Um Pouco De Tempo escrita por Evelyze Nunez


Capítulo 1
Capítulo Único




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Poderia ter sido um dia como qualquer outro, mas não era. A rua pela qual eu passava todos ao dias, estava anormalmente silenciosa. A não ser por algo que despertou meus ouvidos desacostumados ao silencio. Poderia ter sido minha imaginação, mas não era. Um canto, uma música, uma voz doce. Aquilo era mesmo possível? Minha curiosidade inata, me fez sair de minha rota, me levando para um pequeno parque desativado fazia alguns anos. A voz doce de menina, ganhava altura e nitidez à medida que eu me aproximava. Longos cabelos negros dançavam ao leve remexer dos pequeninos pés, sob o chão de grama não aparada, no balanço de tinta descascada. No rosto inocente de criança, seus raros olhos acinzentados, brilhavam com a fraca luz morna de um sol que já se escondia ao longe.

          Me aproximei perguntando se ela era mesmo real, ou fruto do meu excesso de trabalho e falta de descanso. Mas sua voz era tão verdadeira quanto o vento que acariciava meu rosto. Era uma melodia calma, dessas que nossas mães cantam para nos fazerem dormir. Ela mirava o nada, parecendo não notar minha presença. Suas mãozinhas agarravam com firmeza as correntes do balanço. Dei mais alguns passos à frente, estralando um galho no caminho. Ela virou os olhos instantaneamente em minha direção, interrompendo a melodia. Não sei se eu estava com medo, mas um longo arrepio perpassou minha espinha. Parei e esperei. Ela piscou algumas vezes, sem tirar os olhos de mim. Porque eu estaria com medo de uma criança?

- Oi! – A mesma voz, agora me cumprimentara. – Você veio aqui para brincar também? – Me perguntou ela. Seus olhos inocentes, transbordavam curiosidade ao pousarem em mim.

- Na verdade eu só estava passando... – Tentei explicar.

- Ah... Eu entendo... – Falou a menina com ar de decepção, baixando os olhos, o que me deu pena.

Aproximei-me até chegar ao balanço ao seu lado, me questionando se ele aguentaria meu peso. Ela voltou a me observar. Sentei-me balançando levemente.

- E então? O que faz aqui sozinha? – Perguntei a ela.

- Ninguém mais vem aqui... – Começou a menina.

- Sim é verdade. – Respondi.

- Mas você veio, não foi? – Disse ela com um belo sorriso no rosto. Na verdade eu não sabia o que responder. Porque eu estava ali afinal? Fazia tanto tempo desde a última vez que brinquei em minha vida.

- Eu sei... – Ela falou cortando o silencio.

- Como..? – Perguntei sem entender ao que ela se referia.

- É bom poder brincar às vezes, não é mesmo? – Disse a menina. Como ela sabia? Eu nada havia dito.

- Você mora aqui perto? – Perguntei esperando uma resposta realmente convincente.

- Não... – Ela olhava o horizonte, seu olhar voltando à expressão de tristeza e distância.

- Bom, então vamos testar a resistência desses balanços! – Nem eu sabia direito o que estava fazendo, impulsionei o balanço até ele alcançar uma boa velocidade, a garotinha sorriu e fez o mesmo. Suas gargalhadas alegres soaram cada vez mais fortes. Uma espécie de nostalgia passou em meu coração, vendo-a sorrir tão inocentemente feliz. Era verdade que a muito eu não sabia o que era me divertir. Minha infância eu deixei de lado quando comecei a trabalhar para sustentar meus irmãos após a morte de meu pai. Eu assumi as responsabilidades para que eles ainda pudessem ter uma infância normal.

         Mas por algum motivo, eu me sentia feliz. Sei que aqueles breves minutos de diversão não iriam trazer de volta todos os meus anos perdidos, mas trouxe algo que talvez eu já havia esquecido: a alegria de sorrir sem culpa, ou medo, de sorrir como uma criança que não tem receio de expressar sua felicidade.

- Obrigada! – Falou ela de repente, com a voz ofegante, parando de impulsionar o balanço, até que este parasse por completo. Eu parei o meu de uma só vez, para poder escutá-la.

- Porque me agradece?

- Achei que todos no mundo haviam se esquecido de mim. Obrigada por me dar um pouco de seu tempo! – Seu largo sorriso, iluminara o crepúsculo que começara a surgir.

- Eu é que devo lhe agradecer. – Disse a ela, que sorriu ainda mais com minhas palavras. -  Mas afinal, como é seu nome? – Perguntei.

- Eiiii! – Uma voz masculina soou forte, me fazendo girar no balanço para olhar para trás. Um guarda municipal estava parado a entrada do parque. – O que faz aqui? – Perguntou ele.

- Eu... Eu estava... – Me virei para olhar a menina, mas só um balanço vazio remexia levemente ao meu lado.

- Este parque está interditado, por favor para sua segurança, é melhor se retirar do local.

- Sim, claro... – Falei sem jeito, me levantando, mas sem tirar os olhos do balanço.

- Me desculpe. – Falei ao guarda, já fora do parque.

- Tudo bem... As vezes é bom relembrar a infância, não é mesmo? – Corei. Com certeza ele deveria estar me achando uma pessoa desmiolada, por estar em um parquinho, no começo da noite. - O parque está fechado desde o acidente há alguns anos. – Disse ele.

- Acidente?

- Sim, pelo que eu soube, os pais da menina não estavam com ela quando tudo aconteceu. Ela subiu no alto do escorrega. – Ele apontou para um grande escorregador no lado extremo do parque. – ...E em um descuido acabou caindo de mal jeito. Não houve tempo para socorrê-la. – Meu coração apertou, então ela estava... – Pelo que dizem, os pais da criança trabalhavam em tempo integral, e quase não tinham tempo para ela. Por diversas vezes ela vinha aqui sozinha. – Ele parou por um instante. – Mas fazer o que não é mesmo? – Falou o guarda pousando a mão em meu ombro. – Os filhos às vezes precisam entender, que se não trabalharmos o dia inteiro, não teríamos como sustentá-los!

- Não... Você está enganado. - Falei me desvencilhando de seu toque. – Nós adultos é que precisamos entender que se não tivermos condições financeiras e tempo para dedicar a um filho, é melhor não tê-los. Crianças precisam de zelo e atenção. Eu não tenho tempo nem dinheiro, por isso optei em não ter filhos, e acho que muitas pessoas deviam pensar assim também. – Talvez eu tenha sido rude. O guarda me olhou sem realmente saber o que dizer.

- Bom, então... Eu já vou indo... – Falou ele sem jeito. – Até mais! – Acenou, e continuou sua jornada na rua calma e completamente silenciosa. Mirei novamente o balanço, agora totalmente parado. A noite já havia caído.

             Como sempre, por outras vezes eu passara por ali, e o silencio daquele dia nunca mais se repetiu, assim como a voz daquela doce criança. Por alguma razão eu sentia que ela já não estava mais aqui, e seu agradecimento e o brilho de seu sorriso, jamais sairiam da minha mente, assim como a alegria que ela havia causado em mim naqueles breves instantes, eu levaria pra sempre em meu coração. Talvez como toda criança, a única coisa que ela queria era um pouco de tempo.


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Notas finais do capítulo

Bom, é basicamente o que eu penso com relação à filhos... O mundo não teria tantas crianças passando fome, se todos parassem para analisar a própria situação antes de colocá-los no mundo. Sem tempo para diálogos e conversas, as crianças crescem e muitas vezes, se tornam adultos perdidos ou promíscuos. Pais acima de tudo tem de ser amigos de seus filhos.
Espero que tenham gostado! ^^



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