Ainda escrita por Camilla Y


Capítulo 4
Domingo, 5 de junho




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Espreguiçou-se gostosamente sobre sua cama. Não tinha a menor pressa, não fazia a menor questão de despertar ainda.

Esticou os braços, deslizando-os lentamente pelos lençóis de algodão egípcio. Alcançou o travesseiro que estava ao seu lado e trouxe-o para junto de seu corpo, como se o aconchegasse em um abraço.

Sentiu o suave aroma de lavanda emanando dos lençóis que encobriam parcialmente seu corpo; conseguia ouvir o chilrear dos pássaros que anunciavam a manhã lá fora. A brisa fresca que entrava por sua janela acariciava-lhe delicadamente o rosto.

Diana mantinha os olhos fechados; era como se assim todas essas deliciosas sensações pudessem ser mais bem apreciadas e mantidas por mais tempo. Fora isso, havia o desejo de não acordar ainda. A mulher, cujos longos cabelos negros cascateavam pela cama, pretendia continuar por mais algum tempo no mundo dos sonhos e o simples ato de não abrir os olhos parecia permitir-lhe essa ilusão.

Havia sido uma noite bastante agradável. Tinha dormido ao som da refrescante chuva que caía, amenizando o calor sufocante que fizera por todo aquele dia.

Quando se dirigira para a cama, havia sentido o corpo bastante cansado, necessitado de um bom descanso. Os últimos dias tinham sido bem estressantes e isso deixara Diana esgotada. Possivelmente, por causa disso, havia conseguido adormecer tão rapidamente.

Agora estava completamente restabelecida. Parecia até mesmo que tinha dormido por dias...

Podia muito bem abrir os olhos tão negros quanto seus cabelos e iniciar um novo dia. Estava nova em folha. Estava pronta para resolver os muitos problemas pendentes que esperavam para ser enfrentados em sua vida.

Entretanto, não queria. Não; não tinha vontade de despertar inteiramente. Não ainda.

Não queria abandonar aquela sensação...

Não queria abandonar aquele sonho.

Que sonho havia sido aquele?

Sonho estranho, do tipo em que se parece ter caído de paraquedas... Diana não fazia ideia do que se passara, mas quando deu por si, estava diante daquele homem que nunca antes tinha visto.

Disso ela tinha certeza. Jamais vira aquele homem. Afinal, ele era bem diferente dos tipos com que normalmente andava.

Talvez por isso ele houvesse chamado sua atenção e despertado seu interesse daquela forma.

Se era essa a razão, Diana não saberia dizer. E, a bem da verdade, ela pouco se importava com o motivo. O que lhe interessava era que nunca sentira algo parecido antes.

Em seu sonho, tinha-se visto, sem entender como ou por quê, diante do homem de olhos verdes tão encantadores quanto hipnotizantes. Ele a olhava de uma forma apaixonada, mas recoberta de alguma castidade. Ao que parecia, o homem tentava refrear um sentimento mais forte que ele, irreprimível e, por isso mesmo, uma visível batalha era travada dentro de si, causando-lhe dor profunda. Uma grande angústia podia ser entrevista nos expressivos olhos cor de esperança.

Ela não era capaz de compreender o que ele dizia. Suas palavras deviam ser importantes, considerando a preocupada expressão no rosto do homem que tentava se fazer entender não apenas por essas palavras, inaudíveis para Diana. Ele buscava, ao mesmo tempo, gesticular muito, o que Diana não sabia se ocorria por causa do nervosismo ou por ser da personalidade dele agir assim.

De qualquer forma, fosse por um motivo ou por outro, ela não se importava. Aquele homem era simplesmente apaixonante.

Diana quis muito ouvir o que ele dizia. Quis compreender o que ele tanto se esforçava por explicar. Quis estar verdadeiramente naquela conversa, porque, embora se enxergasse ali, não sentia que estava lá, de fato. Era como se fosse coadjuvante e não protagonista daquela cena.

O homem falava, enquanto seus olhos transmitiam um desespero crescente, provavelmente devido ao fato de ela não responder-lhe qualquer coisa. E aquele olhar lhe pedia uma resposta. Não; era mais que isso: ele lhe implorava por uma resposta! Ela queria ser capaz de oferecer isso a ele. Na verdade, naquele momento, Diana sentia que era capaz de qualquer coisa por aqueles olhos.

Sua vontade se fez mais forte e prevaleceu. Não sabia o que se tinha passado, mas conseguiu. De repente, percebeu que havia conseguido e estava ali, finalmente. Teve essa certeza quando pôde enfim ouvir a voz daquele homem.

Que voz maravilhosa! Era como se nela estivessem reunidas todas as qualidades de um homem, se é que isso poderia ser possível.

É possível apaixonar-se por uma voz?

Ela já não duvidava de mais nada. Afinal, não estava já apaixonada por aqueles olhos? Tão pura e simplesmente já não amava aqueles olhos, de uma forma cândida e até mesmo inocente, ao mesmo tempo em que essa sensação parecia-lhe avassaladora demais para ser contida?

A voz dele apenas completou um cenário que já estava destinado a ser. Quando Diana ouviu as primeiras palavras daquele homem, qualquer resquício de algum pensamento lógico se desfazia para dar espaço exclusivamente ao desejo que não podia mais conter. E a mulher sentia que não devia mesmo contê-lo.

– Você está me ouvindo?

Foram essas as palavras dele, as primeiras que ela ouviu. Traziam um tom que mesclava repreensão e carinho. Aquelas palavras formaram uma melodia envolvente, na qual a última preocupação de Diana parecia ser responder ao questionamento. Ela sentiu-se mais atraída, mais próxima, mais desejosa daquele homem. Sorriu e seu sorriso foi enigmático demais ao outro:

– Por favor, eu preciso saber se posso contar com você. Meu irmão, ele... Você sabe o quanto ele precisa de você...

Diana não fazia ideia do que ele falava, tampouco de quem era esse irmão ou do que ele precisava. Porém, os olhos suplicantes, verdes como a esperança, diziam tudo o que ela necessitava saber naquele momento.

E eles diziam que poderiam pertencer à Diana, se ela assim demandasse. Bastava um movimento dela e aqueles olhos seriam seus. Aquele homem seria seu.

Certa do que queria, como era próprio do seu jeito de ser, Diana colocou suas mãos sobre as dele, que haviam enfim parado de gesticular e repousavam sobre a mesa da lanchonete.

O homem franziu o cenho com esse gesto. Lançou um olhar interrogativo para a mulher e, sem obter qualquer justificativa para aquele ato, indagou:

– Isso é um sim? Você vai me ajudar? Vai conversar com ele...?

Cansada de ouvir palavras que remetiam a qualquer assunto que não dissesse respeito a eles dois, e segura do que desejava e de como gostaria que aquela situação prosseguisse, Diana fez o movimento decisivo.

Estava sentada ao lado dele, mas não era o bastante. Levou sua mão direita à nuca do homem e deslizou seus dedos finos pelos revoltos cabelos castanhos.

Em uma perfeita combinação de suavidade e firmeza, Diana soube demonstrar toda a certeza que sentia por meio do delicado gesto, que contrastava com o vigor de seus olhos negros, que explicavam ao confuso homem que ele não possuía escolha. Ela o queria, e ela o teria.

Os braços envolveram o homem pelo pescoço, que se viu enlaçado por aquela mulher; mulher que, Diana pôde notar sem dificuldades, ele não conhecia mais. Finalmente o homem parecia compreender que, diante dele, não estava a mulher que ele pensava conhecer. Era outra, era Diana.

E Diana faria com que ele a quisesse tanto quanto ela o desejava.

O homem não soube como reagir. Diana então aproveitou-se do momento para trazê-lo para si e apoderar-se da boca emudecida daquele por quem já se sentia completamente apaixonada.

Diana sempre fora mulher de paixões intensas. Intensas e abruptas. Mas agora era diferente. Ela se sentia diferente.

Não procurou pensar demais, como já era característico de sua personalidade. Entregou-se ao desejo, como sempre fazia. Beijou o homem com vontade, com paixão, com ardor, com volúpia.

Ele hesitou, ela percebeu. Ela foi mais incisiva, ele não teve forças para lutar. O beijo era demandante, e ele parecia também desejar aquilo. A luta que ele travava consigo não durou tanto e logo o homem estava tão entregue quanto ela.

Ele passou a corresponder àquele beijo com a mesma intensidade, talvez até mais. Diana chegou a se surpreender – algo que raramente ocorria quando se via em uma situação como essa –, pois de dominadora passou a dominada. O homem logo se tornou soberano naquele beijo e ela compreendeu que um desejo há muito guardado dentro dele era finalmente libertado. Ele a beijava com certo desespero, culpa e dor, ao mesmo tempo em que a segurava em seus braços como se não pudesse deixá-la partir.

Jamais havia sido beijada daquela forma. Jamais tinha se sentido o centro do universo de alguém antes, como naquele momento. Por isso, Diana permitiu perder-se inteiramente naqueles instantes, infinitos, incontáveis.

Entretanto, por mais que ela desejasse que o beijo não tivesse fim, um intrometido garçom conseguiu acabar com aquele momento mágico. Isso foi o bastante para o dono dos apaixonantes olhos verdes voltar a si, completamente constrangido e parecendo não acreditar no que havia acabado de fazer.

– Vamos embora. – ele disse, levantando-se apressado do banco em que estavam, pegando sua jaqueta marrom, que estava sobre uma cadeira, com tanta violência que quase derrubou o assento no chão – Vou deixar você em casa.

Diana achou que não era hora de argumentar. Nada disse; apenas ergueu-se tranquila, pedindo com os olhos desculpas ao garçom que impedira a cadeira de ir ao chão por conta do modo intempestivo com que o homem saíra. E então ela seguiu atrás dele, que caminhava visivelmente nervoso.

No carro, não trocaram uma palavra sequer. O homem continuava tenso, evitava a todo custo olhar para a mulher ao seu lado e segurava o volante com tal força que parecia querer arrancá-lo fora.

Diana não procurou iniciar uma conversa ali. A mulher sabia muito bem quando era hora de falar e de calar. Contudo, fazia questão de que o homem sentisse muito bem sua presença naquele veículo. Se havia algo que Diana sabia como fazer, era ser notada. Mesmo em silêncio, aquela mulher sabia como não passar despercebida.

Seu objetivo foi satisfatoriamente alcançado, já que o homem parecia ficar cada vez mais inquieto. Ela sabia que ele a estava sentindo em sua pele agora tão concretamente quanto sentira há pouco, na lanchonete.

Quando enfim chegaram à frente de um prédio algo afastado do centro da cidade, o homem estacionou seu carro e apenas disse, ainda sem encará-la:

– Chegamos. Pode descer.

Diana compreendeu que era ali que “ela” morava. Meneou a cabeça em um gesto de reprovação; era um prédio simplório demais para o seu gosto. Todavia, isso era o que menos importava agora:

– Vai me colocar para fora assim, desse modo? – Diana fez questão de ressaltar em seu tom de voz que não estava gostando nada da forma rude como estava sendo tratada.

Sua voz preencheu aquele ambiente com sua imponência característica e o homem não teve como evitar: acabou por voltar os olhos verdes para ela, bastante pesarosos.

– Me desculpe. Mas é que... – ele passou a mão nervosamente pelos cabelos castanhos, deixando-os ainda mais desalinhados; o que, para Diana, dava ao homem um charme incrível – Nós não devíamos ter feito isso. Eu não sei o que me deu, mas... – um suspiro doloroso completou a sentença – É melhor você ir. Por favor. – dito isso, o homem encontrou um meio de fugir-lhe o olhar e silenciou.

– Entendo. – Diana tinha percebido que aquele homem sentia que não deveria beijá-la, embora ela houvesse percebido claramente que ele desejava isso tanto quanto ela mesma – Concordo, foi um erro. Eu sinto muito. – ao colocar sua mão sobre a dele, o homem se sobressaltou momentaneamente, mas, ao olhar para Diana, viu como ela lhe oferecia uma expressão cálida e apaziguadora. Isso pareceu surtir um bom efeito, porque o homem sorriu de volta, parecendo acalmar-se um pouco – Olha, vamos deixar isso para trás, está bem? Não quero que fique esse clima estranho entre nós... – ela sorriu seu sorriso mais cativante – Suba comigo; vamos beber algo e tentar consertar o que nós temos, ok?

A verdade era que Diana não sabia ao certo do que falava. Mas era especialista em sondar o que os outros pensavam, era excelente em dar continuidade a conversas de que só ouvira metade do assunto e jogava muito bem com informações aleatórias, fazendo parecer que sabia do que falava quando, muitas vezes, nem tinha ideia de qual era o assunto da conversa.

O homem pareceu ter algumas dúvidas, pois sua expressão tinha demonstrado hesitação e depois ponderação. Por fim, terminou aceitando o convite e desceu do carro junto com ela.

No elevador, Diana não teve de se demonstrar perdida, por não saber que botão pressionar. O homem se adiantou e ele mesmo apertou a tecla correspondente ao sexto andar. Provavelmente, ele tinha agido assim devido ao nervosismo que ainda tomava conta de si. Diana nada disse, achou bom que tivesse sido assim e, em vez de tentar minimizar a tensão que se instaurara naquele pequeno espaço, ela fizera questão de aumentar a perturbação que o outro claramente sentia. Ficou em silêncio, sabendo que poderia, se quisesse, melhorar aquela situação entabulando alguma conversa amena.

Porém, não era isso que ela queria.

Quando chegaram ao andar, o homem estava tão inquieto que saiu à sua frente. Uma vez mais, livrava Diana do constrangimento de perguntar o número de seu apartamento. Sem querer, ele a guiou até o apartamento de número 62 e ali ficou, parado, com as mãos metidas nos bolsos da calça jeans e os olhos passeando pelo corredor, buscando evitar que seus olhares se encontrassem.

Diana então abriu sua bolsa e, sem grandes dificuldades, encontrou a chave que abriria aquela porta. Ao abri-la, dando passagem ao homem, notou como ele parecia ainda mais desconfortável ali.

Lá dentro, tudo aconteceu muito rápido. Diana se lembrava de ter deixado sua bolsa sobre uma mesinha da sala e olhado ao redor, em busca de algum lugar em que pudesse achar uma garrafa de vinho ou algo assim. No entanto, o homem tinha parecido recobrar o juízo uma vez mais e começava a se desculpar, dizendo que havia sido uma má ideia, que era melhor ele ir embora, que eles precisariam dar um tempo...

Antes que ele prosseguisse e, principalmente, antes que pudesse alcançar a porta para sair, Diana foi mais veloz. Rapidamente o alcançou e agilmente se colocou entre ele e a porta.

– Você não quer ir embora. Eu posso ver nos seus olhos. – ela disse, encarando-o firmemente e sentindo a dúvida se agigantar sobre ele – Fica comigo. Por favor. – os braços novamente enlaçaram o outro, trazendo-o para si.

Não houve luta dessa vez. Era como se o homem já houvesse se entregado, muito antes de Diana proferir aquelas palavras. Ele acabava de tomar conhecimento disso e, internamente, qualquer força nele que pudesse se opor ao que aconteceria agora já havia se calado. Ele pertencia a ela, era todo seu, estava ali à sua mercê.

Como se a interrupção na lanchonete jamais tivesse ocorrido, o beijo que se seguiu era faminto, voraz. As bocas não mais procuravam se reconhecer, elas devoravam-se apaixonadas enquanto as mãos começaram a percorrer o corpo um do outro, em carícias cada vez mais voluptuosas, ousadas e intensas...

– Diana!

A mulher abriu os olhos assustada e ergueu-se de uma vez, por causa do susto. Sentou-se na cama, agarrada ao travesseiro.

– Você sabe que eu detesto quando você me faz esperar! – o homem adentrou o quarto da mulher, que parecia perdida entre dois mundos e olhava para aquela cena tentando entender o que acontecia – E você ainda estava dormindo? – falou em um tom altamente repreensivo, apontando com os olhos para a camisola de seda branca que ela vestia.

– Eu... Eu... – Diana gaguejava, sem saber o que dizer, nem por onde começar. Acabou olhando para si mesma, após o homem apontar para suas vestes e, por algum motivo, ela puxou o lençol da cama para se cobrir – O que está fazendo aqui, Marcos? – a mulher finalmente conseguiu perguntar, embora ainda estivesse se situando.

– O que estou fazendo aqui? – o homem de cabelos tão negros quanto os de Diana elevou um pouco o tom de voz – Vim saber por que você me fez esperar feito um idiota naquele café, por mais de uma hora! – notando como a mulher buscava se cobrir com o lençol, o homem sorriu de canto – O que está fazendo? Eu já vi você com bem menos que isso, então não precisa ficar cheia de pudores agora.

– Não estou cheia de pudores. – Diana virou o rosto, quebrando o rápido contato visual que havia se instaurado entre os dois. Marcos, por sua vez, continuou olhando para a mulher que ainda parecia tentar se esconder dos olhos dele, os quais eram negros como a noite mais escura e que, por isso mesmo, pareciam assumir um tom mais sombrio às vezes – Eu só acho que você não deveria entrar no meu quarto sem ser convidado.

– Pensei que eu tivesse essa liberdade. – Marcos aproximou-se da cama, com certo ar felino – Afinal, esse quarto também já foi meu por muitas vezes... – falou cheio de malícia.

Essas provocações entre Marcos e Diana eram muito comuns. Insinuações, olhares cheios de segundas intenções eram normais na relação deles. Relação essa que, por sinal, nunca tinha sido muito discutida. O que eles tinham, nem eles mesmos sabiam ao certo o que era. Aliás, isso nunca pareceu importar de fato. Possivelmente, ambos tinham essa necessidade de sentir que possuíam alguém, de que possuíam com quem contar quando fosse preciso. Não queriam, entretanto, sentir-se atrelados, presos a essa pessoa. Dessa forma, pareciam perfeitos um para o outro.

Contudo, não o eram. A relação entre os dois era muito conturbada. Embora fosse de acordo mútuo que não eram, por assim dizer, exclusivos um do outro, sempre havia momentos em que o ciúme despontava forte e isso comumente gerava problemas.

Brigavam muito, mas sempre acabavam voltando para os braços do outro. Porém, Diana já não saberia dizer se isso ocorria por verdadeira afeição ou pura e simplesmente por comodidade, já que haviam se acostumado a agir assim.

Se havia algo que apavorava Diana, era a possibilidade de se acomodar. Não; Diana nem ao menos gostava de pensar que havia alguma chance de ela cair na comodidade de ficar com alguém simplesmente porque se acostumou com essa determinada pessoa. Não; isso jamais. Diana era uma mulher vibrante, passional. Ela queria uma vida emocionante; nada de águas pacatas. Sua vida precisava ser uma tempestade.

Talvez por pensar assim, talvez por receio de estar se acostumando demais à companhia de Marcos, Diana agia daquele jeito agora. Sentia-se incomodada com Marcos ali, essa era uma verdade. Uma estranha verdade, porque afinal sempre se sentira tão à vontade na presença dele...

Poderia essa sensação estar relacionada ao sonho que tivera naquela noite...?

– Mas esse quarto não é seu agora. – disse, de uma vez, para afastar aquele sonho de sua mente. Embora houvesse adorado sonhar com o misterioso homem, esse não era o momento para se perder naqueles olhos verdes – Ele é meu, apenas meu e você é um visitante indesejado. Aliás, não estamos mais juntos, então você não devia vir ao meu apartamento sem ser chamado, Marcos. – finalizou Diana, rispidamente.

Marcos ergueu uma sobrancelha, e foi visível perceber que ele não esperava por uma resposta dessas. O homem de porte atlético pareceu desconcertado por um instante, mas logo assumiu um ar de indiferença:

– É mesmo? – pronunciou com certa frieza – Interessante você dizer isso, Diana. Principalmente quando você havia me pedido para vir encontrá-la essa manhã, dizendo precisar desesperadamente da minha ajuda. Mas tudo bem; se é assim, eu vou embora. – deu as costas e saiu pela porta da suíte.

Diana franziu a testa levemente, como se buscasse compreender interiormente as últimas palavras de Marcos. Não foi preciso muito esforço; rápido ela se recordou e, amaldiçoando-se mentalmente, saltou da cama e correu atrás do homem, mas lembrando-se de antes vestir o robe de seda por cima da camisola.

Alcançou Marcos na sala e o segurou pelo braço.

– Desculpe-me. Eu sinto muito, Marcos. Eu havia me esquecido completamente. É ridículo, eu sei. Mas, por favor, não vá embora. Eu realmente preciso de você hoje.

O homem voltou os olhos negros e densos de escuridão para Diana que, agora, fitava-o em retorno. Soltou um suspiro aborrecido:

– Olha, Diana. Eu sei que você não tem tanta consideração por mim como eu tenho por você, mas para tudo tem um limite. Se continuar me tratando assim, eu vou acabar indo embora de vez.

– Eu sei, eu sei. – Diana falou em tom apaziguador. Realmente precisava da ajuda de Marcos e acataria qualquer coisa que ele dissesse agora – Me desculpe, eu sinto muito, muito mesmo. – ela segurava o braço dele com as duas mãos – Esquece o que eu falei. Fica, por favor? – e fez em seu rosto a expressão que, sabia bem, era capaz de derreter até o mais bruto dos corações, como o de Marcos.

– Foi você quem me deu a chave do seu apartamento. Posso estar enganado, mas acho que isso significa que você está me dando liberdade para vir aqui. – o homem continuou falando. Era óbvio que seu orgulho estava ferido. Porém, Diana não estava com paciência para afagar o ego de Marcos agora. Ela tinha visto o horário no relógio pendurado na parede da sala e compreendeu que estava em cima da hora. Por isso, puxou Marcos para o sofá, de modo que ele se sentasse ali.

– Está bem, eu já entendi! Eu errei; me desculpa. Agora fica aí, que eu vou me arrumar. Eu me apronto em dez minutos! – enquanto terminava de falar, já ia se afastando, voltando para sua suíte. Não esperou por uma resposta e, de certa maneira, sabia que não precisava. Marcos iria ficar e iria ajudá-la. Afinal, eles eram Marcos e Diana e era isso que faziam. Ajudavam-se mutuamente quando necessário.

– Você nunca fica pronta tão rápido. – Marcos riu, sentando-se mais confortavelmente – Talvez, com sorte, você consiga se arrumar em meia hora... – ele ironizou, enquanto pegava uma delicada peça de cristal que estava sobre um pequeno aparador, próximo ao sofá preto. Era uma pequenina pirâmide e Marcos estranhou aquele objeto ali, não só por nunca tê-lo visto antes por lá, mas principalmente por ser algo que destoava bastante da harmônica decoração do apartamento de Diana. E Marcos sabia bem como ela era com a harmonização de seus ambientes. Ia perguntar o porquê daquele estranho artefato na sala, mas foi interrompido pela moça, que lhe falava de seu quarto alto o bastante para que ele pudesse ouvir:

– Eu chamei você porque preciso de companhia para um brunch. Não podemos nos atrasar, começa às 10 horas. Como já são quase 9:30, não posso me dar ao luxo de me demorar, arrumando-me da forma que eu gosto...

Brunch? É por isso que me fez acordar tão cedo em um domingo? – Marcos respondeu, depositando a pequena pirâmide cristalina de volta ao seu lugar – E por que não podemos nos atrasar? Você gosta de chegar atrasada a esses eventos. – terminou o que dizia e levantou-se do sofá, caminhando na direção do quarto, cuja porta estava aberta.

– Porque quem está dando esse brunch é o meu chefe. Então, acho que compreende meus motivos. – Diana respondia enquanto olhava atenta para o espelho. Já havia colocado um vestido branco leve e calçado sandálias vermelhas. Terminou de ajeitar uma tiara também vermelha nos cabelos negros e começava agora a se maquiar. Não se dera ao trabalho de tomar um banho e isso se deveu a motivos diversos. Em primeiro lugar, não tinha tempo para isso. Em segundo, lembrava-se bem de que, antes de ir dormir, havia tomado um bom, relaxante e demorado banho em sua banheira de hidromassagem. E, em terceiro... de certa forma, inconscientemente, Diana não queria tomar uma ducha por sentir que isso poderia apagar em si os vestígios inexistentes de um sonho. Podia ser loucura, mas ela quase era ainda capaz de sentir na pele o toque daquele homem sobre si. Era capaz de sentir os olhos verdes queimando em sua carne e não desejava fazer qualquer coisa que pudesse apagar essas sensações prematuramente.

Estava quase finalizando sua maquiagem quando percebeu, pela imagem do espelho, que Marcos a observava, com os braços cruzados sobre o peito e recostado no batente da porta de seu quarto:

– Marcos! Que susto! – ela o repreendeu, voltando o rosto para trás, nervosa – Sabe que não gosto de ser pega desprevenida.

– Você está linda. – ele falou, sem se preocupar em desculpar-se, apesar da leve expressão zangada na face daquela mulher.

– Ah, isso? Imagina, nem deu para me arrumar direito. Nessa pressa, foi o melhor que deu para fazer. Mas obrigada, de qualquer forma. – Diana respondeu, já em tom mais suave, envaidecida pelo elogio súbito.

Marcos não saiu do lugar, apesar de as palavras de Diana serem doces o bastante para parecerem até mesmo convidativas. Em vez disso, seu rosto assumiu uma expressão mais fechada e um tanto enigmática. Para Diana, pareceu até mesmo... triste. Marcos então desviou os olhos dela e direcionou-os para a ampla janela do quarto:

– Continua com essa mania de dormir com a janela aberta? – indagou enquanto observava a cortina que se movimentava ao sabor da brisa matinal – Para quem não gosta de ser pega desprevenida, você dá muita chance ao azar.

– Não começa, Marcos. – Diana voltou a se preocupar com a maquiagem que ainda estava por finalizar – Você tem que aprender a controlar esse seu lado desconfiado e paranoico. – terminou de passar o batom vermelho e olhou novamente para o outro – Vamos, deixe de se preocupar com besteiras. Estamos no sexto andar. Não há mal algum em deixar a janela aberta...

– Mesmo assim... eu não me sinto confortável sabendo que...

– Esquece isso. Estamos atrasados! Vamos embora. – interrompeu-o Diana, já puxando Marcos pelo braço, praticamente arrastando-o pelo quarto e sala.

– Por que me chamou para ir com você a esse brunch? – o homem de cabelos negros perguntou, enquanto Diana trancava a porta de seu apartamento.

– Ora essa, “por quê”. Porque eu precisava de um acompanhante. – devolveu a mulher, enquanto caminhava apressada pelo corredor que a levaria ao elevador.

– E você não tem outras opções de companhia? – a pergunta era retórica. Marcos era ciente de que Diana tinha uma lista razoável de possíveis acompanhantes. O que ele queria mesmo saber estava implícito nesse questionamento vago. Afinal, quando não estavam juntos como casal, Diana só o chamava quando o assunto era mais grave.

Ela suspirou. Não que pensasse em esconder o verdadeiro motivo de Marcos; Diana sabia que ele lhe perguntaria isso e ambos se conheciam bem demais para se enganarem. Então, o melhor era poupar tempo e saliva e sempre ser sincera.

Era o que ela tinha pretendido fazer inicialmente. Quando, na véspera, ligara para Marcos a fim de pedir-lhe que a socorresse, dizendo que fosse encontrá-la na manhã seguinte em um café de que gostava muito e que ficava perto do prédio em que morava, Diana planejava contar tudo o que vinha acontecendo. Por isso, tinha marcado com ele às oito da manhã. Não quisera encontrar com ele em seu apartamento, porque evitavam de se ver em locais íntimos, como o apartamento dela ou a casa dele, quando não estavam juntos. Os dois tinham a chave da residência do outro, mas só a utilizavam quando decidiam voltar a ficar juntos ou em algum caso de emergência, como o ocorrido dessa manhã. Afinal, depois de esperar por Diana durante uma hora naquele café, Marcos tentou ligar para seu celular, mas como estava desligado, ele acreditou que esse fosse um caso de emergência e, portanto, caberia o uso da chave.

Diana não era de se atrasar. Ela não perdia a hora, a não ser que quisesse. Como Marcos bem tinha apontado, Diana adorava chegar atrasada a esses eventos. Ela achava que assim, suas entradas causavam sempre mais impacto. E estava correta. Diana sabia como fazer suas entradas serem marcantes. Espalhafatosas, nunca. Mas memoráveis o suficiente, sempre.

Isso quer dizer que ela não havia perdido a hora. Não; o que tinha acontecido nessa manhã de domingo era atípico. Diana não compreendia direito, estava tudo ainda muito confuso em sua cabeça. O sonho, o homem misterioso, a estranha impressão de que pertencia mais àquele sonho que à sua realidade... Tudo aquilo era demais para ela processar no momento e, agora, o ideal era se concentrar no que tinha de fazer.

O plano inicial tinha sido convidar Marcos para uma conversa amigável no café que tanto adorava. Sempre se sentia bem lá, era uma espécie de segunda casa para ela. Então, contaria a ele o que estava se passando, com calma, e sabia que Marcos a compreendia. Consequentemente, sem maiores dificuldades, Diana sabia que ele a acompanharia ao evento sem maiores problemas.

Entretanto, nada saíra de acordo com o planejado. Ou melhor, quase nada, porque mesmo sem conhecer os motivos, Marcos se dispôs a seguir com Diana. Já havia aceitado seu papel nessa história e, em troca, queria apenas conhecer a razão de tudo aquilo. Diana entendeu que o mínimo que poderia fazer era oferecer essa explicação a ele, ainda que apressada.

– Você sabe que meu novo chefe me dá nos nervos. – Diana começou a dizer, enquanto afivelava seu cinto de segurança e Marcos dava a partida no carro – Ele veio com essa história de querer implementar melhorias na redação do jornal, para aumentar a eficiência e toda essa ladainha que você já conhece. Bem, a questão é que, para alcançar os objetivos malucos dele, o cara começou a me cobrar horários loucos, impossíveis de serem seguidos! – esbravejou Diana.

– Ele colocou você para trabalhar no período da manhã? – riu Marcos, com os olhos fixos na pista.

– Não foi só isso! Ele me escalou para trabalhar cedo! Muito cedo! Absurdamente cedo, Marcos! O que ele pensa que eu sou? Meu trabalho só pode ser feito com qualidade se eu estiver em um bom estado! Como posso estar em bom estado às oito da manhã, se vou dormir quando já são quase quatro da madrugada!...

– Talvez você devesse mudar seus hábitos então. Quem sabe, ir dormir mais cedo...

– Ah, claro. E essas palavras vêm do “senhor da noite”. – replicou Diana, colocando seus óculos escuros – Uma pequena dica, meu querido. Quando for dar conselhos, procure aconselhar sobre aquilo que conhece. Você é a última pessoa desse mundo que pode falar sobre ir dormir cedo, então guarde seu precioso conselho para você. – destilou sarcástica.

Marcos riu gostosamente. Adorava provocar Diana e a sensação era ainda melhor quando atingia seu intento em cheio.

Diana cruzou os braços, parecendo enervar-se com a atitude do outro, mas um sorriso surgido no canto de seus lábios vermelhos entregava que ela não estava brava como queria parecer. O riso cativante de Marcos era o bastante para amenizar qualquer raiva que pudesse sentir dele, em qualquer momento que fosse.

– Está bem, mas então... Onde, como e por que eu entro nessa história? – retomou Marcos.

– Você entra nessa história hoje, agora, nesse brunch para onde estamos indo. Entra como meu namorado, e não só como acompanhante. Inclusive, é preciso que isso fique bem claro para todos que estiverem lá. E você fará isso porque a culpa de eu ter problemas para acordar cedo é inteiramente sua.

– Minha? – indagou Marcos, risonho.

– Lógico. Quem me apresentou a essa vida noturna que eu não consigo abandonar? – Diana respondeu faceira, devolvendo o sorriso simpático que o outro lhe oferecia.

– Certo, assumo a culpa. Ao menos, uma parcela dela. – Marcos sorria enquanto falava. Os dois conversavam dentro de um ritmo tranquilo, usual, que os deixava sempre muito confortáveis na presença do outro – É motivo o bastante para eu ajudar você. Mas tem algo que eu gostaria de saber antes... Quando você me pede para agir como seu namorado, é porque está encrencada com alguns dos caras com quem está saindo...

– E por que seria diferente agora, não é mesmo? – respondeu Diana com naturalidade – Só que, dessa vez, não estou saindo com o cara. Eu só... flertei com ele. Mas nada sério.

– Se não fosse sério, acho que não teria me chamado...

– O que eu quis dizer é que não cheguei a ir às vias de fato com esse cara. De qualquer forma, estou com um problema sério sim, apesar de não ter me envolvido mais fisicamente com ele.

Marcos apenas olhou de soslaio para Diana e voltou a prestar atenção à pista, esperando que ela continuasse. A mulher suspirou e prosseguiu:

– Ok, o problema é o seguinte: Eu estava odiando essa nova escala de horários. Tentei, de todas as formas possíveis, argumentar com meu novo chefe, para que ele compreendesse que aquelas mudanças não tinham cabimento. Porém, como o cara estava irredutível, eu decidi que precisaria usar de outros métodos para alcançar o que eu queria. Você me conhece, Marcos. Sabe muito bem que, quando eu quero algo, eu consigo. Bem, eu queria um horário mais flexível. E consegui.

O homem nada disse. Permaneceu em silêncio, com um semblante indecifrável. Mantinha os olhos na direção e não parecia interessado em se manifestar acerca do que acabara de ouvir. Talvez, estivesse absorvendo o que ela dissera, ou então não tinha mesmo qualquer palavra a falar. Por isso, Diana continuou:

– Eu não fui para a cama com ele, se é o que está pensando. Mas flertei bastante e isso foi suficiente para conseguir as mudanças no meu horário de trabalho.

– Ele é casado?

– Sim, mas isso é o de menos, Marcos! Não está me ouvindo? Eu não fiz nada de mais! Só joguei um pouco de charme, que, aliás, é algo que faço naturalmente. Os caras da redação vivem me cantando e eu nem me esforço para ter a atenção deles... Então, assim... eu não fiz nada de mais.

– Sei.

Diana pareceu emburrar-se um pouco com a forma como Marcos lhe respondeu. Todavia, estavam já perto do local em que ocorria o brunch e não tinha tempo para atitudes infantis agora:

– Ele é um cara casado, mas acho que não se entende bem com a esposa. Detecto rápido esses tipos. Então, foi só dar um pouco de atenção, fazer elogios certeiros que pronto, consegui o que queria. Só que, nos últimos tempos, eu percebi que meu chefe começou a dar umas indiretas, como se estivesse querendo algo mais. Eu tentei ser evasiva em minhas respostas, não podia dizer diretamente que não queria nada com ele; afinal, ele é o meu chefe e isso poderia me prejudicar. Bom, na sexta-feira, quando ele me convidou para esse brunch, tentei de todas as formas possíveis escapar disso, mas não consegui. Cheguei a mencionar que meu namorado não iria gostar. Era a primeira vez que eu dizia ser comprometida e tenho a impressão de que ele não acreditou muito, porque meu chefe ficou me olhando alguns segundos de forma interrogativa e, no final, terminou dizendo para eu levar esse tal namorado ao brunch também. Ou seja, preciso que você faça o papel de namorado ciumento e possessivo, daquela sua forma intimidante, para esse cara sair do meu pé.

– Do modo como fala, Diana, fica até parecendo que você tem pudores e limites. Por que não foi até o fim com esse cara? Não seria a primeira vez que você teria um caso com um chefe seu... ou com um homem casado. – nessa fala, havia alguma amargura, que Marcos não fez questão alguma de esconder.

Diana ponderou um segundo antes de fazer qualquer comentário. E achou por bem dar uma resposta fria e curta:

– Ele não é o meu tipo. – limitou-se em dizer.

Nesse momento, Marcos estacionava o carro em frente à casa em que acontecia o brunch. Saiu do veículo, entregando a chave ao manobrista que lá havia e, quando parou em frente à Diana, que já estava em frente à porta da enorme e imponente casa, respirou fundo. Analisou detidamente as feições daquela mulher que mexiam consigo de uma forma mais intensa do que ele gostaria que ocorresse e, entendendo que ela lhe perguntava com os olhos qual seria sua atitude, respondeu:

– Hora do show. – falou Marcos, exibindo seu sorriso mais charmoso.

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