Desprendo os olhos da tela e noto o silêncio no distrito inteiro. Todos ainda estão absorvendo o que aconteceu: A dívida de Thresh, a morte de Clove, Katniss desmaiada e Peeta salvo. Entre ficar feliz ou com medo, todos preferem o silêncio. As aulas foram suspensas e aproveito para caçar um pouco mais e recolher dinheiro para patrocínio.

Os acontecimentos repentinos não param de reprisar em mim. Quando Katniss decidira ir até o Ágape o que passou pela minha mente foi o porquê. Katniss poderia ter comovido o público e conseguido patrocínio. Mas ela arriscara sua vida por ele. De início, parecia que ela queria atenção do público. Mas era uma negação minha dizer isso. Quando Katniss chegou até a caverna e não pensou em nada a não ser dar o remédio a Peeta confesso: Senti ciúmes. Por mais que a inconsciência a atormentasse, dar o remédio a Peeta era o mais importante. Salvá-lo era o mais importante. Naquele momento percebi que, por melhor em disfarçar emoções que Katniss fosse, negar que ela gosta de Peeta seria uma mentira.

Mas não por isso irei desistir dela.

A floresta está quente porém um vento contínuo me faz fechar o casaco. Depois de colocar as luvas pego o arco e flecha para caçar. Algumas horas se passam sem muito desconforto, minha cabeça está simplesmente sem pensamento nenhum. Quando nada se fixa em sua mente e se esvai em instantes, como o pesadelo que cede á inconsciência. Tudo que eu penso se mistura e então decido me concentrar apenas na caça.

...

Penso em visitar Madge novamente. O que aconteceu entre nós foi melhor do que com as outras – talvez pelo vínculo que temos desde cedo – mas é melhor que não demos continuidade a isso. Talvez o problema não fosse eu ser da Costura e ela filha do prefeito. Talvez fosse eu. Incapaz de amar. De estabelecer relações fortes por muito tempo. Talvez cada garota que eu beijasse, tivesse uma pontinha de esperança que ela ganhasse meu coração. Que ela superasse meu desprendimento. Foi o que Katniss fez. Quando nos conhecemos chamei-a ladra. Ela não se importou com a ofensa. Quando nós brigávamos, ela ignorava a grosseria. Quando caçávamos juntos a início, ela não se preocupava com meu egoísmo. Katniss furou todas essas barreiras. Eu preciso dela por causa disso. Sem Katniss eu formaria barreiras não só para os outros, mas para mim mesmo. Já aconteceu encontrar uma pessoa a quem contar tudo? Como se fosse outra parte sua a contar, outra que precisava saber? Katniss era minha outra parte. Não do jeito que eu queria mas não posso perdê-la por isso.

Eu precisava de outra pessoa. Com as mesmas barreiras que eu, para que nós dois nos ocupássemos perfurando-as a cada dia.

N/A: Johanna tem diversas barreiras, o que isso quer dizer?

Volto ao distrito sem cerimônias. Vendo a caça no Prego e direciono-me até o Edifício da Justiça como uma ação automática. Pessoas passam por mim mas eu não guardo fisionomias. Não guardo lembranças. Ando até em casa sem prestar atenção em nada e vou dormir: Pensamentos enevoados dão muito sono.

~*~

Minha cabeça dói. Olho pela janela e já amanheceu: Dormi mais do que o costume. Não há ninguém em casa, portanto penso que já começaram as aulas de todos. Reviro preguiçosamente pelo sofá no qual caí e um cobertor que não reconheci de ontem me cobre. Minhas botas estão ao lado da porta escovadas e brilhando, como em um dia da colheita. Minha mãe provavelmente está preocupada comigo: Há dias não converso com ninguém em casa e tenho me fechado com relação a todos.

Tomo um banho gelado para acordar e talvez afastar a minha dor de cabeça e o zumbido em meus ouvidos. Os meus olhos estão vermelhos como os de quem chora – mas não lembro de ter derramado uma lágrima. – e minhas olheiras sumiram.

Minha vida é apenas caçar. Enquanto coloco a bota, sinto pena por sujar o que minha mãe fez. Apenas pego minha mochila e ando chutando pedrinhas até chegar ao vão na cerca. Dou a volta e chego até onde eu guardo meu arco e flecha e começo a caçar. É mais fácil acertar sem o vento que as tardes daqui proporcionam, porém o silêncio é menor e preciso afastar-me mais caso queira fugir do barulho que o distrito traz e que as madrugadas silenciam.

Colho as frutas que nascem a meus pés e não lembro d nome – mas sua fisionomia me é familiar. As raízes que nascem á beira do lago me cercam enquanto armo uma rede e faço desenhos na lama ali perto. Quando os peixes passam a escapar da rede devido á sua quantidade, recolho e embrulho com um saco dentro da mochila.

Ao chegar, o telão está ligado. As aulas já foram suspensas por sobrar poucos participantes e Cato está na tela. Antes com seu sorriso sarcástico e sobrancelha arqueada em quase todas as vezes que o vi, ele carrega um ar cansado como quem não dorme há dias. Recolhendo pedaços de arbustos a seu redor apenas para que suas mãos ocupassem algo e joga as folhas no chão. O Sol cedeu para um céu nublado e triste, o que parece refletir seu estado. O sentimento de vingança ainda não o consumiu, mas ao que parece Thresh não será o vencedor desses Jogos. Dois sentimentos dão força o bastante para qualquer pessoa: A vingança e o amor.

A tarde chegou e Katniss aparece na tela. Mergulhada em sangue. Peeta está sonolento e acorda ainda zonzo, olhando para todos os cantos sem perceber nada. Até que o corpo inerte de sua aliada chama atenção. Ele puxa seus cabelos para longe do rosto e suas mãos são tomadas por sangue que escorria em si. A face de Katniss está coberto pelo líquido de vida e morte e que desejaria ardentemente que não fosse dela, a menos. Peeta senta a seu lado e retira a seringa presa em seu braço. Ele joga a seringa em um canto como se lembrasse o porque de Katniss ter se machucado e começa e procurar o kit de primeiros socorros, para salvá-la e pagar sua dívida de gratidão.