Ainda escrita por Camilla Y


Capítulo 3
Sábado, 4 de junho




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Ódio.

Se existe uma palavra que consiga expressar o meu estado de espírito, nesse momento, é essa.

Ódio.

E um ódio bem direcionado.

O Carlos não poderia ter aparecido em uma hora pior.

Ele não tinha o direito de ter me acordado. Não hoje. Não quando eu estive tão perto...

Tão perto e agora tão longe.

Que ódio.

Era noite, por volta das onze. Acordei sobressaltada, devido às batidas fortes e insistentes à porta do meu apartamento.

Despertei sem entender ao certo onde estava, que horas eram...

... Quem eu era.

Olhei ao redor em busca de algo que pudesse ajudar a me situar. E, à medida em que eu descobria meu quarto em cada objeto familiar que ia atravessando o meu campo de visão, a frustração e a amargura iam tomando conta de mim.

Eu não era mais a Nádia.

Não estava mais na pele dela.

Não tinha mais o Jorge comigo.

Revoltei-me e neguei-me a deixar aquele momento passar. Eu havia acordado prematuramente; precisava regressar.

Não era hora de acordar para a minha realidade. Não ainda.

Eu estive com o Jorge. Estive em seus braços e fui capaz de senti-lo tão real... Eu pude senti-lo comigo. Ele era real; éramos reais.

Não foi só um sonho.

Porém, era necessário adormecer para reencontrá-lo. Quem sabe; se eu conseguisse dormir rápido, talvez voltasse para aquele quintal. Jorge ainda estaria lá, esperando por mim.

Fechei os olhos e deitei minha cabeça no travesseiro, disposta a retornar ao meu anelado sono. Pretendia ignorar o visitante indesejado, sem sequer me dar ao trabalho de ver quem era o responsável por ter me acordado.

Entretanto, as batidas deram lugar à campainha, que já era irritante o bastante, mesmo sem ser tocada seguidas vezes.

Preciso me lembrar de mandar trocar essa campainha. É estridente demais.

E, deixando a situação ainda mais enervante, uma voz começou a chamar pelo meu nome, impacientemente, do lado de fora.

Era o Carlos, meu noivo.

Meu edredom voou inteiro para o chão, tamanha a raiva com que o lancei fora da cama. Sentei-me sobre meu leito e cogitei a possibilidade de contar até dez, para ver se me acalmava.

Impossível. Com o Carlos esmurrando a porta daquele jeito, era impossível ficar tranquila.

Deixei minha cama revoltada, esbravejando enquanto pisava forte até a porta, que abri de supetão, surpreendendo o Carlos, que estava com a mão erguida, em punho, prestes a bater mais uma vez.

Meu noivo tinha vindo me ver porque, segundo ele, estava preocupado comigo.

Em parte, eu o compreendo. Desde que outras realidades começaram a se mesclar à minha, desde que a minha vida deixou de ser apenas minha e eu me vi como três pessoas ao mesmo tempo...

Desde que eu conheci o Jorge...

Desde que tudo isso começou, eu tenho levado uma vida bastante reclusa.

Refiro-me aqui à minha vida. A minha própria. Porque tanto a Nádia quanto a Diana seguem com suas existências inalteradas. Elas continuam saindo, trabalhando, vivendo como sempre fizeram; afinal, elas nem sabem do que se passa.

Na verdade, nem eu mesma sei ao certo o que acontece conosco.

De todo modo, eu tenho ficado bastante em meu apartamento. Quase não saio... Deixo este meu confortável espaço apenas para ir trabalhar, porque mantenho um lado responsável que me impede de buscar o isolamento total como forma de fugir desse mundo.

Eu trabalho como colunista de um jornal conhecido, assim como a Nádia. Aliás, exatamente como a Nádia... e como a Diana também.

Seria esse o nosso ponto de conexão? O fato de termos a mesma profissão?

É até mesmo estranho... temos vidas tão distintas, porém, nesse ponto, somos idênticas. O que a Nádia escreve para as suas colunas é o mesmo que eu ou a Diana escreveríamos. Embora sejamos tão diferentes, nossos estilos se assemelham. Tudo o que elas escrevem, eu seria capaz de redigir também; sem tirar nem pôr.

Por sinal, é o que venho fazendo nos últimos tempos. Considerando que estou na minha própria pele, conscientemente, apenas três vezes na semana, nada mais justo que utilizar os textos produzidos pelas duas, em suas respectivas realidades, para montar a minha coluna quando estou aqui.

Ora. Não estou fazendo mal a ninguém. Elas não existem aqui. E nem sei se isso pode ser considerado plágio, em algum grau. Afinal, a Nádia e a Diana são parte de mim, não são?

Enfim; eu basicamente me aposso das colunas que elas escrevem, de forma que não tenho tido que me preocupar muito com a inspiração necessária para exercer meu trabalho com qualidade.

Às vezes, acontece de eu agir assim quando nem estou aqui, de fato. Ocorre, sabe-se lá como, de eu tornar-me dona dos textos criados por elas quando não estou em minha realidade; ao menos, não de forma consciente. Explicando-me melhor: não raras vezes, ocorreu de eu estar vivendo a realidade da Nádia ou da Diana e, enquanto isso, meu eu que permanecia aqui, no modo “piloto-automático", trabalhava. O curioso é que esse meu eu "automático" acabava escrevendo a mesma coluna que elas duas produziam nas realidades paralelas em que vivem...

Por exemplo: ontem, a Nádia escreveu uma coluna sobre a música funcionar como uma espécie de máquina do tempo, capaz de nos transportar a outras épocas por conta das lembranças ativadas em nossas memórias a partir de uma canção familiar. Bem, meu piloto-automático produziu essa mesma coluna aqui, no meu mundo, ontem.

Isso vive acontecendo. No início, fiquei bastante desconfiada de o que essa estranha coincidência pudesse representar, mas, depois de um tempo, desencanei e tratei de tirar proveito da situação.

Não me acho uma aproveitadora. Estou deixando de viver minha vida plenamente, ando confusa, perdida, estressada e tornei-me vítima de uma paixão quase platônica. Alguma coisa de positivo eu precisava tirar disso tudo.

Assim, basicamente, nos últimos meses, eu tenho saído de casa apenas para trabalhar. E, possuindo a coluna praticamente pronta na minha cabeça, finalizo meu trabalho muito rápido. Tenho conseguido inclusive um horário cada vez mais flexível, devido à minha boa produtividade. Isso significa que, embora ainda saia de casa para ir ao jornal, eu felizmente retorno rápido, já que cumpro com minhas obrigações de forma satisfatória e veloz. Ainda bem, porque não acho boa ideia o meu piloto-automático ficar zanzando por aí. Se não estou conscientemente presente, quem vai saber o que pode acontecer, não é mesmo? Eu sei que, para evitar esse tipo de problema, eu poderia ir ao trabalho quando estivesse aqui para valer, de modo que meu eu automático não precisasse sair e ficasse por aqui, quietinho, no meu apartamento, sem o risco de causar qualquer problema. Sim; definitivamente seria mais fácil e talvez o mais correto de se fazer em uma situação como essa... Mas é que, ultimamente, tenho preferido ficar em meu apartamento quando estou vivendo conscientemente a minha vida. Prefiro ficar por aqui, sozinha, isolada do mundo, sonhando acordada com o Jorge. Porém, como eu já deveria esperar, deixar a tarefa de trabalhar para o meu piloto-automático acabou por me trazer um problema.

Meu piloto-automático, pelo que já pude perceber, não é muito interativo. Faz tudo o que eu faria, é certo, mas é uma versão apática de mim.

Por isso, o Carlos anda preocupado comigo. Ele diz que estou muito mudada. E isso é verdade... Afinal, ele está tendo contato, basicamente, com essa minha versão apática-automática. Quando estou aqui, de fato, prefiro ficar no meu apartamento. Evito sair. Eu me tranco em casa, isolada de tudo e de todos, e fico alimentando meus sonhos com o Jorge.

O Carlos não vem aqui com frequência. Eu não gosto. Temos uma relação estranha; eu imponho muitos limites. Um exemplo é o fato de estarmos noivos há quase dois anos e, até hoje, ele nem ao menos ter a chave do meu apartamento. Não quis dar a ele e o Carlos também nunca me pediu isso. Então, ficamos assim.

Meu contato com o Carlos acontece – ou acontecia, já nem sei como dizer, porque quem está indo trabalhar para valer é a minha versão automática, a qual eu não considero como sendo eu, de verdade – no jornal onde trabalhamos. Meu noivo é o editor-chefe do jornal. Nossa relação de chefe e subordinada vive trazendo problemas ao noivado, mas vamos seguindo mesmo assim... mesmo em meio a brigas e discussões intermináveis...

Contudo, o Carlos veio hoje me ver porque ele diz que não me reconhece mais. Eu entendo o lado dele. Nós dois temos o costume de brigar muito porque somos temperamentais, não gostamos de levar desaforo para casa. Ele tem o pavio curto e eu também... Porém, ultimamente, vem acontecendo algo fora da nossa normalidade: ele fala, começa a discutir e eu não dou continuidade. Minha versão automática tem muito de mim, mas é meio robótica. Acaba não devolvendo a briga e isso causa estranhamento ao Carlos. Afinal, algo que é típico de nós dois são as discussões causadas pelas nossas personalidades muito fortes, que vivem se chocando.

É engraçado como esse foi o fator que nos aproximou e hoje é o que mais nos leva a brigar tanto, afastando-nos assim, de certa forma...

Eu gosto do Carlos. É claro que gosto, senão não estaria noiva dele.

Mas eu não o amo. Eu amo o Jorge.

Acredito que já não amava o Carlos antes de conhecer o Jorge. E, mesmo assim, mantinha a nossa relação.

Mesmo hoje, estando certa de que meu coração pertence a outro, mantenho essa farsa que é o meu noivado.

Não sei por que o faço.

Sinceramente, não sei.

Eu me sinto um pouco mal, mas, ao mesmo tempo... não consigo terminar com ele.

Será medo de ficar sozinha? Estou usando o Carlos como um estepe ou algo assim?

Não é justo, eu sei. Mantendo esse noivado, posso estar prendendo o Carlos a uma vida infeliz, sem amor. E eu acredito que ele merece uma vida plena, claro que sim. Desejo que ele seja feliz. Eu gosto dele, realmente gosto. Tenho um grande carinho por ele...

Aliás, não só carinho. Eu ainda me sinto atraída por ele, não posso negar.

Atração física.

O Carlos é muito bonito. Foi a primeira coisa que notei nele quando o conheci.

Cabelos negros, curtos e penteados à perfeição, como os de um galã de cinema. Olhos escuros como a noite. A barba sempre bem feita. O corpo sempre com um perfume amadeirado e inebriante. Traços másculos, viris. Alto, forte, elegante...

O Carlos é o tipo que qualquer mulher adoraria fisgar.

Talvez seja por isso que eu não consiga terminar meu noivado com ele.

Até hoje eu não sei o que ele viu em mim.

Sou tão apagada, tão... preto-e-branco.

Passo despercebida.

E, mesmo assim, por algum motivo que desconheço... Ele me escolheu.

Realmente, pode ser uma questão de orgulho. Talvez eu não queira abrir mão dele porque o Carlos sempre representou uma conquista que me parecia improvável. Eu nunca chamei a atenção; nunca achei que um dia pudesse estar com um homem como ele.

Entretanto, cá estou.

Será que esse foi o único motivo que me levou a aceitar quando o Carlos me pediu em casamento?

Não; também não é assim. Tenho meus escrúpulos.

Eu gosto do Carlos, admiro o trabalho que ele faz na redação do jornal...

Não posso esquecer o fator físico, que é crucial...

E eu acho que poderíamos até mesmo ser felizes. De verdade, não estou me iludindo.

Mas então eu me apaixonei pelo Jorge.

Realmente, se não fosse pelo Jorge, talvez o Carlos e eu tivéssemos uma chance. Mesmo com todas as discussões acaloradas que nos fazem perder a cabeça um com o outro boa parte do tempo em que estamos juntos, talvez... tivéssemos uma chance.

Se bem que, pensando agora, com calma, é até difícil me recordar da última vez em que estivemos juntos sem brigar.

Mais difícil ainda é me lembrar de alguma vez em que fizemos as pazes sem a ajuda do Sérgio.

É impressionante como dois irmãos podem ser tão diferentes.

Ainda mais quando são gêmeos... Certo; o fato de serem gêmeos não idênticos implica que sejam diferentes fisicamente. Porém, não é só isso. Eles são extremos opostos em tudo!

O Sérgio gosta de deixar os cabelos castanhos mais longos, embora não tão compridos. Os fios são levemente ondulados e sempre estão desalinhados, rebeldes, revoltos. Combina com o ar tranquilo, sempre desencanado dele.

É alto como o irmão, mas mais magro.

E os olhos verdes são doces, as feições são simpáticas, amigáveis...

Os dois são mesmo diferentes. O Carlos não é simpático. Sabe ser cordial quando se faz necessário; mas, definitivamente, não é aquela pessoa com a qual se prontamente simpatiza. Ele traz esse ar arrogante, de quem se sabe melhor que os outros, costuma sorrir de canto, como se estivesse escarnecendo dos que estão ao seu redor... Seu olhar costuma ser grave, analítico e é capaz de amedrontar qualquer um, se ele assim quiser.

Mas é bonito. Céus, como o Carlos é bonito...

Já o Sérgio... Ah, o Sérgio é uma companhia agradável. Divertido, alegre, com uma leveza que faz dele uma pessoa que se deseja ter por perto.  

O Sérgio sempre me faz rir. E ele me ajuda a me sentir melhor quando brigo com o Carlos.

Sempre que meu noivo e eu discutimos, eu ameaço romper o noivado e somente assim consigo finalizar nossas brigas. Nessas horas, fico enfurecida, expulso o Carlos do meu apartamento, digo que não quero vê-lo por dias e mais uma série de impropérios.

Depois de algum tempo, o Sérgio aparece. Sempre. Não falhou uma única vez.

Ele chega e, muitas vezes, encontra-me bastante alterada, ainda zangada com o irmão dele. Aí, paciente como só ele sabe ser, fica me escutando desabafar, nervosa.

O Sérgio apenas me ouve nesses momentos. Fica sorrindo, mas não como se estivesse me provocando ou fazendo pouco caso do que digo. O sorriso dele é pacificador. Calmante. Relaxante. Transmite algo de bom, que me ajuda a melhorar.

Então, quando já me vejo em um estado mais apropriado para conversar, escuto o que o Sérgio tem para me dizer. Ele sempre vem me aconselhar; normalmente para compreender o jeito do irmão, para perdoar-lhe os defeitos.

Impressiona-me o quanto o Sérgio é bom com as palavras. De alguma forma, ele sempre consegue me fazer rever minha posição, até mesmo me arrepender de coisas que digo para o Carlos.

O irmão do meu noivo é mesmo hábil para se expressar e dizer o que quer; ele até já conseguiu me repreender, sem que eu me chateasse com isso.

Uma vez, ele me disse que se espantou em ver como eu, tão aparentemente calma e tranquila, era capaz de explodir como um vulcão furioso em erupção. O Sérgio falou que era essa a imagem que eu passava. À primeira vista, eu pareço um vulcão adormecido, porém, de um instante para o outro, esse quadro pode se modificar radicalmente.

Eu sou assim mesmo. Passo despercebida, dificilmente sou notada, costumo desaparecer na multidão.

Contudo, se pisam o meu calo, se cutucam alguma ferida minha, se me atacam... eu sei me defender. O fato de eu estar em preto-e-branco não significa que eu seja desprovida de emoções. Faço mesmo o estilo low profile, mas ser neutra não significa ser boba e ingênua.

O Sérgio disse que saber me defender é bom; o problema, segundo ele, estava na forma como eu tinha os meus rompantes. Para ele, não é nada sadio ser uma pessoa tão extremista. Compreendo o que ele quis dizer... Aparento ser uma pessoa tão calma, tão pacata, que isso leva as pessoas a agirem de determinada forma comigo, esperando certas reações. Se reajo de um modo diferente do esperado - o que é bem possível, já que sou capaz de explodir de uma maneira destruidora - todos que estão ao meu redor passam a se sentir inseguros ao meu lado, o que é prejudicial a qualquer um que deseje criar relações duradouras e confiáveis na vida.

Para ter uma convivência melhor com as outras pessoas, eu preciso melhorar essa minha forma de agir. Se bem que o Sérgio fez questão de dizer que, para ele, nunca foi incômoda essa minha maneira de ser.  Mas o Sérgio é diferente; ele é uma pessoa incrível e não se importa com coisas assim. Na verdade, o irmão do meu noivo me acha interessante, exatamente do jeito que eu sou. São palavras dele.

São palavras dele, e não do meu noivo. O Carlos, sim, é que deveria me achar interessante. Quero dizer... não é que ele não ache... Meu noivo gosta de mim, sei que gosta. Aliás, de acordo com o Sérgio, o Carlos me ama. Só não sabe demonstrar de uma forma que eu compreenda.

É o Sérgio quem me auxilia a compreender o irmão. É ele quem normalmente me faz enxergar o que está por trás da superfície, vendo as facetas ocultas do Carlos, que ele evita mostrar para as pessoas...

É o Sérgio quem me conta como o irmão fica, quando brigamos. É por ele que tomo conhecimento de um lado mais sensível do Carlos, que não é mostrado para ninguém. Aliás, não é que ele demonstre esse lado de boa vontade para o irmão, mas é que o Sérgio sabe como chegar ao âmago de qualquer pessoa. É um talento que o meu cunhado possui...

No final das contas, esses dois, apesar de tão diferentes, parecem se entender bem. Obviamente, como é comum acontecer entre irmãos, eles se desentendem por motivos variados. Porém, sempre reatam a amizade fraterna de alguma forma.

Desconfio que seja sempre graças ao Sérgio, já que o Carlos não é muito dado a demonstrar sentimentos.

Enfim; é realmente um mistério para mim como eles se entendem. Não conheço tão a fundo a relação entre os dois, mas não deve ser fácil em vários momentos. Afinal, por conta da disparidade de personalidades, eles seguiram caminhos muito distintos. O Carlos é o filho perfeito. Cuida bem da aparência, é sério, centrado, sabe apresentar o comportamento adequado para qualquer situação social, arranjou um excelente emprego, subiu na carreira, tem um bom salário, está prestes a constituir família... Enfim, tudo como manda o figurino.

Já o Sérgio... Ah, o Sérgio não gosta de se sentir preso. Ele gosta de levar uma vida sem tantas amarras e é feliz assim. Não troca de carro todo ano, como o Carlos, nem se veste com roupas caras... mas ele é feliz. Eu sei que ele é; consigo ver isso claramente no rosto dele.

O Sérgio é cartunista. Ele também trabalha no jornal, produzindo as tirinhas do periódico, apesar de o meu cunhado gostar mais do trabalho que tem como free-lancer. No entanto, o Carlos, como editor-chefe, arranjou esse emprego a ele, dizendo que o irmão precisava ter um trabalho fixo se quisesse ser alguém. Acredito que o Sérgio aceitou muito mais por conta do Carlos, porque, por ele mesmo, isso não faria grande diferença em sua vida.

Eu admiro isso no Sérgio. Ele é um espírito livre. Livre, leve, solto. A presença dele é sempre um bálsamo para mim. Adoro a companhia dele. Sempre que estamos juntos, conversamos sobre tudo e sobre nada e mal vemos o tempo passar.

Gosto do lado artístico do Sérgio. É o que dá a ele sensibilidade o bastante para me compreender.

Talvez seja isso que falte ao Carlos. Um pouco de sensibilidade...

Sérgio me garante que o irmão tem seu lado sensível, mas foi criado de forma a não demonstrar. Como o Carlos sempre teve um físico mais forte, dando a impressão de ser mais resistente que o Sérgio, a família sempre exigiu mais dele. São gêmeos, mas é como se o Carlos fosse o mais velho. Ao menos, é como o tratam.

E, como costuma acontecer com os caçulas, o Sérgio foi menos cobrado, teve menos responsabilidades. Consequentemente, ele teve maior liberdade para trilhar o próprio caminho. Acabou fazendo exatamente o contrário de tudo o que planejaram para ele, mas, como o Carlos já tinha se tornado o orgulho da família, acabaram resignando-se quanto às escolhas do Sérgio. Em reuniões familiares, ele sempre é tratado como uma decepção, mas isso não o afeta. Na verdade, o Sérgio sempre me confidencia que não se importa com isso e que, nesses jantares que ocorrem mensalmente, quem mais sofre é o Carlos.

Parece difícil de acreditar, já que o Carlos é o modelo de filho perfeito. Todavia, o Sérgio soube me fazer entender quão difícil é essa posição é como é custoso mantê-la. Nessas reuniões que ocorrem impreterivelmente todo mês, os pais deles sempre querem saber como está a vida do meu noivo. E não é por ele ter se tornado tudo quanto eles planejaram, que simplesmente sorriem e fazem elogios a ele durante toda a noite.

Há elogios e sorrisos, claro. Mas, entremeando tudo isso, há cobranças. Enquanto o Sérgio ouve uma meia dúzia de sermões que logo terminam, pois os pais consideram que ele é um caso perdido e que nada mais podem fazer, a não ser aceitá-lo como é, o Carlos precisa escutar infinitos conselhos sobre como crescer mais, profissionalmente e pessoalmente; sobre como lidar com sua carreira, sobre quando e como devemos nos casar...

Eu não me importo com todas essas intromissões na minha vida. Aprendi, há muito tempo, a simplesmente não ligar para conselhos aleatórios que as pessoas gostam de dar. Não costumo me deixar afetar por elas. Só me enervo quando me atacam diretamente, mas os pais do Carlos não são assim. Eles são esquivos, sabem ser ardilosos. Conseguem dizer tudo o que querem, mas de um modo que parecem não dizer nada.

Sei que não fazem por mal. Eles amam os filhos, desejam o melhor para eles. Só que acabam criando problemas sem perceber.

O Carlos, segundo o Sérgio me conta, não sabe até hoje como lidar com o que sente, porque, desde pequeno, cobravam tanto dele, esperavam tanto dele, depositavam tantas expectativas nele, que ele acabou se programando, por assim dizer, para agir sempre conforme o ordenado, anulando o que havia de espontâneo e verdadeiro em si.

Portanto, não é culpa dele. Isso é o que o Sérgio sempre me diz. O Carlos tornou-se essa pessoa travada e precisa de alguém que o ajude a se libertar e a se encontrar. Alguém que o ajude a ser feliz de verdade.

Sérgio acredita que essa pessoa seja eu.

Embora ele não se deixe afetar pelas coisas que os pais dizem, Sérgio se chateia por ver o Carlos sendo tão cobrado.  O irmão do meu noivo me contou que, desde crianças, Carlos o protegia. Parece que meu noivo deliberadamente puxou para si a responsabilidade de corresponder a todas as expectativas dos pais, de um jeito que suavizasse o lado do Sérgio. Pelo visto, ele conseguiu e o resultado é esse que se vê hoje.

O Sérgio se diz muito feliz e vive me falando que deve muito ao irmão. Acho que é por isso que ele se colocou nessa missão de sempre encontrar um meio de nos conciliar. Ele deve mesmo acreditar que o Carlos precisa de mim...

Eu gostaria de poder corresponder às expectativas que o Sérgio colocou em mim. Ele acha que represento alguma espécie de salvação para o irmão. Mas... não sei se posso.

Estou dividida entre o que quero, o que devo e o que posso fazer...

Não é fácil decidir como agir. Ainda mais agora, que descobri haver um modo de estar com o Jorge. Eu tive a comprovação do que sempre soube, de alguma forma. O Jorge é real. Ele existe e, ao sentir-me em seus braços, parecia que eu enfim havia encontrado o meu lugar no mundo.

Eu preciso voltar para ele... Ah, que ódio! Eu me perdi do Jorge justo quando havia acabado de finalmente encontrá-lo! Não é justo...

A culpa foi do Carlos. Ele não tinha nada que vir ao meu apartamento àquela hora. Não havíamos combinado nada.

Ele disse que tentou me ligar, mas que eu não atendia ao celular. Aí, meu noivo se preocupou e veio ver pessoalmente como eu estava.

Eu o recebi furiosa, por ter sido despertada daquela forma. O Carlos vinha direto do trabalho. Ele tem trabalhado muito e estava cansado...

Logo, o resultado não poderia ser bom. Acabamos brigando feio. Não dei espaço para que ele falasse muitas coisas; eu não queria ouvir. Queria apenas voltar a dormir para tentar reencontrar o Jorge.

Não acho que ficamos mais de meia hora discutindo. Quando eu percebi que aquilo não nos levaria a lugar algum, fiz o de sempre: disse que, daquele jeito, não dava certo e que era hora de repensarmos nosso noivado.

E, como sempre, funcionou.

Entretanto, dessa vez, o Carlos me olhou triste, como nunca antes... uma tristeza que se agigantou sobre ele e me alcançou de tal forma que não pude me defender e acabei sendo engolida por ela.

Meu noivo não é de mostrar sentimentos assim, tão nitidamente.

Mas ele não disse nada. Quando ameacei romper o noivado, Carlos simplesmente se calou, olhou-me dessa forma e partiu.

Eu me senti mal. Não consegui pegar no sono depois disso. No máximo, eu cochilava um pouco, mas o sono era agitado e eu terminava despertando em seguida.

Acabei vendo o sol nascer, o dia clarear... e nada de reencontrar o Jorge. Agora, só na segunda-feira...

Levantei-me da cama quando o sol já estava alto. Fui à cozinha, preparei-me um café e fiquei refletindo sobre tudo o que havia se passado.

Então me recordei do meu projeto de registrar tudo, para não perder mais nada. Desse modo, ficará mais fácil juntar as peças e tentar encontrar algum sentido nisso tudo.

Por isso, estou aqui. É curioso; pensei que fosse escrever mais sobre o Jorge e minha experiência vivida com ele, mas terminei falando mais sobre o Carlos e o Sérgio.

Deve ser porque ainda não consegui espantar a impressão esquisita que me ficou depois que o Carlos foi embora, ontem à noite.

E o Sérgio... bem, eu havia decidido escrever como forma de matar o tempo até que o Sérgio viesse me ver.

Afinal, ele tem que vir. Sérgio sempre aparece, quando eu brigo com o Carlos.

Nunca falha.

Mas...

Já são cinco da tarde.

O Sérgio não costuma demorar tanto.

Ele nem ligou... fiquei com o celular ao meu lado o dia inteiro.

O que será que pode ter...

Espere um pouco... o Carlos falou algo do Sérgio ontem, enquanto discutíamos...

Mas o que ele disse nem tinha sentido.

O que foi mesmo que ele falou?

Que o Sérgio... e eu...

Ah, céus!!!

Ah, não!!

Agora eu me lembro!

Malditas lembranças que demoram para aparecer!

Maldito piloto-automático, que não me apresentou uma atualização mais rápida do dia de ontem!

Maldita versão apática minha, que resolveu ficar saidinha justo agora!

O que eu fiz?

Céus, o que foi que eu fiz?

Como eu pude...? O Sérgio...

E eu...

Eu beijei o Sérgio? Mas como??

Ok, calma.

Respire fundo.

Preciso organizar as ideias. Tenho de me recordar do que aconteceu. De como e por que aconteceu.

Certo.

Eu fui trabalhar ontem.

Fui para o jornal, escrevi a coluna sobre música, assim como a Nádia fez na realidade dela...

Terminei rápido, como já é de praxe...

E estava de saída, quando o Sérgio apareceu.

Sim, ele me encontrou quando eu já estava fora do prédio, no estacionamento.

O Sérgio me convidou para comermos algo, antes de irmos embora.

Fazemos muito isso. Ou melhor, fazíamos. Desde que deixei de ser uma e passei a ser três, comecei a me isolar mais.

Porém, antes disso, eu e ele saíamos direto. Como trabalhamos juntos, Sérgio e eu somos muito próximos.

Na redação mesmo, vivemos juntos. Eu gosto de pedir a opinião dele sobre minhas colunas. O Sérgio capta facilmente o que eu quero e, às vezes, ele compreende mais rápido que eu mesma o que estou tentando dizer e não consigo.

O inverso também ocorre. Ele adora me perguntar o que acho das tirinhas que ele cria. É sempre muito divertido quando nossos horários batem e estamos no jornal nos mesmos dias.

Porque nem sempre nos cruzamos por lá, infelizmente. Às vezes, as folgas dele caem em dias diferentes dos meus...

De qualquer forma, mesmo quando não nos encontramos no jornal, damos um jeito de nos ver. Marcamos de ir a algum restaurante novo na cidade, ao cinema, a exposições de arte... andamos de bicicleta, caminhamos pelo parque... ou então, ele vem ao meu apartamento e ficamos à toa, conversando.

Quero dizer...

Faz tempo que não fazemos mais essas coisas.

Faz tempo que não vejo o Sérgio, de verdade.

Aliás...

Agora eu me lembro...

Não o vejo, praticamente, desde que a Nádia e a Diana entraram na minha vida.

E isso foi porque...

Meu Deus... é mesmo... eu mal me lembrava...

Acho que fiz questão de me esquecer. Não só porque foi traumático, mas porque depois que o Jorge apareceu na minha vida, ele passou a ocupar todos os meus pensamentos e sentimentos...

Oras, é preciso ser sincera. Eu nunca me enganei.

Não sou boba.

Toda essa proximidade com o Sérgio mexia comigo. Sempre mexeu.

Contudo, eu dizia para mim mesma que ele era apenas um amigo.

Meu cunhado.

Apenas isso.

Conheci o Sérgio quando já namorava o Carlos. Foi na época em que o Sérgio tinha aceitado trabalhar no jornal.

Tão logo ele soube que eu era a namorada do irmão, quis me conhecer mais a fundo.

E, muito rápido, começou a agir como o conciliador que sempre nos ajuda a fazer as pazes.

Mas a nossa aproximação acima do normal foi inevitável.

Gostar do Sérgio foi tão fácil, tão natural...

Porém, eu sempre me repreendia. Não era certo. Ele era o irmão do meu namorado.

Piorando ainda mais a situação, Sérgio logo confiou o bastante em mim para me confidenciar todas aquelas coisas, a fim de me explicar o quanto eu era importante para o irmão...

Sabendo de todas essas coisas, eu não podia abandonar o Carlos.

E, não. Não era questão de pena. Eu continuava com o Carlos porque o próprio Sérgio, de algum modo, tinha me convencido de que isso seria o melhor para mim também.

Isso sem contar que a atração forte, que a parte física entre mim e o Carlos sempre foi grande, dominante e quase incontrolável.

Todavia, com o Sérgio... havia uma química que me parecia única.

Eu me apaixonei pelo Sérgio. Sem querer, mas me apaixonei.

Claro que não estava plenamente consciente disso na época. Digamos que eu me enganava bem. Hoje, todavia, é impossível continuar cegando-me para a realidade. Agora, eu consigo ver melhor.

No fundo, eu sabia que estava apaixonada, embora não reconhecesse ou admitisse.

Mas me dei conta, para valer, no dia daquela tempestade... Quando voltávamos de um passeio...

Perdemos o ônibus e viemos a pé para o meu apartamento...

Entramos aqui, rindo, ensopados...

Eu senti frio...

Ele buscou uma toalha para mim. O Sérgio conhece minha casa melhor que eu.

Ele começou a me secar...

Ele passava a toalha pelos meus braços como se fosse uma carícia.

Eu fiquei arrepiada. E não era por conta do frio. Por sinal, nem sentia mais frio. Tudo o que minha pele conseguia captar, naquele momento, eram os toques gentis e suaves que Sérgio deitava delicadamente sobre o meu corpo já mais trêmulo que o devido.

Então... eu me lembro de ter acontecido um abraço...

Não sei ao certo como começou, mas houve um abraço... Um abraço diferente dos que costumávamos dar.

Olhamos nos olhos um do outro; os risos pararam. Um silêncio incômodo povoou a sala, como nunca acontecia entre a gente.

Eu era capaz de ouvir meu coração galopando em meu peito.

E aí...

Foi quase.

Quase nos beijamos.

Mas o Sérgio se conteve no último segundo.

Ou fui eu que me segurei?

Talvez tenham sido os dois...

Não importa. O que importa é que o beijo não chegou a ocorrer, mas o estranhamento ficou.

Nossa relação ficou estremecida.

Nossa amizade nunca mais foi a mesma.

Eu me afastei. Ele também.

E aí... algum tempo depois, Nádia e Diana passaram a fazer parte de mim.

Foi quando conheci o Jorge.

E me apaixonei perdidamente por ele.

Como é que eu não tinha encaixado tudo isso ainda?

Era como se essas lembranças fossem nebulosas até então... e agora, de repente, tornaram-se claras!

Se bem que... Há um bom motivo para essas recordações virem à tona justo agora.

Eu beijei o Sérgio.

Ontem, eu finalmente beijei o Sérgio...

Ele veio falar comigo ontem à tarde.

Vínhamos nos evitando há tanto tempo... trocando meros cumprimentos formais quando nos encontrávamos por acaso...

E então ele veio falar comigo, como nos velhos tempos. Chamando-me para sair, como antigamente.

Aceitei, claro. Meu piloto-automático sempre age de acordo com o que eu faria.

Fomos para um barzinho do qual gostávamos muito e lá, Sérgio me contou que o motivo de ter me chamado para essa conversa era o Carlos. Claro, nem poderia ser diferente. O motivo sempre é o Carlos...

Segundo ele, meu noivo tem estado bem chateado com meu comportamento. Parece que eu ando distraída, sem dar qualquer atenção ao Carlos...

Verdade; minha versão automática é realmente distraída, desatenta... apática, em outras palavras.

Bom, aí o Sérgio resolveu fazer o que sabe de melhor: intrometer-se para ajudar o irmão.

É a partir desse ponto que as recordações de ontem tornam-se confusas... à medida que o Sérgio ia falando, minha visão foi se tornando turva, nublada...

Não consigo me lembrar ao certo do que o Sérgio dizia. Ele me olhava com aquela doçura que já me é tão conhecida, mas as palavras que ele proferia... Não me recordo... Não consigo.

A impressão que me ficou foi de estar prestes a perder a consciência. Como se eu estivesse quase desmaiando.

Mas é engraçado... eu me sentia quase desfalecer, era como se estivesse me afundando em minha própria consciência, que ia se perdendo...

Entretanto, eu afundava dentro de mim mesma, mas meu corpo parecia permanecer exatamente como estava, firme e forte, sem se mover um milímetro, sem demonstrar qualquer sinal de fraqueza ou vulnerabilidade.

E, enquanto me sentia ser tragada para os recônditos do meu ser, eu via, ao longe, como se enxergasse de fora e à distância, essa cena se desenrolar.

Por iniciativa minha, um beijo aconteceu.

Eu me vi envolvendo o Sérgio com meus braços.

Vi como os olhos dele tornaram-se confusos.

Vi que ele quis se negar a princípio, mas não foi forte o bastante.

Então nós nos beijamos.

Só que... eu não me lembro do sabor do beijo dele.

Eu vi o beijo acontecer. Mas parecia não acontecer comigo. Como isso pode ser possível?

A sensação que eu tenho, agora que essas memórias finalmente me chegaram, é a mesma de quando eu vejo as coisas acontecerem com a Diana ou a Nádia. Vejo, mas não participo. Acompanho tudo de perto, mas não sinto nada.

Meu beijo com o Sérgio foi exatamente assim. Distante.

Não era eu ali.

E também não era o meu piloto-automático.

Minha versão automática parece ter perdido o controle sobre mim naquele momento.

Alguém tomou conta de mim durante aquele beijo. Um outro alguém.

Mas... quem pode ter sido?

Quem me dominou e beijou o Sérgio em meu lugar?

E por que não consigo me lembrar de mais nada, depois disso?

Minha cabeça está rodando... Estou sonolenta...

A noite mal dormida está cobrando um justo descanso...

Eu precisava resolver tudo isso...

Precisava entender o que houve...

Céus, isso é grave...

Eu beijei o Sérgio... mas... e depois...?

Como cheguei ao meu apartamento? Como adormeci?

O Carlos veio aqui... ele estava nervoso...

O que foi mesmo que ele disse? Discutimos tanto, mas tudo o que ele dizia parecia não fazer sentido...

O que foi que o Carlos disse...?

O quê, meu Deus?...

Ah!

Lembrei!...

“O que você fez com meu irmão? Ele tinha me dito que iria falar com você. Mas, quando o Sérgio voltou, estava estranho. Eu nunca vi meu irmão daquele jeito antes! O que você fez com ele??”

Sim, foi isso.

Pronto, está registrado.

Quando eu regressar, decidirei o que fazer a respeito.

Não consigo pensar agora, o sono está tão pesado...

E está tão cedo... Quinze para as oito da noite...

Mas não vou aguentar mais.

Hoje é sábado.

Amanhã é domingo.

Dia da Diana.

Que droga... a vida da Diana está uma bagunça...

Como se já não bastassem os meus próprios problemas, vou dormir agora e, quando acordar, terei que vivenciar os problemas da outra... que maravilha...

Bem... Não tenho escolha. É hora de dormir.

Que venham a Diana, o Marcos e os rolos em que eles vivem se metendo...

Boa noite, querido diário.

Eu volto na terça-feira.


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