Post-it escrita por Amanur, Noel Blue


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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“Cuidado com os laços que você cria. Eles podem te enforcar...”

Eram cinco e quarenta da madrugada, quando olhou para o grande painel no meio da avenida em que rastejava seus pés pelo asfalto. Como se por hipnose, ele ficou um tempo ali, parado, esperando os números trocarem. Mas o painel trocou de informação, mostrando a temperatura que se fazia no local; vinte e três graus. Ele estava de calça jeans, com uma camiseta regata branca, e carregava uma jaqueta jeans sobre os ombros. Cheirava tanto a álcool que poderia facilmente ser confundido por uma garrafa de cachaça ambulante.

Cinco e quarenta e um.

Sasuke voltou a rastejar os pés pelo caminho de volta que sempre seguia àquela hora. Com a visão turva e os movimentos incertos, ele cambaleava pelas sombras das calçadas se apoiando nas paredes e portões da vizinhança.

Um carro passou ao seu lado a toda velocidade, espirrando água suja da rua — resquício da noite chuvosa, que o banhou completamente. A água lhe tocou gelada como a morte, e ele desejou que o bastardo sofresse um acidente na próxima esquina em que dobrasse.

Ele ouviu ao longe pneus derraparem, e só.

— Filho da puta. — praguejou, entre soluços alcoólicos.

Ao chegar em frente à sua casa — uma construção pequena, mas jeitosinha com um pequeno jardim florido —, suspirou enquanto procurava as benditas chaves por entre os bolsos. A mão tremeu e a chave parecia não saber seu local na fechadura.

Quando finalmente pôs os pés em casa, se jogou no sofá da sala. Seu próprio corpo parecia peso morto nos ombros.  Ao fechar os olhos, percebeu o silêncio dentro da casa. Era um tanto incomum, e estranhou. Sua mulher deveria estar ali, na outra poltrona, sentada de braços e pernas cruzadas, esperando por ele como sempre fazia.

— SAKURA? — berrou, com a voz meio rouca — Me traga água.

Mas não houve resposta. Estaria dormindo a essa hora? Não podia ser possível, já que ela SEMPRE o esperava para brigar com ele.

Estranhando, sentou no sofá com dificuldades. Sua cabeça latejava como se alguém lhe socasse com martelos no crânio. Com uma rápida olhadela, averiguou a poltrona vazia em que sua maldita esposa deveria estar.

Ele pretendia se levantar, apesar de toda a preguiça e mal estar. Até pôs as mãos nos joelhos para lhe dar impulso nas pernas, mas parou no meio do pensamento ao ver um post-it colado na tela plana de sua televisão nova. Num rápido movimento, se esticou até a estante e arrancou o papel dali.

 “Ligue a tv” — estava escrito com aquela caligrafia perfeita de sua esposa. No entanto, ela parecia trêmula e mal desenhada, desta vez. Ou, talvez, fosse sua bebedeira que o fizesse ver mal as coisas ao seu alcance, pensou.

Franziu o cenho, e amassou o papel enquanto bocejava. O controle estava embaixo de sua bunda. O aparelho de DVD estava ligado, e ele resmungou algo sobre a conta de luz, pois Sasuke estava desempregado e precisavam economizar com o que pudessem, já que somente o salário dela não era suficiente para ambos se sustentarem.

Respirou fundo, e percebeu que suas mãos ainda tremiam levemente quando apertou o botão de play no aparelho.

A primeira imagem do vídeo era apenas um sofá de quatro lugares. Ele podia ver o resto da sala logo atrás de si. O cenário estava bem claro em sua mente. Então, ela apareceu e sentou no mesmo sofá em que ele estava sentado.  Apenas o abajur da mesinha ao seu lado iluminava o ambiente e, por isso, ele não conseguia ver os detalhes da pele dela.

Quando Sakura olhou para a tela, ele sentiu como se sua mulher pudesse vê-lo através das lentes e sentiu um maldito calafrio percorrer sua coluna. Os belos olhos verdes estavam vermelhos e inchados quando ela sorriu.

— Mas que porra é essa? — ele resmungou — SAKURAAA? — berrou novamente, olhando para o corredor atrás de si que dava para o quarto. Mas havia algo estranho naquela imagem que o compelia a continuar olhando para a tela.

Ele se perguntou se seria o quadro atrás dela. Teria sido sempre aquele? Ou o vaso de flores na mesinha? Talvez as almofadas do sofá... Mas antes de olhar em volta, ela começou a falar.

Eu preciso me despedir... — lágrimas começaram rolar pela face dela, mas o rosto era uma escultura fria, sem emoções. Até que, mais uma vez, ela sorri. Um sorriso fraco, sem forças para se mostrar. Como se estivesse cansada demais para mover os músculos do rosto.

— Mas que merda é essa? — indagou para ela, como se sua esposa estivesse realmente ali, na sua frente.

—... Eu não podia acreditar que você tinha me beijado no meio do shopping, com todas aquelas pessoas a nossa volta nos olhando. Você se lembra do nosso primeiro beijo? Logo depois do primeiro filme que vimos juntos... Eu ainda me lembro como se fosse ontem.

Sasuke pigarreou, se sentindo de repente desconfortável em sua própria casa. Olhou para o corredor, desconfiado.

— Você me deixou, sua vadia? — sussurrou para si mesmo.

—... E então, passamos a nos ver todas as semanas. E o tempo foi passando, e nos aproximávamos cada vez mais até nos tornarmos inseparáveis. Eu tive os melhores momentos da minha vida com você, Sasuke.

— Aham. Estou vendo. E agora o quê? Pegou as malas e foi embora sem dizer tchau? Vaca! E deixou essa merda de vídeo para quê? Pra me infernizar? — ele pegou o controle e desligou a tv, bufando de raiva.

Levantou-se com algum esforço do sofá. Sua cabeça parecia mais pesada do que nunca, e aquela maldita dor de cabeça parecia mais intensa agora. Seu coração batia forte contra o peito, ele estava nervoso e perdendo a paciência. Achou que seu único remédio estaria na geladeira, e cambaleou até a cozinha. Outro post-it estava preso na porta.

“Por favor, Sasuke, não desista de mim.” — ele leu. Com uma risada histérica, arrancou o papel e o jogou no chão. Pisoteou com seus sapatos lamacentos, e abriu a geladeira. Lá estava seu remédio, geladinho, do jeito que gostava.

Abriu a tampa com a mão, e um corte se abriu na ponta do polegar. Mas estava tão alcoolizado que não sentiu nada. Sasuke apenas culpou sua esposa por mais aquele desastre.

Em poucos goles esvaziou até a metade a garrafa de vodca barata que tinha. Ali, da bancada da sua cozinha, ele enxergava a tela da sua televisão. Achou estranho em ver a imagem dela congelada. Tinha certeza de que havia desligado o maldito monitor.

Com a garrafa na mão, arrastou os pés de volta até o sofá. Uma gota de suor lhe desceu pelas têmporas, enquanto via a imagem dela ali, olhando diretamente em seus olhos. O controle, de repente, parecia gritar em seus ouvidos, pedindo atenção.

Tirou o vídeo do pause.

—... Não acha engraçado como as coisas ruins que nos acontece é que nos põe de volta à realidade? Antes de tudo acontecer parecia que vivíamos num sonho, onde tudo era perfeito. O mundo era nosso! Eu nunca me esqueci da nossa primeira viagem. Bebi tanto vinho que tivemos medo de embarcar de volta no ônibus para voltar. Eu nunca vou me esquecer do modo como você segurava meus cabelos, com cuidado, enquanto eu vomitava. Foi a primeira vez que senti que você cuidava de mim...

— Tsc. — Sasuke bufou, tomando mais um gole.

As lembranças estavam mais do que vivas em sua memória. Elas pulsavam em sua mente em nostalgia, sempre que algo acontecia. Era seu refugio, de que as coisas poderiam voltar a ser como antes. Como podia se esquecer daquela viagem? Eles ainda eram adolescentes, e tudo era motivo de festa. E foi lá, naquela praia paradisíaca em que alugaram um apartamento com a mesada que juntaram durante o ano, que tiveram a primeira noite juntos. E foi quando ele disse pela primeira vez na vida que amava alguém.

— E então, tudo aconteceu, tudo mudou. Caímos na vala. No fundo do poço mais escuro da vida, e fomos parar no abismo. Por que, Sasuke? Por que você nos permitiu a isso? Não era esse o nosso plano. Não era para ter sido assim...

Sasuke cuspiu no chão o gole que estava levando à garganta, indignado com o que acabara de ouvir.

— VOCÊ ESTÁ MESMO CULPANDO A MIM?

Ela suspirou, abaixando o olhar.

— Eu sei... A culpa não é só sua. Você já sentiu como as coisas parecem ter fugido do controle, e você não mais estivesse no comando de suas ações?

— O tempo todo. — ele resmungou para a tela.

— Nós éramos muito jovens quando deixamos nossos pais. Achávamos que tínhamos tudo sob controle, que seria fácil... — ela voltou a olhar para a tela, encontrando os olhos dele — Oh, Sasuke, como fomos estúpidos! Viver é tão difícil. Muito mais difícil do que pensamos quando somos jovens. Eu pensava que, se meus pais conseguiram, porque não poderíamos conseguir também? Agente se dava tão bem.

Sasuke tomou mais um gole, percebendo que sua garrafa já estava chegando ao final, embora aquele vídeo parecesse não estar nem na metade da metade com todo aquele blábláblá sentimental.

Mas ele tinha que concordar que, talvez, teria sido melhor se não tivessem feito as malas e fugido de casa para viverem juntos. Não quando ele só pensava em poder transar com ela todos os dias sem precisar se preocupar com que os gemidos dela alcançassem os ouvidos do pai dela. Talvez, teria sido melhor esperar que amadurecessem mais para isso.

E então, teve aquele problema com a sua família, que não gostava de mim, e seus pais pararam de te mandar dinheiro... Eu já o agradeci por ter escolhido a mim, ao invés de dar ouvidos ao que eles diziam?

Sasuke engoliu a seco, desta vez. Sua mãe odiava Sakura, por achar que ela fosse uma qualquer, mesmo ele sempre batendo o pé contra, por que sabia que ela não era o que eles pensavam. Sakura era responsável, estudiosa. A birra de seus pais era somente por que ela não vinha de uma família tão “boa” quando a dele. O que era uma tremenda lorota. A família dele era irritante, repulsiva. Eram todos um bando de esnobes, de nariz empinado que se achavam os melhores do mundo, quando não eram bosta alguma. Como se dinheiro comprasse caráter... Tsc! Sasuke detestava esse tipo de gente, apesar de ter nascido naquele berço, ou ninho de cobras, como dizia seu irmão.

— Você não precisa agradecer... — ele murmurou, olhando para a garrafa vazia em suas mãos. Sua cabeça voltou a ficar pesada, e tão leve como pluma ao mesmo tempo.

— Eu quero agradecer assim mesmo... Eu sou tão grata que não sei como retribuir. Sinto que o que quer que eu faça, jamais seria o suficiente... E...

Ele olhou para a tela, ao som de sua hesitação. Lá estava aquele tom de verde meio dourado. Olhos felinos, que ele tanto adorava. Estavam inundados por lágrimas, e eles parecia deslizar por seu rosto, como se ela pudesse realmente vê-lo ali.

Sasuke sentiu a angustia trancar na garganta, e desejou que ela estivesse ali, para tocar seu rosto. Diabos! Ele também odiava a situação em que estavam. Mas, às vezes, o caminho mais difícil parece ser o único que há.

— Você me fez muito mal, Sasuke. Você me machuca. Fere minha carne e estilhaça minha alma. Tritura minha mente com suas palavras, enquanto aperta minha pele entre seus dedos... E eu sinto que não te conheço mais. Você não é o mesmo Sasuke com quem eu tinha feito planos para ter um filho, e viajar para o outro lado do mundo. Você não é aquele que eu desejei passar o resto da minha vida ao lado.

Sasuke desviou o olhar, como se não pudesse mais encará-la. Tanto a raiva, quanto o remorso lhe pesavam sobre os ombros.  Raiva dela por ter sido covarde e fugido, e remorso pelo que fez. Ele sabia que estava errado. Sempre soube. Mas como ela mesma havia dito, as coisas saíram do controle. O álcool o dominava por que o fazia se esquecer dos problemas.

 — É fácil por a culpa em alguém. E porque você não ficou para me ajudar a superar a merda? Por que não ficou para enfrentar tudo isso comigo, como deveria ser?

— Eu tentei! Mas você não me ouviu! Quantas vezes eu te disse para parar com a bebida? Você esperava que eu fosse ficar plantada aqui, suportando tudo até o final? E que final seria esse? Já parou para pensar?

— Que tal o final que tínhamos planejado? — ele disse, em tom de sarcasmo. Parecia tão óbvio para ele, que não entendia como ela podia fazer uma pergunta daquelas.

Mas Sakura começou a balançar a cabeça, como se negasse algo que ele havia dito.

Para mim, esse é o fim, Sasuke. Eu cansei. Cansei de chegar em casa, cansada depois de um dia exaustivo de trabalho e encontrá-lo bêbado, no meio da sala. E aí você vem para cima de mim, me joga neste sofá, e arranca minhas roupas por que você precisa liberar os seus problemas, descontando em mim. Agente transa, você fica satisfeito, mas apenas por pouco tempo. Quando todas as suas lembranças voltam, você se irrita e faz isso! — ela aproximou o braço da lente, mostrando o grande hematoma na pele perfeita dela. Quase perfeita, se não fosse por ele — Três meses atrás você me deu um soco no olho, lembra? — ela indaga, ainda sem mostrar emoções — Ino disse que eu era louco por aguentar tudo isso... — ela resmungou.

— INO É UMA VADIA QUE ABRE AS PERNAS PRA QUALQUER UM. EU JÁ TE DISSE PARA NÃO FALAR MAIS COM ELA! — ele berrou, furioso. Ainda jogou a garrafa contra a parede.

Milhares de cacos se espalharam pelo chão, enquanto a raiva ia tomando conta dele mais uma vez. Odiava aquela situação. Se pudesse ele refazia tudo outra vez, mas agora que já era tarde, o que fazer? Sua esposa já o deixara, e agora estava ali, sozinho, com tanto álcool no sangue que poderia estar imune a qualquer germe ou bactéria pelo resto do ano.

Seu coração acelerou, e perdeu o folego, enquanto ela o olhada por aquela tela. Olhou para o sofá, imaginando-a ali, no mesmo lugar em que ele ocupava naquele momento. Quando ela teria gravado aquilo? Aquela noite em que saiu de casa depois de chama-la de burra por não saber passar direito suas roupas? O que mais dissera a ela? A chamou de égua manca por não servir mais nem para uma trepada qualquer, e ainda teve o disparate de lhe dizer que ela não o seduzia mais. Não era mais sexy, e parecia uma velha rabugenta reclamando de tudo, incapaz de levantar seu pau.  Há muito tempo eles não fazia mais amor. Há muito tempo ele não a tocava como da primeira vez a tocou.

Sua doce voz, suave e ainda hesitante, irrompeu suas lembranças. Ele olhou para a tela, tentando imaginar o que ela diria agora.

— Há dois meses venho tendo o mesmo sonho. Estou de frente a mim mesma, me aproximando calmamente. A cada passou que dou, ouço risadas a minha volta. E vejo que é você, rindo de mim. E então, eu agarro o pescoço do meu outro eu, e começo a sufoca-la. Suas ridas ficam ainda mais altas, e ponho mais força entre os dedos, estrangulando-me...

Involuntariamente, Sasuke balançava a cabeça em negação, enquanto ouvia aquilo. Ele jamais riria de uma cena em que ela se matasse. Ela era tudo o que ele tinha; tudo o que precisava ter ao seu lado.

— Sabe... Às vezes, tenho certeza de que se eu não o tivesse conhecido, eu não precisaria estar fazendo isso agora. — Sua voz falhou na ultima frase, e ele viu as lágrimas descendo livres pelo rosto pálido de Sakura.

— Por quê? Por que você me deixou? — perguntou a ela, com a voz fraca e baixa, mesmo sabendo que ela não responderia. Não mais.

Você não me deixou escolha, não me deu opções, e eu precisava, juro que precisava de outra saída. Eu não conseguia mais aguentar. Não tinha amigos, minha família não falava comigo, e você nem parecia ser meu marido. Eu estava caindo em um poço sem fundo. Morrendo lentamente, sem chances de pedir socorro. — Foi então que ele percebeu que também estava chorando. — E mesmo assim, eu continuei te amando, meu grande erro. Eu só... — Silêncio, ela mordeu os lábios e limpou as lágrimas, que nunca pararam de cair. Ofegou e sorriu minimamente. — Só queria poder deixar de usar roupas compridas por precisar esconder os hematomas. Queria que deixássemos nossos vícios de lado; você o álcool, e eu os remédios para dor. Nosso casamento é uma farsa... Você não me ama mais. Estamos juntos por quê? Temos medo de ficar sozinhos? Somos tão horríveis assim, a ponto de não ter mais ninguém a nos querer? Eu me pergunto isso, por que não entendo por que não te deixo... Por que não consigo...

Sasuke olhava o vídeo como se sua vida dependesse disso. Quando deu por si, estava ajoelhado em frente à TV. As lágrimas molhando a camisa branca e o carpete. Culpa, arrependimento, raiva, angustia pesavam sob seus ombros com muito mais peso. Estava prestes a desabar no chão, de tão pesado se sentia.

Mas você é controlador, possessivo, intolerante, impaciente... Me bate por qualquer coisa. Nunca me deixou ser feliz, não quer me deixar trabalhar, sair com meus amigos...

Vivi praticamente sozinha durante esses anos de casada. Você nunca estava em casa, só chegava à noite, bêbado, sujo e com marcas de batom pelo corpo e roupas.

Sasuke fez que não com a cabeça outra vez. Aquilo não era o que ela pensava. Ele jamais a traiu. As marcas eram de vadias que tentavam se aproveitar de sua embriagues, mas jamais a traiu. Aquilo era blasfêmia, e ela tinha que saber disso!

— Quantas vezes eu já te disse que não é o que parece??? Por que você não acredita em mim?

— Eu tinha ciúmes. Essas garotas conseguiam o que eu não tinha há muito tempo, Sasuke. Você sequer se lembra da ultima vez em que nos beijamos? Beijamos de verdade, não seus agarrões estúpidos. Eu não aguentava mais sofrer. Cheguei ao meu limite. Eu quero minha mente limpa outra vez. Eu necessito disto!

— E eu preciso de você, porra. — ele sibilou, sentindo perder as forças.

De repente, ela adquiriu uma nova posição diante da tela. Ela se levantou, e ficou de joelhos em frente a televisão, como ele fazia naquele exato momento. Seu rosto, seu belo e perfeito rosto, estava diante dele. Os lábios ressecados dela estavam tão próximos, que ele se chegou mais perto e beijou o monitor, nos lábios dela, no momento em que ela fechou os olhos. Ele tentou se lembrar da textura dos seus lábios, do gosto do beijo dela, mas a mágoa que sentia era tanta que somente o gosto do álcool estava em sua boca. Quando abriu os seus, encontrou os orbes verdes o encarando friamente.

E então, ela voltou a falar. Mas, desta vez, entretanto, sua voz veio sussurrada como se contasse um segredo. Ele até mesmo precisou aproximar o ouvido da caixa de som do aparelho, ao lado da tela, enquanto seus lábios se moviam, tão delicados.

Ainda ouço vozes me dizer o que fazer. Eu queria que você me ajudasse, me confortasse, e fizesse parar o que estou sentindo. A corda está aqui. — ela olhou para baixo, para algo que ele não via. Sasuke até olhou em direção onde ela teria posto os olhos, mas não havia nada ali. Sentiu os pelos dos braços se arrepiar, pensando que ela havia deixado de fazer sentindo com as palavras — Achei uma utilidade para aquela corda estupida que havia sobrado do varal, lembra? Já fiz o laço e está perfeito. Eu vou fazer isso, por que a ideia de bater a porta em minhas costas não funciona. Eu não consigo fazer as malas para te deixar.

— Hã? — ele não estava mais entendendo nada.

Sakura pareceu mais séria na tela, e ele engoliu a seco novamente, pensando em buscar uma nova garrafa.

A culpa é minh. Eu não impus um limite, eu não exigi nada, vivi de acordo com suas regras. Eu deveria ter me imposto e fazer você parar de me machucar, me agredir, mas eu não fiz isso.  — ele viu o cabelo dela balançar.

Provavelmente, era o vento entrando por alguma janela. Ele levou a mão no monitor, pensando em tirar os fios dos olhos dela, mas a mão ficou parada no ar, quando as coisas começaram a fazer algum sentido em sua mente.  E fixou os olhos nos olhos dela, tristes, opacos, vermelhos.

As lágrimas lavavam seu rosto, e ele se odiou por isso. Detestava chorar. Não chorava nunca. E lá estava ele, chorando quase como um bebê. Fungava toda hora, e arranhava a tela, querendo que ela estivesse ali.

— Eu devo te amar, apesar de tudo. Mas não tenho forças suficientes para continuar te amando. Não desse jeito...

— Do que está falando? — ele não queria ouvir a resposta, no entanto.

— Às vezes, não sentir é o único meio para sobreviver...

Não sentir...?ele entendia isso. Melhor do que ninguém, na verdade. Era por isso que se matava aos poucos, com a bebida. Anestesiava-se todos os dias para fugir da realidade.

Sakura se levantou do chão, com o que sobrara da corda que ele havia comprado no verão passado para por no quintal, e servir de varal para as roupas lavadas. Sobraram dois metros de corda que ela jogou no guarda roupa, onde os sapatos dele ficavam guardados. Ele sempre resmungava por que eles se misturavam à corda, e ele puxava tudo, sem paciência de desfazer o nós que fazia com seus calçados.

Franzindo o cenho, ele notou o nó que ela tinha dado em uma das pontas, formando um laço. Cabia uma cabeça ali.

Seu corpo todo estremeceu, quando ela saiu da tela.

— NÃO... VOLTE AQUI, SAKURA. VOLTE AQUI, PORRA!

Cambaleando, se levantou do chão. A dor de cabeça o golpeou novamente, e quase derrubou a televisão no chão, ao se apoiar sobre ela. Mas ele não tinha tempo para pensar em nada. Precisava correr até o quarto, ou onde for que ela estivesse. Ele precisava encontra-la urgentemente. Só que suas pernas não queriam lhe obedecer. Estremeciam a cada passo que dava, ameaçando abandoná-lo no meio do caminho. Mas ele tinha, precisava, necessitava a todo custo chegar até ela.

— SAKURA!

Não havia ninguém na lavanderia, nem no banheiro. Correu para o quarto, mas ele estava intacto. A cama estava arrumada, como ela sempre deixava.

Suspirou aliviado, achando que a maluca tivesse desistido da ideia estupida, e desabou na cama. O doce cheiro dela ainda estava na colcha. Ele estava cansado, exausto; não apenas em carne, mas no espirito. Virou de barriga para cima, pensando em ligar para o celular dela assim que acordasse. Talvez, ela tivesse ido para a casa da Ino, e aquele vídeo idiota fosse apenas uma pegadinha que ela estivesse querendo pregar nele. Ele iria xingar tanto aquela cretina.

Dormir, ele precisava dormir. Fechou os olhos, suspirando mais uma vez. A cabeça recebeu com todo prazer aquele conforto de seu colchão. Diabos, o corpo inteiro o agradecia por aquilo.

E então, a doce brisa da madrugada soprou em seu rosto. A janela do quarto estava aberta. Hesitou antes de virar o rosto e encarar a maldita janela que deveria estar fechada. Mas seus olhos não quiseram voltar a se fechar, ao ver o belo corpo de sua mulher pendurado na árvore do quintal. Aquela mesma árvore em que eles, juntos, marcaram seus nomes no tronco assim que compraram aquela casinha.

Ela estava tão bonita, com sua camisola de algodão, levemente transparente.

— Ela deve estar com frio. — ele resmungou para si — Está frio lá fora...

Sasuke levantou-se da cama e pegou uma colcha grossa que estava sobre uma poltrona. Caminhou lentamente, como se fosse um zumbi, até a porta do quintal. Em sua mente, nada se passava. Havia apenas a forte necessidade de concertar seus erros, e se redimir por todos os estragos que cometeu em sua vida.

Sorriu levemente ao ver a silhueta da mulher. Passou os olhos pelo corpo esguio e levou um susto ao notar que seus pés delicados não estavam no chão. Deixou a colcha cair sobre a grama úmida pelo carvalho da madrugada e correu até ela, vendo a corda em volta de seu pescoço já roxo.

“Por que nos damos conta dos nossos equívocos quando não mais podemos nos redimir por eles?”, ele se perguntava. É irônico e penoso. A consciência de seus atos ia lhe pesando nas costas e os passos seguintes se tornaram mais difíceis. A dor, a raiva, o remorso lhe consumia como chamas ardentes, transformando sua carne em cinzas. Se ao menos pudesse se afogar em suas mágoas! Mas ele supunha que a consciência pesada era a punição mais adequada que a própria morte. Ele merecia o pior para si, se fora capaz de causar tamanho sofrimento em alguém que amava. Mesmo que inconscientemente...

Tocando o tecido da camisola que esvoaçava ao vento, o trecho de um poema que havia lido atrás da porta do banheiro em que costumava sair para beber lhe veio em mente.

“Na árvore da vida

Deixei meu coração

Como símbolo eternizado

Em um ramo demarcado.

Na linda árvore,
vi os traços de vida,
em cada ramos e folhas
o que ela nos ensinava.
Ventos forte, chuvas ,
sol quente e até a sede
nada deixava a árvore
ficar sem vida e sim mais forte.
Então meditando o porquê ?
de tanta segurança ,
de tanta vontade de viver
eu descobri algo...
Que na linda árvore,
estavam esquecidas as raízes,
que no solo escondidas,
choravam por sua morte...”

Sakura, por ironia das consequências, agora, simbolizaria eternamente dentro do consciente de Sasuke a árvore da vida e, ao mesmo tempo, a árvore da morte. Lhe restando, somente, caminhar pelo resto de sua vida com as mãos manchadas do sangue que ela não derramou.


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Notas finais do capítulo

Algum comentário?
|
O poema é uma mistura que fizemos entre dois poemas, para ficar de acordo com a fic. Os poemas originais são esses:
http://eusoupoesia.blogspot.com.br/2011/03/na-arvore-da-vida-deixei-meu-coracao.html
http://www.ilhado.com.br/index.php?id_editoria=25&id=1249