Samantha Roberts - Guerra Fria escrita por Duda Chase


Capítulo 22
Três espiãs demais


Notas iniciais do capítulo

E começou



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O frio lambia minha pele enquanto aguardávamos.

As três estavam espremidas numa cavidade erodida em uma das montanhas que cercavam o acampamento.

Circundando a cavidade havia alguns arbustos secos, com uma fina camada de neve por cima. Eles não eram grandes nem densos, mas serviam para nos encobrir. Ao meu lado havia um buraquinho estrategicamente cavado. Ele seria útil mais tarde.

Chegar lá em cima havia sido um parto.

Queen e Jenny trabalharam juntas para manipular a névoa, coisa que eu ainda não conseguira dominar. Subimos disfarçadas pela montanha até chegar naquele sutil buraco que estava posicionado justamente em um ponto cego das torres de vigia. Tivemos que usar o equipamento de alpinismo em parte do trajeto, mas, no final, conseguimos chegar lá em um tempo consideravelmente rápido.

Estávamos lá há tanto tempo que eu estava começando a perder noção do horário. O vento congelante estava começando a ficar mais forte e, por um momento, temi que a roupa térmica e as duas camisas não dessem conta do recado. Estávamos a um passo de morrer de frio, mas também tínhamos que esperar uma brecha na defesa deles.

Abaixo de mim, no pé da montanha, o vasto acampamento se estendia. A movimentação era exígua, restringindo-se a pequenos grupos que vagavam por aí e aos guardas nas torres de vigia, estes que estávamos torcendo que marcassem bobeira.

— A Jenny não pode simplesmente meter uma flecha na testa de cada um desses desgraçados? — indagou Queen, impaciente. — Estou congelando.

Queen estava encolhida, sentada em cima da camada de gelo que cobria o solo da montanha. Ela se abraçava e eu podia ver que estava forçando seu queixo para não bater os dentes. Seus olhos negros contrastavam com o cenário branco em que nos encontrávamos.

— Não. — respondi. — Não gosto da ideia de sair matando todo mundo.

— A real é que ela é traumatizada. — Jenny contou. — Por causa daquele cara na França. O que ela fez se dar um tiro.

Fechei os olhos e tentei afastar a imagem do sangue respingando pra todos os lados, inclusive meu rosto. Morno e pegajoso. O som do tiro parecia real em minha cabeça.

— Não é isso. — eu disse entre os dentes. — É que... Acho melhor não. Vamos esperar mais um pouco.

— Vamos morrer se não nos esquentarmos. — Queen rebateu.

— Mais. Um. Pouco. — repeti.

Jenny bufou e cruzou os braços. Enrolada e colocada em seu ombro, estava uma longa corda que usaríamos em breve. Entre as flechas de sua aljava, uma haste de aço se destacava por seu brilho metálico.

Queen estava com o seu chicote enrolado no antebraço. Jogada ao lado de seu corpo estava sua velha espada de ferro estígio.

Esgueirei-me por entre os arbustos e dei outra olhada nas muralhas. Semideuses armados e vestidos de armadura completa andavam de um lado para o outro, atentos a qualquer movimento perto deles.

— Precisamos de outro plano. — pensei alto.

— Ah, não me diga! — Queen rolou os olhos. — Que bom que sempre trazemos um gênio pras missões, não é, Jenny?

Jenny tentou conter um risinho.

— Nem sei o que seria de mim sem ela.

Voltei-me para as duas.

— Ok. — abri os braços. — Estou aberta a sugestões, seres-também-pensantes.

As duas se entreolharam e pensaram por algum tempo.

— Poderíamos jogar uma pedra para distraí-los. — Jenny arriscou.

Nossa. — Queen falou. — Você viu isso aonde? Num filme da Disney?

— Pense em algo melhor!

Então Queen fez uma cara de quem teve uma ideia que, em circunstâncias normais, me deixaria nervosa. Ela se achegou mais perto dos arbustos e encarou os guardas, pensativa. Não falou nada por cerca de um minuto.

— Talvez eu possa... Não sei.

— O quê? — perguntei.

— Mas eles estão muito longe...

O quê?

— Pode deixar eu me concentrar? — ela me perguntou. — Obrigada. De nada.

Ela fechou os olhos e ficou quieta novamente. Seu peito afundava e subia, afundava e subia. Jenny também se aproximou dos arbustos e permaneceu inquieta enquanto Queen fazia sei lá o que.

Então, Queen ergueu a mão direita com os olhos ainda fechados, e ficou com ela estendida por algum tempo. A mão dela tremia. A respiração ficou mais intensa. Ela cerrou os olhos com mais força e, então, fechou a mão. Simultaneamente, houve um barulho vindo das muralhas. Procurei de onde ele vinha e percebi que não havia mais nenhum guarda na torre de vigia mais próxima da gente. Forcei minha vista e verifiquei se também não havia ninguém na torre do meio. Ninguém.

— Eles caíram. — Jenny disse. — Do nada. — ela agarrou o braço de Queen. — Você os matou!? Hein? Você fez isso?

Shhh. Falem mais baixo! — adverti. — Estamos numa montanha. Com neve. Querem morrer soterradas?

— Você os matou? — Jenny sussurrou.

Queen abriu os olhos. Ela piscou várias vezes, meio desorientada. Pôs a mãos nas têmporas e balançou a cabeça.

— Deuses, isso é horrível! — Queen olhou ao redor e seus olhos encontraram os de Jenny. — Não, eles não estão mortos. Estão dormindo. Não sei se temos muito tempo, então... Ai, minha cabeça.

Jenny assentiu.

Ela tirou de sua aljava uma haste de metal e a jogou para mim. Eu já sabia o que fazer. Enfiei a haste no buraco cavado até uma profundidade que ela me parecesse estável. Cobri o buraco novamente com uma mistura de neve e terra escavada. Dei um chute na haste. Firme.

Jenny rapidamente amarrou uma corda na haste com um nó de escoteiro. A outra extremidade da corda ela amarrou em uma flecha. Ela preparou o arco, colocando a flecha com a corda nele.

— Quem quer brincar de Tom Cruise?

Jenny soltou a corda do arco. A flecha voou, rasgando o ar. Parou somente quando encontrou uma construção do que pensávamos ser o dormitório. O tanto de corda que sobrou, Jenny enrolou em volta da haste e emaranhou tudo de um jeito que ela não soltasse.

Queen pôs a mão na corda esticada, que ficava na altura de sua cintura, e balançou. Parecia firme agora. Nossa tirolesa improvisada estava pronta.

Olhei para baixo.

— É uma boa altura. — observei. — Quem vai primeiro?

— Você. — as duas responderam-me em uníssono.

Engoli seco e tirei do bolso de meu casaco uma tira de tecido elástico que Austin me assegurara de que não iria rasgar ou coisa do tipo. Coloquei meu pulso na abertura que tinha em uma das extremidades. A tira se modelou ao meu pulso. Sentei-me no chão, passei a tira por cima da corda e enfiei meu pulso na outra abertura. Com as mãos, agarrei a parte superior da tira.

O ponto da montanha em que nos encontrávamos era bastante íngreme. Eu não tinha muito espaço para me arrastar. Só precisava de um pequeno impulso e não teria mais a branca montanha sob meus pés.

Voltei meu tronco para trás.

— Ok. Vocês já sabem o...

Antes que eu pudesse terminar a frase, Jenny me empurrou. E, num piscar de olhos, eu já estava suportando meu próprio preso numa tirolesa a cinquenta metros de altura. Segurei o grito que veio em minha garganta, xinguei Jenny mentalmente de todos os nomes que me vieram a cabeça e agarrei com mais força a tira.

O vento frio fustigava meu rosto e açoitava meus lábios ressecados. Chegava até queimar minha pele. Alguns fios de cabelo estavam escapando do rabo de cavalo, que se debatia ferozmente atrás de minha cabeça.

Minhas mãos já estavam começando a doer quando eu cruzei a muralha. Fechei os olhos esperando alguém gritar anunciando minha invasão. Nada. Eu simplesmente mergulhei na noite para o acampamento inimigo.

Ao me aproximar da parede onde a flecha havia fincado, desesperadamente soltei meu pulso da tira elástica. Com a queda, o outro pulso também se soltou. Eu estava a aproximadamente a um metro e meio do chão quando comecei a cair. Aterrissei sobre meu ombro e rolei várias vezes até bater com a cabeça contra a parede. Sentei-me com as costas apoiadas no concreto e gemi de dor.

Olhei para a direção de onde tinha vindo e vi um vulto negro avançando rapidamente em minha direção. Levantei-me e aguardei a vinda do próximo vulto. Era Queen. Quando chegou perto de mim, fez a aterrissagem perfeita. Eu e o galo que estava prestes a crescer em minha cabeça tentamos disfarçar a inveja. Pouco tempo depois, Jenny também apareceu.

— Até que foi divertido! — admitiu Jenny, aparentemente mais recuperada de nossa precoce despedida.

Arranquei a flecha da parede e a lancei longe no chão, tornando-a mais visível. Nós três nos entreolhamos por um longo segundo. Conseguimos entrar. Agora é esperar eles nos notarem.

Esgueiramo-nos pela lateral do alojamento, propositalmente entrando no campo de visão das torres de vigia, mas ainda tentando manter a imagem de que pretendíamos passar despercebidas.

Após algum tempo comecei a me perguntar como aquilo poderia estar sendo fácil demais quando Jenny, subitamente, olhou por cima de seu ombro. Em seguida, ouvi barulhos de pés afundando na neve.

Segui seu olhar e avistei um grupo. Três garotos, duas garotas. Dois garotos de estatura mediana. Um bem alto. Uma garota que não era muito alta, mas era mais alta que eu. E uma garota baixinha.

A mais alta que eu me parecia bem atlética. Sua cintura estava envolvida por um cinto que portava diferentes tipos de facas. Ela distribuía seu peso de um pé para o outro. Inquieta, energética. A baixinha estava com os braços cruzados e olhava para nós com os olhos semicerrados. Sem armas, só armadura completa. Parecia aguardar por algo. Ordens, talvez.

O Estatura Mediana #1 era magrelo e usava apenas o peitoral da armadura. Sem armas. Não carregava muito peso, então poderia correr rápido atrás de nós sem nenhum problema. O Estatura Mediana #2 era mais rechonchudo. Isso não quer dizer necessariamente que ele tinha a cara fofinha. Não. Ele olhava em nossa direção como um verdadeiro homicida. Era praticamente improvável que uma de nós três – ou as três juntas – ganhassem dele no corpo a corpo. Carregava uma espada na bainha.

O mais alto de todos indiscutivelmente o líder. Ele simplesmente exalava controle. Estava prostrado na frente dos demais do grupo. Tão bem preparado quanto um rato de academia. Sua mão direita segurava uma lança. Mas não eram seus músculos ou lança que me assustavam: eram seus olhos, que estudavam a mim e a minhas amigas.

Mas havia alguma coisa nele que me era familiar. Aquele cabelo castanho liso, aquele rosto, aquela feição. Eu já o vira anteriormente. A memória foi voltando aos poucos. A última vez que eu o tinha visto ele estava sentado na balaustrada do píer do Acampamento Meio-Sangue. Ele estava conversando com uma garota que era... Ally – sua meia-irmã mais nova. O reconhecimento veio de supetão. Era Nathan, filho de Dionísio.

Nathan deu um passo à frente e franziu as sobrancelhas. Depois de dois segundos, ele arregalou os olhos. Eu não precisa ser adivinha para saber sua próxima reação. Puxei Queen pelo braço e comecei a correr.

— Samantha! — Nathan gritou atrás de mim. — É a Roberts!

Era difícil correr com toda aquela neve. Aparentemente, eles não limparam o chão após as nevascas dos dias anteriores. A sensação era um pouco pior do que correr na areia fofa da praia do Acampamento Meio-Sangue — pelo menos eu não afundava até o tornozelo no acampamento.

Contornamos apressadamente a parede do fundo daquele alojamento e dobramos quando chegamos à quina. Seguimos reto até dar de cara com uma rua repleta de alojamentos idênticos em linha reta, iluminados deficientemente com lampiões elétricos.

Olhei para os lados à procura do palacete onde Sócrates se encontrava.

— Ali! — eu disse quando avistei o palacete à minha esquerda. — Corram!

Nathan e sua trupe chegaram a nossa rua. Cinco segundos de corrida nos separavam, o que estava longe de ser tranquilizador. Coloquei o capuz do casaco sobre a cabeça e enchi meus pulmões de ar para uma arrancada.

Em uma de minhas olhadas desesperadas para trás, vi Nathan preparar sua lança e inclinar o braço para trás do ombro. Meus músculos se retesaram. Ele iria arremessar. E arremessar para acertar em cheio.

Tracei uma linha da ponta de sua lança até a primeira coisa que ela poderia encontrar. Meus olhos encontraram as costas de Queen. Não pensei duas vezes. Meu corpo agiu por mim. Joguei meu corpo contra Queen.

Caí com as costas na neve fria e com Queen me pressionando contra o chão. Ouvi um deles soltar um revoltado palavrão. Tentei não me entregar à confusão e a sair daquela posição o mais rápido possível. Quando tentei tirar Queen de cima de mim, meu coração congelou.

A neve no chão estava tingida de vermelho.

Não, não, não. Isso não pode estar acontecendo. Não com ela, não agora. Não, não.

Estremeci. Uma sensação horrível embrulhou meu estômago e subiu até minha garganta. Tudo isso em um milésimo de segundo.

Antes que eu pudesse entrar no estado de desespero, Queen rolou para o lado e se levantou rapidamente. Havia um talho em seu braço direito que escorria sangue. Soltei o ar e deixei-me ser penetrada pela sensação de alívio. Queen ofereceu a mão para eu me levantar, e eu aceitei.

Jenny preparou uma flecha em seu arco para nos dar tempo. Atirou. Quase que imediatamente ouvi um grito de dor atrás de mim. Não olhei para trás. Só corri.

Ela atirou mais uma flecha e, então, pendurou o arco em seu ombro. Depois juntou-se a nós na corrida.

Depois de dez metros, ralhei para Queen:

— Você quer me matar de susto?!

— Eu super queria ter o braço aberto!

Queen corria com a mão sobre o ferimento. Sangue escorria por seus dedos e caía no chão, infiltrando-se na neve. Aquela bastarda imprudente. Por um segundo, eu realmente havia achado que minha tentativa de salva-la havia sido frustrada e que Nathan acertara o lançamento.

Corremos mais cinco metros até uma faca passar assobiando por minha orelha. Olhei por trás do ombro e vi a Mais Alta Que Eu com cara de desaprovação por seu erro. Tornei a olhar para frente e prossegui.

Foi olhando para frente que avistei uma coisa metálica. Depois, uma figura ainda meio ensombrecida parada em frente a um dos alojamentos. Reconheci um arco na mão da pessoa e uma flecha de aço flexionando a corda. Ela estava mirando em alguém em especial.

Eu.

Cobri meu rosto com um braço e continuei a correr.

Não dei muitos passos até uma flecha acertar meu peito. Teria me matado na hora, com certeza. Perfurado pulmão e coração. No entanto, o presente de minha mãe mostrou seu valor. A flecha ricocheteou em mim e se estilhaçou.

Um dos pedaços da flecha acertou o rosto de Jenny, causando-lhe um arranhão. Enraivecida por terem tocado em seu rostilho lindo, Jenny sacou uma flecha em sua aljava e mirou na pessoa ocultada pelo escuro, que agora estava muito mais perto — a uns quinze metros de nós, talvez. Era um garoto não muito mais novo que nós. A flecha de Jenny acertou sua barriga e ele se encurvou de dor. Engoli seco.

Nós atravessámos a rua do alojamento em grande velocidade. Os quartos do alojamento iam ficando para trás e, em breve, estaríamos no palacete de Sócrates. Nenhum alarme fora acionado. Eles precisavam nos pegar de alguma forma.

Jenny, chamei-a em seus pensamentos. Tropece.

Hã?, foi a resposta que obtive.

Não vou deixar você cair. Tropece.

Jenny mordeu o lábio inferior e assentiu levemente, olhando fixamente para frente. Dois metros depois, Jenny fingiu seu tropeço, batendo um pé no outro. Ela deu alguns passos desequilibrados, tentando não ir em direção ao chão. Fingi surpresa, diminui a velocidade e dei amparo a ela. Queen também diminuiu a velocidade, olhando para trás.

O grupo de semideuses rebeldes aumentou a velocidade e foi se aproximando de nós. Correr não adiantaria mais. Era a hora do combate. Parei em meu lugar e olhei para Queen.

— Vá sem a gente! — gritei.

Eu não poderia perder minha oportunidade de fingir que eu estava em um filme de faroeste dos anos sessenta.

Queen sacou seu chicote e chicoteou o ar. Faíscas saíram do chicote.

— Você não manda em mim, Roberts. — Queen rebateu enquanto andava calmamente em nossa direção. — Quem quer brincar comigo? — ela perguntou, dirigindo-se ao grupo inimigo.

Os cinco pararam de correr e também começaram a caminhar em nossa direção, abrindo um semicírculo.

Ok, eram cinco contra três. Mas dois deles estavam desarmados. Certo que eu estava impossibilitada de usar minha espada no momento, podendo, apenas, recorrer a minha adaga. Jenny também não podia fazer muita coisa a curto alcance, e não era um ás com sua adaga. Era Queen que teria que carregar esse fardo.

Estatura Mediana #2 (que eu também apelidei como O Rechonchudo) deu um passo à frente. Sangue manchava sua blusa de manga comprida na região do ombro. Supus que era ele quem Jenny acertara.

Ao meu lado, Jenny lançou mais uma flecha. Ela pegou de raspão no pescoço da baixinha, que levou a mão ao pescoço e fechou a cara. Tirou a mão ensanguentada do pescoço e cerrou os punhos.

Tirei lentamente a adaga de meu cinto.

— Vocês podem se render agora — Nathan ofereceu-nos uma opção. — Antes que saiam mais feridas.

— Rendimento nunca foi uma opção. — falei. O que era verdade. Sermos rendidas era uma coisa totalmente diferente.

Nathan deu ombros.

— Arquem com suas consequências. Mas sinto em lhe dizer que terei que entrega-las ao meu superior. Vivas ou mortas.

— Já sou amiguinha dele. — respondi. — Acho que posso entrar pela porta de visitas.

Nathan riu.

— Não estou falando do mestre. Mas creio que você também é amiguinha de meu superior.

— Superior? — Queen indagou.

Balancei a cabeça, dizendo que não sabia de nada. O que era mentira, obviamente.

— Uma última chance. — ele anunciou. O silêncio preencheu o espaço entre nós. — Bom, eu avisei. Pessoal.

A Mais Alta Que Eu deu um sorriso maquiavélico e sacou uma faca de seu cinto com cada mão. Estatura Mediana #2 deu outro passo à frente e se pôs em posição de luta. Girei a adaga em meus dedos. Não queria ser a primeira a começar.

Queen fez as honras. Ele brandiu o chicote e lançou sua ponta em direção a Nathan, que gritou de dor. Na segunda chicotada, o chicote enrolou-se em seu braço e a descarga elétrica foi liberada. Nathan começou a tremer.

Ocorreu-me que eu nunca perguntei a Queen como ela controlava a corrente elétrica do chicote. No entanto, não tive muito tempo para conjecturar sobre o assunto, porque o Estatura Mediana #1 avançou para cima de mim.

Ele estava desarmado, então, provavelmente, vinha para me imobilizar. Ele veio afobado em minha direção, com os punhos erguidos. Tentou me dar um jab com o punho esquerdo, mas desviei. Dei um direto com a mão livre. O soco somente raspou em seu queixo, portanto não o desnorteou nem um pouco.

Olhando de soslaio vi que a Mais Alta Que Eu estava de aproximando para me apunhalar com uma das facas. Girei sobre um dos pés e chutei sua mão com a outra perna. O chute a fez recuar, porém ela não largou a faca.

Enquanto eu observava a Mais Alta Que Eu se recompor, o Estatura Mediana #1 pegou meus dois braços por trás e tentou uma imobilização. Seus dedos ossudos apertavam com força meu antebraço.

— Me solta, seu desgraçado! — eu gritei enquanto me debatia. — Me solta!

Joguei minha cabeça para trás a fim de acerta-lo no nariz. Estatura Mediana #1 arquejou e soltou-me. Aproveitando o momento, dei-lhe uma cotovelada em seu rosto; ele recuou.

Ao meu lado, Jenny foi forçada a cair de joelhos pelo Estatura Mediana #2, que estava terminando de imobiliza-la. Jenny se debatia e gritava, mas o garoto era obviamente muito mais forte que ela. Não que Jenny não tenha dado trabalho. Estatura Mediana #2 estava com um corte enorme no rosto, que ia da sobrancelha esquerda até a parte inferior direita do maxilar, cruzando sua face.

— Jenny! — gritei ao tentar ir em sua direção. Contudo, não consegui chegar até ela. Nathan, que até então estava cuidando de Queen, deixou-a aos cuidados da garota baixinha para me interceptar.

Apontei minha adaga para ele; não agarrei nela com muita força, caso ele tentasse fazer algo. Ele ergueu sua lança. Seus músculos estavam enrijecidos; a veia de seu pescoço, saltada. Seu peito subia e descia rapidamente e eu sabia que ele estava se aproveitando de meu momento de hesitação para descansar.

Para o azar de Nathan, não hesitei muito. Mergulhei em direção de sua barriga, levando-o ao chão comigo. Quando ele caiu, tentou segurar sua lança novamente. Antes que ele o fizesse, cravei minha adaga em seu flanco direito, na brecha da armadura. Nathan urrou de dor quando a adaga perfurou sua pele. Certifiquei-me de não crava-la muito fundo, somente o necessário para ele ficar no chão... agonizando.

O momento de vitória não durou mais que cinco segundos.

Como eu esperava que acontecesse, nossos gritos acordaram alguns dos outros rebeldes. Algumas pessoas — por volta de oito — saíram de um quarto próximo ao que estávamos parados na frente. E aquilo significava nossa queda.

Não demorou muito até várias mãos me jogarem contra o chão e prenderem minhas atrás do tronco com uma corda. O mesmo fizeram com Queen, que foi a que melhor resistiu. Depois encerraram o trabalho que Estatura Mediana #2 começou. Estatura Mediana #1 confiscou minha adaga ensanguentada; a garota mais alta que eu e a baixinha ajudaram Nathan a se levantar e o tiraram dali. Cinco pessoas ficaram para fazer nossa escolta.

Estatura Mediana #1 me levantou e me empurrou à direção que daria no palacete.

— A tão aclamada Samantha Roberts, a odiada de Sócrates — riu Estatura Mediana #1 — finalizada em cinco minutos. Que fase, não?

Mordi minha língua para não responder nada a altura. Apenas abaixei a cabeça e olhei para a neve com respingos de sangue. Desejei que minhas mãos tivessem desatadas. Desse modo, eu poderia tapar meus ouvidos ou simplesmente socar a cara dele. Respirei fundo e aguentei ele falar durante minha Via Sacra até o palacete.


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