – Porém eu acho que você deva ficar. Não sabemos se a transformação ainda vai tentar avançar além do que seu lado caçador permite. Isso pode ser doloroso, Jenny.

Ela moveu-se como se estivesse para discordar, mas se deteve. Megan a encarava com tanta tristeza que, mesmo naquele estado de transe e sentidos alterados, ela compreendeu que era melhor ficar. Pude sentir a postura dela relaxando, então soltei seu ombro.

– Então – Luccas estava sentado na cadeira, exausto. – A garota está bem. Tem poderes novos. E não criou um complexo de extermínio para todos os monstros. Isso é tudo muito bom, mas... E os humanos? Com certeza a briga deve ter atraído um pouco de atenção.

– O pó nocauteante cuidou dos vizinhos que poderiam reclamar de barulho. – Disse meu pai. – Tomei a liberdade de fazer o mesmo com meus companheiros da delegacia.

Nós o encaramos, perplexos.

– O que foi? – Perguntou ele, fazendo cara de inocente. – Essa cidade nem tem crimes de verdade. De qualquer forma, os habitantes que não foram “nocauteados” vão querer saber o que houve amanhã de manhã. Mas até lá, já limpamos a sujeira e vamos poder nos fingir de moradores assustados também.

– Bom plano – Comentei. Jenny e Luccas assentiram.

– Agora vem a parte chata de se lidar com monstros – Disse Megan, pegando pás atrás de uma estante de flechas. – Sumir com os corpos.

Gemi em voz alta. Jenny deixou os ombros caírem. Luccas apenas riu, pronto para o trabalho macabro. Mas, antes que eu pudesse me empenhar nessa mais nova ocupação enquanto ainda lidava com o trauma pós-traumático, uma luz vermelha acendeu em meu cinto. Todos se viraram ao ouvir o tilintar eletrônico que a luz despejou no ar.

– Graças a Deus – Agradeci. Então me empertiguei. – Quero dizer... Ah, que droga. Alguma coisa caiu numa armadilha. Vou ter que ir lá conferir.

– Eu vou junto – Candidatou-se Jenny.

– Não, você fica – Contestou Robert. – Suas novas habilidades vão ser bem úteis. Mason, vá, veja o que é, mate e então volte para a ajudar. Ok?

– Ok – Assenti. Então me virei para Jenny. – Saiba que eu fico muito feliz em perceber que sua persistência em viver é tão grande, Aventura.

Ela riu.

– E eu fico feliz em perceber sua persistência em me manter viva, QI – Respondeu ela.

Acenei para Luccas.

– Bom trabalho, Lu – E então subi pelas escadas, não antes de encher uma aljava de flechas mortais.

O que eu não mencionara ainda era minha crescente preocupação com os monstros – não eles em si, mas a organização deles. Megan e Robert estava estranhando aquilo. Eu também estava começando a me incomodar. Enquanto me dirigia para a armadilha acionada, me perguntei qual seria a probabilidade de arrancar informações do monstro que caíra nela. 


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Notas finais do capítulo

Reviews? :3



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