Samantha Roberts - Guerra Fria escrita por Duda Chase


Capítulo 26
Segunda vez


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas lendo o cap vcs vão entender pq eu realmente não queria posta-lo. Boa leitura, muchachos.



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Sócrates libertou minha mente e focou nas recém chegadas.

— Ora essa! Parece que hoje é meu dia de sorte!

Um dos guardas se adiantou e foi sussurrar algumas palavras ao filósofo. Aproveitei do momento e expirei, ofegante, e deixei que o turbilhão de emoções que tomou conta de meu corpo se aquietasse.

Deparei-me com os olhos alarmados de Jenny sobre mim. Subitamente cansada, limitei-me a respirar fundo e me recompor.

— Traga-a para mim. — ouvi Sócrates ordenar.

Resolvi testar a atenção dos dois oficiais que já estavam na sala conosco. Fiz menção a dar um passo para frente, em direção a meu meio-irmão, mas logo ouvi o sibilo metálico de uma espada sendo retirada da bainha vindo da minha direita, onde Pedro estava.

Meu olhar cruzou-se com o de Jenny novamente, e ela entendeu.

Sócrates veio até mim.

— Cansadinha? Não se culpe, essas brincadeiras mentais tendem a causar alguns... efeitos colaterais nas vítimas.

Sequestrei uma última leva de fôlego e fiz a coisa mais imprudente a se fazer: saltei contra o corpo dele. Jenny deu uma cotovelada em um dos guardas com seu braço bom e, depois de um milésimo de segundo tentando absorver o ocorrido, Susana começou a se desvencilhar do semideus que a segurava com movimentos violentos.

Prendi o corpo de Sócrates entre meus joelhos e soquei seu maxilar duas vezes rapidamente, um punho de cada vez. Ele ficou sem reação por alguns segundos, surpreendido pelo impacto dos golpes sucessivos.

Estiquei meu braço para tentar alcançar minha espada, que estava largada no chão a vários centímetros de mim. Jenny ainda disputava com o semideus que segurava seu arco e sua aljava cheia de flechas. Ou ela ou eu tinha que estar em posse da própria arma rapidamente, senão não haveria ninguém para parar Dabria.

E não houve.

Senti algo me cortar rente ao osso da escápula. A lâmina perfurou cada camada que podia: a blusa de manga comprida, a roupa térmica por baixo, minha pele fria, o músculo.

O primeiro estímulo de dor foi tão absurdo que meu cérebro mal conseguiu processar a intensidade daquilo. Soltei um grito dolorido, quase que por reflexo. O ar abandonou meus pulmões, fazendo-os arder como se queimassem por dentro.

Sócrates aproveitou-se do momento para me lançar no chão e sair debaixo de mim. Caí sentada sobre meus cotovelos, tendo tempo suficiente para ver Dabria erguendo sua espada cuja lâmina curva estava suja com meu sangue, que pingava.

Não tive muito tempo para pensar. Rolei para o lado pouco antes de a harpe de Dabria vir ao meu encontro. Levantei-me com um movimento impreciso, depois deixei escapar um arquejo de dor.

O corte estava explodindo, palpitando, formigando e ardendo ao mesmo tempo. O ar gélido passava entre os tecidos rasgados de minha roupa e, ao entrar em contato com minha pele aberta, parecia se converter em fogo.

Sangue escorria por ali. Eu sentia sua morna viscosidade descer por minhas costas, grudando-as com a roupa térmica.

Mal pude pensar no que faria a seguir. Pedro apareceu e chutou minha espada para longe de alcance, em seguida me puxou-me para perto da varanda e me atirou contra Nick, também caído no chão.

Ele tentou segurar um grunhido que veio em resposta ao meu ombro contra sua costela.

— Desculpa. — murmurei baixinho.

— Vou pensar no seu caso. — respondeu Nick, rindo de nervoso com os rebeldes que nos juntavam aos poucos e nos cercavam.

Eram nove contra cinco, sendo os cinco desarmados. Não demorou muito até nós estarmos todos sentados no chão, encolhidos. Os nove fizeram um meio-círculo ao nosso redor, com Sócrates bem no meio, me encarando.

Atrás de mim, um dos guardas abriu as portas da varanda. Então uma onda de gritos de guerra chegou até nós, arrepiando-me os pelos da nuca. O coro metálico das espadas e escudos se encontrando pareceu abalar até as estruturas do palacete.

— Patético. — Sócrates torceu o nariz.

E era isso.

Por um segundo, senti que aquilo fosse o fim. Meses de preparo e sacrifício para nada. O ódio cultivado nesse meio tempo só servira para me cegar, me encher de falsas expectativas vingativas. Eu merecia acabar daquele jeito.

No entanto, eu não poderia simplesmente desistir. Eu devia isso às pessoas que estavam arriscando suas vidas logo ali, atrás de mim.

— Eu nunca confiei completamente nesses dois. — Sócrates admitiu para seus lacaios. — Mas de você, Susana, esperava mais.

— Você sempre soube que eu não cederia.

— E você sempre soube que havia um preço a se pagar caso você não o fizesse. — seus lábios se contorceram em um sorriso cínico. Ele abriu os braços. — Olha só o que você está perdendo. Eu poderia te dar poder, terras! Seria uma soberana da Nova Era! Poderíamos fazer isso juntos!

Susana gargalhou, como se tivesse segurado aquilo por um longo tempo.

— A próxima vez que eu chegar perto de você vai ser para enfiar minha espada nesse seu peito desgraçado.

Sócrates parou e ficou olhando para a filha de Poseidon com um divertimento doentio nos olhos. Depois dirigiu sua atenção a mim. Ele abaixou em posição de cócoras e ficou na altura de meus olhos.

— Pelo menos, você pode dizer que tentou. — tentou me confortar.

Cuspi em sua cara.

Ele fechou os olhos e fez cara de nojo. Limpou o rosto e olhou para mim com legítimo escárnio. Depois sua expressão se transformou em raivosa. Ele agarrou meu rabo de cavalo e puxou-o para cima.

— Levanta! — ele mandou.

Fui levada à força até a sacada.

A primeira coisa que senti foi o frio, que parecia ter piorado. Meu corte reagiu ao frio com um nível de dor que eu nunca provara antes. O sangue melava cada vez mais minhas costas e eu estava começando a ficar tonta.

Sócrates me jogou contra a balaustrada.

Abaixo de meus olhos, uma épica batalha estava acontecendo. Eu não queria acreditar que ela estava acontecendo sem mim. E, pior que isso, eu estava apenas assistindo à ela.

Fiquei espantada quando percebi a fragmentação de nossas falanges. Os rebeldes haviam conseguido separar nossos grupos e levar a luta para o individual. O campo de batalha parecia um formigueiro entrando em colapso. Era uma tragédia ao vivo: o começo de uma carnificina.

Vi um garoto abrir caminho por entre os semideuses rebeldes, deixando-os todos no chão. Quase fiquei feliz ao ver que aquele garoto era Matt. Ele parecia fora de si, completamente alterado, mas ainda assim lutava com maestria. Lutava com duas espadas e enfrentava qualquer um que estivesse dentro de um raio de um metro de distância dele.

Mais para trás eu consegui reconhecer Letícia. Ela nem de longe estava como Matt. Parecia à vontade, como se tudo aquilo fosse um treinamento. Afinal, ela estava em seu território de poder. Vi a garota levitar enormes bancos de neves e arremessa-los contra nossos inimigos. Ela fazia com a neve o que muitas vezes eu já vira Nick fazer com a água. A delicadeza da dominação de Letícia parecia até arte, como se ela estivesse numa dança com a neve. Eu duvidava, no entanto, que os atingidos achassem aquilo delicado.

Quem sua espada tocasse, era consumido pelo gelo quase que imediatamente. Letícia deixava uma trilha de soterrados e estátuas congeladas por onde passava. Torci para que aquilo pudesse ser reversível.

Infelizmente, nem todos estavam mantendo o bom nível de Matt e Letícia. Os rebeldes atacam sem piedade, vinham para matar. A neve estava se tornando vermelha em vários focos e essa imagem era assustadora. Muitos caíram no chão sem vida, mas, por causa dos elmos, não consegui reconhecer grande parte deles.

— Está vendo o que você fez, Samantha? — Sócrates perguntou com a voz elevada. — Está levando sua raça à morte!

Virei-me pra ele, indignada.

Você está levando-os à morte! — rebati. — Esse plano é seu!

— Você poderia ter se aliado a mim, mas preferiu embarcar nessa reação inútil. — ele virou minha cabeça para frente. — Agora olhe, Samantha. Olhe quantos amigos vão sucumbir.

Fechar os olhos para aquilo que estava acontecendo em minha frente seria o gesto mais desprezível e covarde que eu faria na vida, então eu realmente olhei.

No meio da multidão, avistei Júlia. Ela conjurava encantamentos nos intervalos de suas disputas com semideuses. E estava funcionando. Alguns deles simplesmente desapareciam, outros viravam ratos ou porcos. Júlia estava envolta por uma luz arroxeada e eu pensei que nunca tinha visto a garota emanando tanto poder.

Isso até uma lança atravessar seu corpo.

Era como se eu tivesse sido atingida também. Júlia, a primeira a tentar fazer amizade comigo dentro do Acampamento Meio-Sangue, a pessoa que me apresentou à minha nova vida, estava morta. E eu nem aparar a queda de seu corpo podia.

Um grande grito foi sufocado em minha boca. Eu já estava rendida, não iria perder o controle na frente dele. Sócrates ensejava essa reação. Por mais que eu tenha tentado segurar, no entanto, não conseguir evitar a saída de uma solitária e grossa lágrima, que desceu lentamente pela maçã de meu rosto.

Meu limite foi atingido ao presenciar uma cena que demorei a acreditar que estava realmente acontecendo. Em meio a tanta confusão, um semideus grandalhão arrastava com seus braços grotescos a pequena Mia.

Traga-a para mim, Sócrates dissera. As palavras fizeram sentido imediatamente, me dando uma nova carga de energia.

— Seu filho da mãe miserável! — eu gritei.

Desferi o soco mais forte que consegui dar na altura da boca de seu estômago. Ele se encurvou e eu aproveitei o momento parar pegar sua cabeça e bater contra a balaustrada da sacada.

— Você não vai encostar um dedo nela!

Pedro e mais um guarda correram em minha direção. Cada um me segurou por um braço, roçando em meu machucado e me fazendo gritar de dor. Eu chutei o ar e me debati inteira. Meu pai lavaria minha boca com sabão se soubesse tudo o que falei para Sócrates naquele momento.

O filho da mãe olhava para mim rindo, com os dedos na testa aberta.

Nicholas tentou se levantar, mas Dabria pôs sua harpe em sua garganta.

— Nem tente. — ela advertiu.

Sócrates andou até mim.

— Você gosta de socos, não é? — ele perguntou, arregaçando a manga. — Vamos ver se gosta de verdade, então.

Então ele teve sua revanche e deu um soco bem dado em minha barriga. O ar escapou de meus pulmões e o mundo pareceu ficar preto por um segundo. Ele deu mais um soco. E, depois, mais um. Eu estava começando a ceder. Pedro e o outro guarda praticamente me sustentavam sozinhos.

— Já chega. — Jenny disse.

Ela tentou se levantar, mas um guarda — o que estava na porta, o mais velho — apontou a espada para ela. Ela deu um tapa na mão que segurava a espada e agarrou o joelho do cara, levando-o para baixo consigo. Ele tentou se equilibrar num pé só, mas não conseguiu. Caiu por cima de Queen.

Jenny estava quase de pé quando foi empurrada novamente pro chão pelo outro guarda que ficava na porta de entrada do palacete. Ele deu um chute em sua costela.

— Aquieta essa tua bunda! — ele mandou.

Sócrates, aquele sádico, estava rindo. Ele olhou para mim e ergueu as sobrancelhas, como se dissesse “Ei, mas isso não é hilário?”. Então ele colocou o braço para trás e me deu um soco no queixo. O golpe foi tão forte que quase vi estrelas. Senti que perdi a consciência por algum tempo, mas não tive certeza de quanto tempo fiquei fora de ar.

Eu queria revidar com algum poder, mas eu não estava mentalmente estável para isso. Tampouco concentrada. Tudo o que eu conseguia pensar era como todo o meu corpo estava dolorido.

A porta foi aberta atrás de mim e eu pude ouvir um grito de uma menininha.

— Mia. — eu voltei para a vida.

Os olhos de Sócrates mostraram novamente aquele brilho insano e psicopata. Ele iria fazer de novo: iria matar minha irmã na minha frente. Eu não iria deixar aquilo acontecer. Mais ninguém iria morrer por minha causa.

Tentei me desvencilhar do melhor jeito que pude, mas os guardas eram fortes demais para mim. Eles me agarraram e aniquilaram qualquer possibilidade de reação.

Parem! — eu berrei. — Tirem suas mãos dela!

Mia foi arrastada para minha frente por um rebelde, que logo se retirou. Seus olhos chorosos buscaram os meus em um pedido de socorro. Meu coração se partiu em mil pedaços. Eu nem conseguir chegar até ela conseguia.

— Adivinhe só quem meus guardas encontraram vagando perto das muralhas. — Sócrates disse. — Menina levada, essa aqui.

Nick e Queen tentaram reagir novamente, mas foram interceptados por mais chutes e mais espadas apontadas para eles. Olhei para Queen buscando ajuda, ela retribuiu com um olhar de lamentação. Estava visivelmente esgotada, já havia usado seus poderes lá embaixo. Não podia fazer nada também.

Sócrates desembainhou a espada de Pedro e deu passos lentos até Mia. No percurso inteiro ele manteve um sorriso vitorioso no rosto. Aquele canalha.

— Me mata agora. — eu pedi, de cabeça baixa. — Mas deixe Mia viver. Olhe para ela! É só uma garotinha. Sua raiva é de mim, Sócrates. Eu... — respirei fundo. Levantei a cabeça. — Eu juro pelo Rio Estige que, se você deixa-la ir embora ilesa, me rendo. E você terá o que quer.

Trovões romperam no céu e selaram minha promessa.

— Sam. — Jenny disse com a voz trêmula, sabendo o que aquilo significaria.

Sócrates foi até a mim, se curvou e disse em meu ouvido:

— Um segredinho: você já está morta, irmã. — depois ele voltou até Mia, ergueu a espada na direção do pescoço dela, que respondeu com um grito suprimido. — Te matar para não ver a morte de sua irmã seria fácil demais, não acha? Tão menos doloroso.

— Ela é sua irmã também! — rebati, perdendo o controle.

Você me reconhece como um irmão, Samantha? — ele retrucou. — Não. Mas tudo bem. Criei uma nova família, uma família de futuros reis e rainhas. E vocês não são parte dela.

Sócrates pressionou a ponta de espada contra a garganta de Mia. Um pequeno corte foi feito e o sangue começou a fazer caminho em seu pescoço. Ela deu um gritinho de dor, sem ar, e começou a soluçar.

— Sam...

Comecei a acompanha-la no choro.

Tentei entrar na cabeça de Sócrates inutilmente. Ele havia feito um bloqueio que eu nunca iria conseguir quebrar — não em minhas condições mentais. Havia uma parede entre nós e derruba-la depois de ver Mia naquele estado seria impossível.

— Como estou cheio de compaixão, deixarei você dizer suas últimas à sua irmãzinha. — Sócrates anunciou.

— Eu vou matar você.

Ele piscou para mim. Era isso o que ele queria ouvir.

Sócrates pôs a franja de Mia para trás da orelha e beijou sua têmpora. A garota encolheu-se de medo.

Abaixei a cabeça, tremendamente nauseada.

Pedro segurou meu queixo para cima, para me obrigar a ver a cena.

Seus olhos claros encontraram os meus. Ela não me olhou com raiva, não me olhou com cobrança, não me olhou dizendo que estava tudo bem e que ela me perdoava. Seus olhos eram puro medo.

Então seus olhos arregalaram quando ela sentiu a realidade do corte. Sócrates a largou e ela caiu no chão, pondo as mãos no pescoço e buscando desesperadamente ar. Mia começou a tremer e sangue escorreu por sua boca e garganta. O sangue cobria tudo entre seu nariz a seu peito.

— NÃO! — eu comecei a espernear, mas eu sabia que já era tarde demais. Os gritos e o choro eram apenas uma inútil tentativa de extravasar tudo o que eu estava sentindo.

Eu quero morrer, pensei. Pelo amor dos deuses, me deixem morrer.

Meu choro desenfreado, demonstração suprema de fraqueza, se misturou à gargalha alegre de Sócrates. Eu estava dando o show que ele queria ver. Meu mundo estava caindo à medida que a vida ia saindo de minha irmã. Um buraco dilacerador se abria em meu peito, e eu duvidava se era capaz de suportar tanta dor.

Mia finalmente parou de tremer. E de respirar.

Seus olhos permaneceram arregalados e assustados, mas já não havia mais vida neles.


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Notas finais do capítulo

Estou de luto, tipo, pelo próximos seis meses. Se quiserem me encontrar, estarei no banheiro, em posição fetal e chorando. Au revoir procês.



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