Virei o rosto para o lado para aproveitar daquela última vez que eu o veria, disso tinha certeza. Não sabia esconder todas as explosões de raiva, medo e tristeza que ocorriam dentro do meu peito. Anos de dedicação exclusivas a ele e derrepente tudo cedeu. Eu não conseguia enxergar o chão, somente aquelas pessoas que passavam por aquela calçada.

Até que eu a vi.

Ela caminhava com segurança e tranquilidade na minha direção. Havia surgido do meio das pessoas, um ar sério mas ao mesmo tempo reconfortante. Mesmo não a reconhecendo ela me encarava como se me conhecesse a anos. Eu não sabia compreender se era a mim a quem ela se dirigia ou a qualquer outra pessoa confundida.

- Não tema - disse em tom baixo.

Já ia me virar pela calçada quando a garota fora mais ágil e me puxou pelo braço. Seus olhos cristalinos imploravam para que eu não fosse. Entretanto eu não sabia quem era ela.

- Mas quem...

Ela tocou meus lábios com a ponta de seu dedo. Sem hesitar fora me conduzindo pela calçada seca e eu ainda sem entender o por quê. Porém uma parte de meu ser queria alguém para se apoiar, eu estava despedaçada por dentro e com aquela pessoa eu já quase não me lembrava o motivo. Era como se com um gesto ela fosse capaz de restaurar minhas forças.

Olhei discretamente para a pulseira branca de seu pulso, que agora enlaçava seu braço como se fosse íntimas a anos. Não enxergava bem e franzi o cenho para decifrar as letras.

Paciente número 4031, Heloíse P. Santjud.

Paciente... de um hospital?

Não consegui racionar por completo e senti meu braço escorregar por sua mão macia. Me debrucei na calçada de pedras paralelepípedo e senti o bruto impacto sob meu joelho. Apoiei meu corpo nas duas mãos e a minha mente se dissipou, dando lugar a uma forte tontura.

Soltei um gemido e a tal garota se agaixou ao meu lado, fazendo com que um de meus braços envolvesse seu pescoço.

- Você está bem?

Virei o rosto com dificuldades e enxerguei seu semblante borrado. Ao mesmo tempo meu estômago se embrulhou. Soltei-me dela e virei a cabeça para o asfalto quente. Soltei toda a amargura, o medo, a tristeza que sentia ali. Eu estava tão confusa, o mundo real havia se fundido com o irreal. Além de estar enxergando tudo em fiascos, sentia o mundo visível se mexer sem controles.

Até que havia olhado para meu próprio pulso. Lá também havia uma pulseira branca, com meu nome escrito. Fiz questão de me observar, com dificuldades, mas ainda assim conseguia enxergar um pouco. Vestia um conjunto de calça e blusa de moleton brancas, igualmente as de... Heloíse.

Seu braço me envolveu novamente e seu olhar era afetuoso e carinhoso. Sorriu. Fez com que me levantasse do chão de pedras em pouco tempo.

- Pensei que estivesse ido mais longe, minha amada.

Encarei-a por alguns segundos e deixei com que me ajudasse a caminhar de volta para o hospital. Isso! Agora eu estava aos poucos recordando.

Fitei sua pulseira branca e nela estava escrito em baixo de seu nome: estágio terminal. Leucemia.

Senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Abracei-a com força enquanto caminhávamos. Algo me avisava que eu não a teria para sempre e mais algo dizia que sua presença iria me fazer muita falta.

- Quem era aquele que estava com você? - Sua voz doce entrecortou o silêncio da tarde.

- Eu não sei.

Ela soltou um riso baixo me abraçando ainda mais forte. A minha pulseira escorregou por meu braço tornando-se ainda mais visível.

- Sabe que eu te amo.

- Eu também te amo - disse, por fim.

Abraçada à ela, consegui me sentir um pouco mais forte. Suas mãos eram precisas e seu físico estaa mais conservado que o meu. Girei o rosto e dei-lhe um beijo na bochecha. Como um trovão, minha mente se recompunha aos poucos. E eu era grata à Heloíse por isso.

- Obrigada por fazer com que minhas memórias voltassem.

Ela me observou de lado com um sorriso no rosto. Deitou sua cabeça em meu ombro e deixou com que os minutos encarregassem de falar por ela. Na minha memória havia somente ela. Somente a minha Heloíse.