A Escada De Marfim escrita por ChemicalGothic


Capítulo 1
Irmãs


Notas iniciais do capítulo

Minha fic de estréia aqui, espero que gostem.



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A arena estava lotada como o esperado, pessoas gritando como verdadeiros animais, você sente o sangue fervendo em suas veias e o suor descendo por seu rosto. Todos aqui sofrem de uma sede, ou ela é por sangue, ou ela é por dinheiro. O subconsciente humano as leva a agir como verdadeiros primitivos, descontrolados e violentos, que agora gritam meu nome. Eu desço as escadas com calma sendo guiada até o centro do furacão. Meu trabalho aqui é fazer com que todos saiam devidamente satisfeitos... Ou não, depende de você amor e em quem você aposta sua grana.


-Sabe de alguma coisa sobre essa garota? - Encaro Ralph meu treinador.Ele me viu numa briga de escola 6 anos atrás e me chamou pra treinar Muay Thai na sua academia. Minha mãe não se importou, meu padrasto muito menos, então todos os dias após as aulas eu vou lá treinar.


-Essa garota é uma babaca - Ele fala olhando a tal garota de soslaio - Se acha muito, mas sabe bater, então nada de baixar a guarda!


- Ok - Respondo indo em direção ao juiz para ele fazer a verificação em meu corpo e uniforme, sabe como é, tem muitos engraçadinhos que colocam ferro nas luvas entre outras coisas pra facilitar o nocaute, então antes de ir ao ringue tem toda essa encheção de saco.


-Pode subir - O juiz me avisa.


As vozes passam a bradar mais alto e a tensão toma conta de mim, meus músculos enrigessem e sou obrigada a desligar minha mente por alguns segundos e me concentrar. Primeiro acalmo minha respiração, solto o ar calmamente pela boca, em seguida ergo a cabeça e focalizo o teto da arena, esquecendo tudo e relaxando. Os gritos me trazem de volta a realidade quando minha oponente sobe ao ringue,desligo os meus ouvidos e passo a  encará-la. Ela mexe com o público, aponta o dedo na minha cara soltando supostas ameaças e o juiz finalmente manda que nos cumprimentemos para a luta começar.
Os primeiros segundos de uma luta são essênciais para se analisar o oponente.


-Vai lutar ou não filhote da Barbie? - Ouço a garota em minha frente provocar enquanto tenta me dar um gancho de esquerda e, pela posição dela com o pé direito à frente... Ótimo, já percebi que ela é canhoteira e pelo jeito que golpeia logo vai se cansar. Mantenho golpes curtos e pequenos chutes para economizar energia enquanto ela vem com tudo pra cima de mim. Quatro minutos depois a campainha anuncia o final do primeiro round. Minha oponente está ofegante do outro lado, gritando com a platéia e batendo no peito como se fosse o Tarzan. Chega de palhaçada, próximo round e isso acaba.


-Voltem para o centro - O juiz pede a nós duas, foi impossível não deixar um sorriso de escarnio brotar em meus lábios e faço com que minha oponente também o veja. Essa garota vai vir pra cima de mim com tudo agora, meu sorriso a provoca e ela é convencida demais. A campainha toca, anunciando o começo da luta, alargo meu sorriso e BINGO ela vem pra cima de mim, eu luto em posição destra e isso ela deve ter notado já que o centro de seu ataque é em meu lado esquerdo, mas o que ela não sabe é que eu também sou canhoteira. Milésimos de segundos me fazem desviar o rosto de seu soco enquanto solto meu gancho esquerdo em seu estômago, em seguida vejo seu corpo inerte indo ao chão. 
Aos poucos volto a ouvir a platéia urrando, sinto o alívio correr pelas minhas veias e a mão do juiz erguer meu braço anunciando a vitória. Não sou uma pessoa que gosta de se gabar então não fiz uma grande comemoração a respeito, apenas cumprimentei o juiz e a minha oponente - já recuperada- e desci do ringue.


-Foi uma boa luta - Ralph me dá um abraço meio de lado - Estou orgulhoso!


-Obrigada, Velho - Sorrio. Ralph meio que é um pai para mim. Ele tem 64 anos, quase dois metros de altura, cabeça raspada e lutou boxe na juventude. Lógico que a barriga malhada de antigamente deu lugar a uma saliencia bem avantajada, devido a alimentação, idade e cerveja, mas ele nunca perdeu sua veia de lutador - Vou lá me trocar.


Ao olhar o relógio percebo o quanto está tarde. Não que alguém se importasse comigo, mas eu teria prova de Matemática no primeiro horário e eu não havia estudado a matéria ainda. Sigo para o vestiário pelo corredor cinza sozinha, era sempre assim, as lutas acabavam e o povo ía embora.


-Foi uma boa luta - Bem, nem todos. Olho para trás e a vejo. Fazia quanto tempo mesmo? Os cabelos estavam mais curtos, as feições mais maduras, mas os olhos ainda eram iguais aos meus, foi por isso que dois anos atrás decidimos fazer uma tatuagem juntas "Forever in her eyes". Essa garota que agora é mulher, na verdade é minha irmã mais velha, Sthefanny.


-Sthefanny! - Sorri e corri a abraçar. Um ano e sete meses, é esse o tempo que ficamos sem nos ver. A história é simples, quando nossos pais se separaram ela foi morar com o nosso pai e eu fiquei com a nossa mãe. É raro eu ver Sthefanny, com a separação ela e meu pai mudaram de cidade, foram para New Jersey onde ela estuda história.


-E você acha que eu ía perder a oportunidade de te ver dando uma surra em alguém, agora "profissionalmente"? - Ela riu fazendo aspas com as mãos no "profissionalmente". Mas logo o sorriso dela foi sumindo e ela passou a morder o lábio inferior, quando ela faz isso surge um sinal de alerta em minha mente, algo sério vinha por aí - Você já jantou?


-Ainda não - Respondi cruzando os braços a analisando - Preciso tomar um banho, é rápido - Dei-lhe as costas ainda desconfiada - Me espere aqui.


Ao sair do ginásio - onde as lutas aconteciam - percebi o quão frio estava. Paramos na escadaria e eu abri minha mochila, peguei minha jaqueta moletom preta do Chicago Bulls e vesti. Eu não gosto de basquete, mal sei o que é NBA, mas o Ralph é um torcedor fanático e, ano passado - 2011 - quando o Chicago foi o campeão da divisão em que joga, ele me deu esta jaqueta de presente, disse que me daria sorte. Na verdade eu visto esta jaqueta porque é confortável e quente, perfeita para o clima de inverno aqui de Chicago, eu não acredito em sorte.


-Chicago Bulls? - Ouvi minha irmã indagar assim que terminei de fechar o zíper da jaqueta - Não sabia que você torcia - Me encarou segurando o riso, ela sabe que eu não gosto de basquete.


-E eu não torço - Limpei a garganta - Ganhei ano passado do Ralph, quando eles foram campeões - Desviei meus olhos para o outro lado da rua vendo a mesma mal iluminada e vazia - Aonde quer comer? Não tem muitos lugares abertos nesse horario. 


-Bom - Ela riu - Não conheço muitos lugares por aqui então... Seja minha pequena guia - Suspirei tentando lembrar de algum lugar.


-Tem uma pizzaria aqui perto que fecha de madrugada. Topa? - Perguntei ajeitando a mochila em minhas costas.


-Claro! Você sabe que eu tenho uma queda por comida italiana - Comecei a rir do que ela disse - O que é? Está rindo de quê?


-Sthefanny a pizza foi inventada pelos árabes! - Desatei a rir mais ainda com a cara que ela fez - Não é você que estuda história?


-Ha ha, engraçadinha - Disse fechando a cara. Esta é uma expressão do rosto de minha irmã que eu nunca esqueço. Quando ela fica brava ou incomodada ela deixa os olhos cerrados e em sua boca surge um bico.
Andamos cerca de 6 ou 7 minutos até a pizzaria, o lugar estava quase vazio então não demorou para que fôssemos atendidas. O caminho até aqui fora silencioso, eu sabia que Fanny tinha algo para me dizer e ela sabia que eu esperava que ela dissesse.


-Eu... - Ela começou a falar, mas parou, passou a lingua nos lábios e desviou o olhar para a janela - Alice eu estou me mudando de New Jersey.


Eu parei de mastigar assim que ela falou da mudança, uma sensação ruim fez minha espinha gelar - o que era estranho já que não sou do tipo que se importa muito com as pessoas - se a mudança dela fosse para Chicago ela já teria me dito e estaria com um sorriso do tamanho do mundo. Então...


-Para onde você vai? - Perguntei ainda mastigando.


-Vou para uma cidade sueca chamada Sturm, na verdade eu conheci um cara que é de lá, ele estudou história comigo - Ela voltou seus grandes olhos azuis para encarar os meus, igualmente parecidos, na verdade a diferença maior entre eu e Fanny é que ela é loira com o cabelo liso, igual ao nosso pai, já eu tenho os cabelos castanhos e encaracolados, como nossa mãe, mas nossa pele pálida é bem parecida e ambas temos o nariz pequeno, um pouco arrebitado, os lábios superiores finos e os inferiores grossos, somos de baixa estatura, eu tenho 1,65 e ela tem 1,68 de altura - Ele me contou algumas coisas da sua cidade natal que me deixaram intrigada - Mordeu o lábio inferior novamente, desviando mais uma vez os olhos, ela estava animada - Então há um mês atrás ele me convidou para ir conhecer Sturm e até conseguiu um trabalho para nós no museu da cidade.


-Que bom - Falei indiferente - Quando te vi mordendo os lábios no ginásio pensei que seria algo sério. Tipo dinheiro.


-Não, não - Ela começou a rir - Não to devendo nada pra ninguém.
Alguns minutos se passaram após ela falar sobre a mudança, algo no fundo do meu peito estava incomodado com essa mudança e eu não sabia o por quê, mas eu percebi enquanto Fanny falava o quão animada ela está em conhecer esse lugar, não posso ignorar isso. Minha irmã veio me procurar em busca de apoio e não irei negar isso a ela! Mesmo que essa sensação ruim tente me convencer do contrário.


-Já avisou a dona Laura? - Perguntei rindolembrando de como nossa mãe se "importa" com gente.


-Oh sim, ela se importa muito se estamos vivas ou mortas.


-Mas é claro que sim - Ri - E quando você parte?


-Domingo de noite, papai e Karin vão me levar ao aeroporto.


-E como o velho reagiu com a sua partida? - Perguntei me referindo ao nosso pai que ao contrário de nossa mãe sempre teve o instinto protetor.


-No começo ele rateou um pouco, mas já está conformado, ainda mais com a Karin grávida - Eu comecei a rir - Do que tá rindo?


-É estranho uma japonesa chamada Karin.


-Eu sei - Ela me acompanhou na risada - Gostaria que fosse comigo para New Jersey amanhã e ficasse lá comigo até o dia da viagem.


-Ah não sei - O rosto dela ficou preocupado - Preciso ler meu horóscopo e ver se ele me autoriza a viajar - Dei gargalhadas enquanto Sthefanny me dava tapas -ardidos, diga-se de passagem - no meu braço direito.


Cinco longos meses se passaram desde que Sthefanny se fora. Eu passei a me dedicar totalmente aos treinos. Ía para escola, assistia as aulas e em seguida, academia. Ralph estranhou muito já que eu costumava treinar apenas 3 horas por dia e agora eu treino mais de 8.  O motivo? Lembra aquela sensação de desconforto que eu senti quando Fanny falou da mudança? Bem, essa sensação só cresceu durante esses últimos meses, era um frio que eu sentia na barriga que não me deixava em paz, mesmo eu treinando mais horas por dia.
-Merda! - Exclamei quando senti o punho de Ralph me atingir em cheio o estômago durante o treino. Curvei meu corpo e segurei minha barriga com os braços, abaixando a cabeça e gemendo.


-Você está muito distraída hoje Alice - Ouvi Ralph dizer enquanto sentia meus ombros sendo puxados para cima, me obrigando a me endireitar e sair da posição fetal que me encontrava.


-Desculpa, não vai se repetir - Murmurei pegando uma toalha no canto direito do ringue - com dificuldade devido a dor - e limpando o suor do meu corpo.


-Vai pra casa - Ralph disse já saindo do ringue. Eu estava pronta para retrucar, mas ele foi mais rápido - Agora!


Dentro do metrô - à caminho de casa - eu não fazia outra coisa, a não ser pensar em minha irmã. Dutante esse tempo eu e ela nos comunicávamos todas as sextas feiras por telefone, ela estava animada com a tal de Sturm, falava sobre o povo ser fechado e uns caras com alcool e jaqueta de couro. Naqueles instantes que eu ouvia sua voz aquele frio na barriga piorava, como se algo ruim fosse acontecer com ela. Toda  vez que eu parava e olhava meu pulso esquerdo via a nossa tatuagem, o ar chegava a me faltar. Durante cinco meses eu vivi nesta agonia, até eu descobrir o que ela realmente significava.


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Notas finais do capítulo

Se você achar que eu mereço um review...



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