A noite pálida não poderia oferecer mais conforto do que agora. Era linda e simples. A lua crescente espalhava um pouco de brilho por cima das árvores e casas, lançando sombras que bailavam com o vento, misteriosas e com um "q" de fantasia, elas fariam a pequena marionete se arrepiar com tanta beleza se este pudesse sentir alguma coisa.

 Mas não podia. Não podia agora, que estava sendo vigiado constantemente pela noite estável, nem poderia algum dia. Sentir não estava em sua listinha de coisas a fazer.

 O sangue ainda estava fresco na barra de sua blusa e o cheiro impregnava em tudo ao seu redor, mas não conseguiu sentir nojo ou ao menos alguma vontade de limpar. E, ao lembrar da expressão de pânico de sua última vítima, não conseguiu sentir pena ou empatia. Nenhuma culpa em seu âmago. Nenhuma consciência pesada.

 Ele se aproximou da janela trincada e lembrou-se daquele rosto tão cheio de vida, pertencente a uma garotinha que lhe visitara uma vez. Qual era seu nome mesmo? Ah sim... Elizabeth. Passara tão pouco tempo com ela e ainda assim aprendeu muito sobre o que nunca conseguiria ter ou fazer. Aquele rosto se enchia de alegria com tanta facilidade e tinha um sorriso tão belo, sincero, coisas que Drocell sabia que nunca teria. Era incapaz de expressar felicidade, uma vez que também era incapaz de sentir algo tão humano.

 Resmungou e abraçou uma de suas perfeitas bonecas e notou-se erguendo um dos cantos da boca, exibindo um sorriso macabro naqueles lábios finos. Começara a sentir algo... por Elizabeth, aquela pequena moça das emoções. Mas sabia que não era bom. Não era compaixão e nem nada parecido com aquelas sensações gostosas das quais ele ouvira falar. Era revoltante, fazia-o ter vontade de empurrar as mesas e chutar tudo ao seu redor, crescia em seu peito com uma raiva intimidante. Frustração? Em parte sim, mas era maior e a cada vez que a face iluminada perfeita da loura vinha a sua mente, aumentava.

 Ele conhecia isto.

 Mas.... o que era?

 Ah sim.

Inveja.

 Pura e completa inveja da menina, porque sabia que ela tinha o que ele queria, mas nunca teria. Inveja por saber que ele nunca seria feliz como ela, inveja por ser incapaz de sentir tanto quanto ela, inveja por não ser tão amável quanto ela, inveja por ser cruel e bruto, e não sem falhas e intocável como ela.

 Inveja da perfeita Elizabeth Middleford.

 E começou a nutrir mais algo por ela. Algo resultante dessa inveja. Talvez... ódio?

 Sim.

 Meus parabéns, Drocell, vejo como evoluiu. Inveja e ódio de uma humana inútil? Incrível. As palavras rodopiaram por sua mente. Não era comum de uma marionete invejar e odiar uma humana por esta ser.... emocional e perfeita. Mas o brinquedo de cabelos laranjas não se importava, afinal, finalmente estava sentindo alguma coisa, graças a lady kawaii. Logo, sentiu-se agradecido por isso e abriu um sorriso, forçado, obviamente por motivos tão simples que o assustaram.

 Ele não era mais simplesmente um boneco vazio.