Sonhos Reais - Tudo Pode Mudar... escrita por Claudinha Kiste


Capítulo 1
Capítulo 1 - Mau Começo




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- Srtª. Lyon?! – chamou a diretora Stewart no alto falante em cima da lousa – Venha até a minha sala por gentileza.

  Não era como um pedido era uma ordem. E eu sabia disso. Só o que eu não entendia era o por quê. Desde que eu me mudara para esta escola – três meses atrás – eu nunca tivera sequer um problema que me levasse à sala da diretora.

Suspirei ao sair da sala.

- Sente-se – disse ela.

  Obedecendo, sentei-me. Arquei as sobrancelhas para a diretora sentada a minha frente – agora com a expressão um tanto severa, mas também preocupada.

- Posso saber o motivo de eu estar aqui? – eu disse inocentemente.

- Na verdade não seria melhor a senhorita me explicar por que está aqui?

- Não entendo senhora Stewart, o que foi que eu fiz?

- Na verdade Alice, não é algo que você fez, mas sim algo que alguém fez em seu nome. Tenho recebido vários telefonemas esta semana de pessoas procurando por você. Pessoas nervosas dizendo que se não te encontrarem, o pior vai acontecer.

- E o que seria o pior?

- Nós ainda não sabemos, mas temos receio em perguntar.

- E quem são essas pessoas?

- Ora, e você não sabe?

- Mas é claro que não! – disse, um tanto grossa, me arrependendo logo em seguida. – Q-quer dizer, não senhora Stewart, eu não sei quem são.

  De repente sua expressão se suavizou, ela apoiou os braços na mesa e disse:

- Você não sabe mesmo quem são estas pessoas não é garota?

- Sim.

- Então por que te procuram tanto?

- Isso eu também não sei, mas não se preocupe, senhora Stewart, devem ser apenas trote de crianças.

- Vamos esperar que sim. Mas você deve saber que se isso continuar terei que falar com seus pais. Agora vá, o período já está quase acabando.

- Sim senhora.

**


  Ao chegar em casa, estava com raiva e confusa – estranho, eu não era de ficar muito nervosa. – Bati a porta ruidosamente, passando pelo olhar especulativo de meu pai, indo diretamente para o meu quarto.

- Alice… - começou meu pai.

- Agora não pai – murmurei no topo da escada. Ouvi ele resmungar algo como “jovens, humpft”.  

  Agora o que havia acontecido na sala da diretora Stewart não importava mais, já pertencia a um passado distante. O que me preocupava era outra coisa… O sonho. Desde que completei treze anos, comecei a ter sonhos estranhos – não, sonhos não, pesadelos – e até hoje não consigo entender o significado deles. Mas o sonho de hoje foi diferente, não era como o nada de meus sonhos, havia um garoto. Garoto o qual eu nunca tinha visto antes na minha vida. Respirei fundo – agora menos nervosa – e levantei. Peguei uma muda de roupas e meu nécessaire e fui ao banheiro me lavar.

  Eu morava na uma pacata cidade interiorana de Stratford. Podiam me chamar de caipira, ou coisa assim, mas eu nem me importava. Só o que eu queria era viver e paz. Se é que se pode viver em paz com sonhos estranhos. Mas a verdade é que eu era mesmo um tanto interiorana.

**


- Pai…? – estava indo até a cozinha para fazer o jantar.

- Estou aqui garota – disse Peter mais alto do que a TV. – Humm, Alice… Vou buscar a sua mãe no trabalho, quer que eu peça uma pizza para comermos hoje à noite? Você tem cozinhado demais.

  Minha mãe era médica e meu pai era sócio de uma empresa de perfumes.

- Não pai, tudo bem eu faço – disse com um sorriso – é melhor não se atrasar, senão a mamãe vai ficar uma fera!

  Ele começou a rir e eu tive que me juntar a ele, com minha mãe nunca era bom abusar.

- Ok. Hã… sobre hoje a tarde quer conversar? – disse meu pai, e eu pude perceber pelo seu tom de voz que ele estava se esforçando para ser mais prestativo. Decidi pegar leve com Peter.

- Pai, sobre hoje, não precisa se preocupar, não foi nada – me virei para ele, - só estou um pouco cansada.

- Tudo bem então, tchau.

- Tchau pai.

  Esperei até ouvir o som do carro saindo, e continuei a fazer o jantar. Decidi fazer macarrão com queijo. Milhões de pensamentos transbordavam em minha cabeça – qual seria o significado do sonho, e por que isso sempre acontecia comigo – até que, do nada, minha cabeça começou a girar, tudo a minha volta estava distorcido. Segurei firme na bancada, não era de se adivinhar que isso seria mais um problema de pressão baixa – o que sempre foi comum para mim. Mas desta vez foi diferente, os pelos da minha nuca se arrepiaram, e meu corpo todo tremia, quase como se previsse algo e pedisse por proteção. Olhei para a noite escura através da janela, a fim de me distrair, quando vi algo que fez o tremor aumentar. Uma sombra preta, um vulto, passou a centímetros da janela. Fiquei paralisada, não conseguia mover um músculo sequer, não sabia como me mexer, acho que nem respirava. E depois, tão rápido quanto começou, acabou. Olhei novamente ao redor – desta vez movendo só o pescoço – e tudo estava onde devia estar.  Eu não estava mais tremendo e o estranho vulto desaparecera. Respirei fundo tentando me acalmar. Funcionou, até certo ponto. Fechei rapidamente as venezianas, olhando para todos os lados ao fazer isso. O que fora isso? Olhei o relógio de parede, eram sete e vinte.

“Tudo bem, está tudo bem Alice. Não tem com o que se preocupar” – pensei comigo mesma – “isso foi só um mal estar, talvez por causa da enxaqueca” – percebi que estava com uma dor de cabeça terrível.

  Resolvi antes de continuar, tomar um comprimido, a dor estava realmente começando a incomodar.

  Depois de comer, dei boa noite aos meus pais e fui para o meu quarto. Eu estava ciente de que não tinha como não pensar então, só deitei na cama e esperei. Eu já estava preparada para a enxurrada de pensamentos que assolariam minha cabeça, me impedindo de dormir, e me fazendo ficar acordada a noite inteira, mas fui pega desprevenida por um sono que eu não sabia de onde vinha. Chegou tão rápido que eu nem sabia se devia ou não me preocupar ou sentir medo. Não tive nem tempo para pensar nisso, pois no momento em que pisquei, afundei em um sono profundo. E sonhei de novo. É claro.


Em meu sonho eu estava na cozinha de casa. Todas as janelas estavam abertas – escancaradas, na verdade – lá fora, estava escuro, muito escuro, então devia ser noite sem lua. Percebi que fazia frio. Encolhi – uma reação automática – e pude ver que usava um vestido branco, comprido até os pés. Também estava descalça. Estranho, eu nunca fico descalça e raramente uso vestidos brancos – me deixam mais pálida do que eu já sou. Levantei a cabeça e pude ver que tudo começava a tremer – não como um terremoto, mas como se alguém estivesse me chacoalhando. Olhei ao redor e foi então que eu o vi. Parado ali bem do meu lado, estava ele, o garoto com quem eu sonhara na noite anterior. Mesmo com tudo tremendo eu pude ver. No outro sonho eu só o vi de longe. Hoje eu conseguia distinguir cada detalhe. E ele era lindo! Com certeza o garoto mais lindo que eu já vira. Seus olhos tinham um tom mais estranho de violeta, muito escuros. Sua pele era pálida, e suas íris meio arroxeadas – como se estivesse com sono, – mas ainda sim, lindo. Seus cabelos eram de um dourado meio ocre, com algumas mechas mais escuras que as outras escorrendo em ondas suaves até as pontas das orelhas. Senti um sorriso espalhar por meu rosto – surpresa de o quanto eu estava feliz por vê-lo ali, – ele retribuiu. Sorrindo ele era perfeito, parecia mais um anjo. Ele parou por um segundo, sua expressão indecifrável. Olhou para frente, e eu, de má vontade, segui seu olhar. Fiquei paralisada com o que vi. O terremoto parou, percebi que era ele me chacoalhando. Senti o sangue fugir do meu rosto, eu me sentia verde. A nossa frente tudo o que antes estava tremendo agora estava nublando, quase sumindo, eu mal conseguia distinguir as formas. Ele pegou a minha mão. Eu estava com tanto medo que nem fiquei emocionada com o toque.

- Prepare-se – sussurrou ele. – Vai começar.

  Sua voz era suave, musical. Soava leve em meus ouvidos, sem nenhum sinal de tensão.


- Ah! – acordei arfando – Eca!

  Eu estava literalmente ensopada, havia suor em cada parte do meu corpo. Meus olhos vagaram para o relógio de minha cabeçeira, eram sete e vinte da manhã, primeiro dia de férias. Píter já devia ter saído e mamãe está de plantão o dia inteiro,então eu ia ficar sozinha bastante tempo. Tempo o suficiente pra pensar no que acontecera na noite passada. Não! Eu definitivamente não posso pensar no que acontecera.

- Ótimo – resmunguei.

  Ainda resmungando, peguei minha nessesáire e fui para o banheiro decidida a tomar um bom banho.

  Resolvi então que música me distrairia um pouco, antes de descer peguei meu CD player e alguns CDs. Já na cozinha, coloquei um CD antigo do U2 e apertei o botão play – eu podia ser uma caipira assumida, mas não queria dizer que eu não gostasse de outros tipos de música também. Deixei que o som enchesse a cozinha e fui preparar meu café da manhã. Como não estava com muita fome, decidi tomar só um copo de leite. Enquanto lavava o copo olhei através da janela. Estava meio escuro para um dia normal.  Sequei e guardei o copo, e fui para a porta dos fundos. Eu ainda não tinha certeza do que ia fazer… Mas ao olhar para a mini floresta que havia nos fundos de minha casa senti uma chama de esperança. Quando me ví já estava correndo para pegar o meu celular que deixara no quarto.

- Pai ?

- Alice… ? – disse Peter ao telefone – Algum problema ?

- Claro que não pai. Eu só estava pensando…você e a mamãe vão ficar fora o dia todo, não é ?

- Sim garota – respondeu ele, e depois seu tom de voz tornou-se paternal. – Se quizer eu posso tentar tirar o dia de folga…

- Não –interrompi. – Não precisa pai, eu só queria avisar que a Bia vai dormir aqui hoje… - disse, e depois acrescentei – se não tiver problema.

- Claro, tudo bem. Só não se esqueça que você terá que ir buscar o seu irmão amanhã no aeroporto, ele vai chegar as três e meia. Vou estar em reunião.

- Ah… – meu irmão Bruno, fazia faculdade fora do país, e vinha nos visitar todo natal. – Já estava me esquecendo, sem problemas, duas e meia eu estarei lá. A propósito pai, você não vem almoçar em casa hoje? – não era bem uma pergunta pois eu já sabia a resposta.

- Não, hoje tenho um almoço de negócios – claro, meu pai era um homem de negócios, suspirei.

- Ok. Tchau pai.

- Tchau filha.

  Não esperei nem ele desligar e já estava discando o numero de Bia. Bia é a minha melhor amiga.Ela é baixinha como eu, seus olhos são de um castanho escuro – também como eu – e os cabelos de um preto profundo – em meu caso, meus os cabelos são castanhos chocolate. Nos conhecemos desde que tínhamos 3 anos. Desde então, não nos separamos mais. Ela era a única pessoa que tinha sonhos estranhos também, pelo menos a única pessoa que eu conhecia. Não sabemos porquê, mas nós duas temos esse problema. Assim como eu, ela também começou a ter esses sonhos quando tinha treze anos. Por isso sempre compartilhamos o que sonhamos uma com a outra…

- Alô…? – disse uma voz rouca do outro lado da linha – Quem fala ?

- Bom dia Bia. Desculpe ter acordado você  –  disse sorrindo. – Tudo bem ?

- Ah…Olá Alice – pude perceber o toque de histeria em sua voz. – Eu estou ótima e você amiga?

- Ótima também. – disse.

  Ouve um curto silêncio e nós duas sabiamos o que viria a seguir.

“ Você também…”

  Falamos as duas juntas, por algum motivo isso sempre acontecia. Quase como telepatia. Eu ri e ela me acompanhou.

- Er… então Bia, o que você acha de dormir aqui em casa hoje?

- Seria ótimo, vou levar algumas coisas – disse ela, e depois gritou – Mãe eu vou dormir na casa da Lili hoje, tudo bem?

  Ouve um silencio em resposta e ela voltou a falar comigo.

- Ok. Que horas eu vou?

  Minha amiga é maluca.

- Eu vou aí te buscar, que horas você pode vir?

- Agora!   

Rimos de novo.

- Certo, daqui a quinze minutos eu to chegando aí.

- Ok…Ei está ouvindo U2 denovo ?

- Sim. Eu…estava entediada.

- Ah… Então até daqui a pouco, agora você só tem quatorze minutos – disse ela ainda rindo.

- Oh, então é melhor eu correr.

  Rindo desliguei o telefone.

  O condomínio em que Bia morava não era muito distante de minha casa, ficava só a 15 minutos. Fui andando até lá.

- Olha só quem eu vejo por aqui – disse o porteiro Roberto. – Alice é você mesmo ? Como está crescida. Quantos anos tem ?

- Olá Roberto. Quanto tempo não é ? Agora estou com 15. – disse rindo – Vou à casa da Bia, ela vai dormir lá em casa hoje – completei com um sorriso no rosto.

- Claro, pode entrar – disse ele, um enorme sorriso se formando. – Até mais.

- Obrigada!

  Ainda sorrindo, fui andando pelo condomínio quase vazio. Ao passar pelo play ground avistei Phill o irmãozinho mais novo de Bia. Acenei e ele abriu um sorriso radiante para mim.

  Ao chegar na casa não precisei nem bater.

- Maria Alice Lyon, você está cinco minutos atrasada – disse Bia vindo em minha direção. – Pensei que não fosse vir.

- Beatriz Still Modore, posso saber o motivo de não ter ido a escola ontem ? – disse enquanto a abraçava, recebendo um beijo no rosto. – Fiquei sozinha – encenei um choro com as mãos.

- Desculpe não ter lhe avisado – disse ela, – é que eu fui vizitar a vovó.

- Tudo bem então. – disse – Olá dona Verônica – acenei para a mãe de Bia. – Tudo bem ?

- Olá Alice, estou muito bem, obrigada. E você ? – respondeu ela.

- Eu estou ótima – respondi sorrindo. - Vamos ?

- Claro – Bia agora estava pulando. – Estou levando um monte de coisas, vamos ter uma noite bem divertida – completou ela, virando o rosto meio de lado para piscar para mim. Reprimi a risada.

- Ok. Tchau, Dona Verônica.

- Tchau Alice, tchau filha. Cuidado, viu?!

- Você contou a ela?

- De jeito nenhum. Se ela souber qualquer coisa sobre os sonhos vai me mandar para um piscicólogo.

  Comecei a rir.

  Ajudei Bia com algumas sacolas enquanto íamos para casa, percorremos o caminho todo em silêncio, exceto é claro quando passamos pelo Roberto. De vez em quando nós nos olhávamos, e abaixávamos a cabeça. Nós duas sabiamos o quanto era difícil. Sinceramente, as vezes era bom ter alguém que me compreendesse, alguém que eu pudesse contar os meus sonhos sem me preocupar com sua reação. Mas as vezes eu gostaria que ela não tivesse que passar por isso. Isto está nos deixando malucas, e eu preferia aguentar isso tudo sozinha, a ver minha amiga passar por isso também. Não é algo que se queira para a vida, é horrível, os sonhos mais horripilantes, as vezes com pessoas que são importantes, pessoas que amamos. Temos então que vigiá-las até termos certeza de que o sonho não irá acontecer realmente. Como eu disse é horripilante.

- Então… – começou Bia, quando chegamos em casa – Quais são as novas ? – brincou ela sem humor nenhum.

- Bem, os sonhos mudaram um  pouco – comecei – desde ontem. Não nos vimos por isso não te contei nada…

- Os meus também mudaram – interrompeu ela. – Ah…desculpe.

- Tudo bem, mas olhe, que tal deixarmos isso para depois – sugeri, – vamos conversar sobre isso à noite, ok ?

- Ok – Bia agora estava radiante. – O que vamos fazer ?

  Era incrível o quanto Bia conseguia suportar, ela era muito mais forte do que eu.

- Bem ainda é cedo para preparar o almoço – disse pensativa. Sorri. – Meu quarto está realmente precisando de uma boa faxina, então, gostaria de me acompanhar senhorita ?

- Claro, Vossa Alteza – disse ela rindo. – Só não vou se não tiver som.

  Eu ri.

- Seu pedido é uma ordem. Vamos – peguei na mão dela e saímos correndo.

  É tão fácil estar com a Bia. Com ela eu sei que não preciso pesar com cuidado cada palavra, eu não preciso esconder se estou triste ou feliz. Com ela eu posso ser eu mesma. Mesmo tendo Píter e a mamãe… eu não posso contar a eles. Isso os deixaria preocupados, tristes, e é por isso que eu tento parecer feliz sempre. Para não deixá-los tristes.

- Nossa! Parece que passou um furacão por aqui. O que aconteceu ? – Bia agora me olhava com reprovação.

- Eu…humm…não tive tempo de arrumar – disse corando.

- Vamos lá, mãos a obra! – gritou Bia.

  Sorri. Ela impossivel abalar essa menina.

  Oraganizamos o quarto a manhã inteira. As vezes eu falava:

- Tem certeza? Eu posso arrumar o meu quarto sozinha.

  E ela continuava a insistir:

- Ah, pare com isso, e me passe aquela pasta alí. Já fiz coisas piores.

  E sorria.

  É tão bom tê-la como amiga. As vezes as pessoas até perguntam se somos irmãs, por sermos muito parecidas. E eu a considero como irmã.


 Terminamos de arrumar o meu quarto e eu a elogiei pelo ótimo trabalho. Depois almoçamos e passamos o dia conversando fazendo piadas. Enfim, nos divertimos bastante. O dia inteiro, só nós duas, como se não ouvesse nenhuma preocupação. Mas era só uma questão de tempo para tudo voltar ao normal. “Tempo” Pensei comigo mesma ao arrumar os colchões no chão “Tá aí uma coisa que eu com certeza tenho”. Ri, num humor negro.

- Alice… Eu…- agora estávamos deitadas nos colchões, Bia continuou – O que aconteceu dessa vez ?

- Bia, se…- eu fitava o céu além da janela – se eu lhe contasse algo, algo muito estranho, você…por mais idiota que fosse…você guardaria segredo?

- O que está dizendo? Mas é claro que sim.

- Promete?

- Sim – ela revirou os olhos e fez promessa de escoteiro. – Segredo revelado, jamais será contado – e sorriu. – Diga o que está lhe incomodando.

- É que, bem parece muito estranho, muito mesmo. Eu…eu sonhei com um garoto na noite passada. Na verdade, desde a noite de quinta . Só não te contei porque você não foi para a escola – ela me fitava; sua expressão só revelava curiosidade. Levantei, fechei a janela e sentei denovo – Ele é bem diferente dos outros garotos. Mas ele é lindo Bia, o garoto mais lindo que eu já ví. E é isso que me preocupa – ela me encarava – tenho medo de estar apaixonada por ele – disse com os olhos úmidos. – Só o ví duas vezes e já estou assim.

- Lili…calma – seus olhos de repente começaram a escurecer, assumindo um tom meio roxo, que eu sabia que já vira em algum lugar mas não recordava de onde. – Vai ficar tudo bem… - enquanto falava ela colocou a mão livre na garganta – Mas que dor estranha é essa…eu…minha garganta…está queimando  – as palavras pareciam sair sufocadas, foi então que ela me olhou, sua pele estava pálida, muito pálida, e a expressão assustadora.

- Bia, está tudo bem? Você está pálida, quer que eu peça para o papai lhe levar para o hospital?

- Não – ela disse rápido demais, – não se preocupe, logo passa.

  Sua expressão era estranha, quase como se ela estivesse escondendo algo de mim. O que raramente acontecia.

- Você já sentiu essa dor antes ? – perguntei desconfiada.

- Bem, eu… sim eu já senti – ela revirou os olhos e sorriu, mas tinha alguma coisa errada, seus olhos não sorriam. – Mas como eu disse logo passa.

- Vem cá – falei puxando-a para um abraço. – Vamos dormir, tudo bem. Está ficando tarde. E você parece muito mal, já que então não quer ir ao hospital, vamos dormir. Quem sabe amanhã não melhora.

- Ok. – sua voz estava rouca e a expressão indecifrável, ela se aninhou em meu colo.

  Havia algo muito estranho acontecendo com a Bia, disso eu tinha certeza. Mas…Deus, o que? Ela nunca me escondeu nada, e eu a conhecia suficientemente bem para saber quando estava mentindo. E essa dor estranha na garganta…eu não sei, mas uma voz em minha cabeça me dizia que eu devia me preocupar. Queimando…fiquei com essa palavra em minha mente. Foi então que minha pele começou a formigar, meus pés e mão estavam gelados como gelo, e de repente, eu estava ensopada. Suor escorria por todo o meu corpo. Que estranho. Pensei no quanto seria bom se a janela de meu quarto estivesse aberta e uma brisa refrescante adentrasse por ela. Fiquei pensando nisso.

  A janela abriu num rompante. Prendi a respiração. O que foi isso? Será que alguém queria entrar em casa. Oh meu Deus, e se fosse um ladrão. O que fazer?

  Ao mesmo tempo em que eu pensava em todas essas coisas um brisa leve, e  suave entrava pela janela. Estranho. Mais estranho ainda. De repente eu podia escutar tudo ao meu redor, desde o farfalhar suave dos bichinhos na mini floresta dos fundos, até a respiração de meu pai. E eu posso jurar que posso ouvir seu coração bater. Na verdade, não só o dele, o meu e o de Bia também. Sinistro. Tentei não pensar nisto. Talvez tenha sido só o vento. Fiquei olhando para Bia. 

Bia já estava dormindo, seu ronco, era de um ronronar suave. Meus olhos se fixaram em seu rosto. Enquanto eu a analizava, seus lábios se repuxaram de uma maneira estranha. Foi então que ela falou.

  No começo as palavras saíram atropeladas, desconexas. Depois ela começou a falar mais claramente

- Você não pode – ela disse – nós temos que ten… - a frase foi interrompida quando ela se virou, e depois continuou – Eu não faria…Alice…Não! - a ultima palavra saiu um tanto histerica. Ela voltou a roncar.

  O que ela queria dizer com “ Eu não faria…” e depois ela dissera meu nome, seguido por um não apavorado. Meus pêlos se arrepiaram. Tá legal, era melhor eu dormir antes que eu comece a falar sozinha. Fechei os olhos e, novamente, fui pega por um sono que eu não vira chegar.



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