A pequena lareira ardia na minha frente. Apesar de haver uma outra bem maior na área dos chalés, eu quis acender aquela. Era o momento em que tudo em mim estava se despedaçando.

Era o meio da madrugada, então provavelmente ninguém estaria acordado, e já havia dado um bom tempo do horário de recolher. Mas eu pouco me importava. O que fosse acontecer por isso, que acontecesse. Para mim, não tinha mais importância.

Ouvi passos ao meu lado e logo uma pessoa se sentou ali. Era Jack, do chalé 5, outro que certamente não dava a mínima para aquilo de horários. Se queria sair, ele saía; se queria, ele fazia. Mas mesmo assim era um dos poucos filhos de Ares que conheci que eram mais quietos e educados. Irritadiço, sim, mas não caçador de brigas. E além disso, eu deveria admitir, ele era um dos mais belos daquele chalé.

– O que está fazendo aqui? - Perguntou.

Fiquei em silêncio, apenas olhando para o fogo de minha pequena fogueira. Ele olhou para mim, esperando resposta, mas não lhe dei nada.

Meu olhar era vazio e pensativo. Levantei a cabeça e olhei para ele, nos olhos azulados dele, no mesmo tom dos meus. Logo ele pareceu entender tudo, pois sua expressão mudou. Jack então ficou quieto, olhando para o fogo assim como eu.

{20 de fevereiro de 1999}

O estômago de Jodelle roncou, alto o bastante para que ela pudesse ouvir. Já havia quinze dias que estava andando pelas ruas, sozinha, desde a morte de sua mãe. Pensar nisso já poderia fazê-la chorar por duas horas.

Ela colocou a mão sobre a barriga e olhou em volta. Estava em um beco da cidade de Vancouver, que nunca lhe pareceu tão grande como era naquele momento, tão bagunçada, um verdadeiro labirinto cheio de surpresas. Na sua frente estavam caçambas de lixo enormes e alguns sacos de plástico em volta do mesmo. O cheiro poderia fazer qualquer um perder o almoço do estômago, ainda mais que ela mesma não estava mais assim tão cheirosa.

Jodelle torceu o nariz, assim como fazia há cada meio minuto, pelo fedor e por mania. Ela se levantou e foi para fora do beco, dando lugar para a luz do sol bater em sua pele. Naquela mesma rua, estava uma padaria. O cheiro de pães frescos era algo tentador para ela.

Assim que surgiu na porta, o dono, de dentro da cozinha a olhou com horror e pegou uma vassoura, indo em direção à ela. Logo que viu aquilo, Jodelle tentou ir embora, mas o homem fora mais rápido.

– Saia daqui! Na minha padaria, não! Estou cansado desses nojentinhos vindo aqui, estou cansado!– Disse enquanto batia a vassoura nas costas de Jodelle que tentava ir embora as pressas. - E não volte mais!

Rapidamente ela retornou ao beco. Ali, apesar de ser um local fétido, sujo e grotesco, era muito mais seguro. O estômago roncou novamente. Ela levantou os olhos, encarando as caçambas e os sacos.

Hesitou. Ela estava com nojo, extremo horror, mas se não comesse morreria de fome. Com fraqueza levantou-se e foi em direção à todo aquele lixo e começou a abri-lo, revirando tudo a procura de algo que pudesse comer.