Minha respiração ficava mais ofegante a cada segundo. Eu ouvia os passos pesados sobre o piso de madeira, a fumaça negra dissipava  enquanto eu observava aquele momento se aproximando de mim. Quando finalmente a fumaça cessou, fiquei horrorizada.
 
Uma garota.

 Eu.

Sem acreditar que estava me vendo, ali, parada na minha frente, com um sorriso sinistro, maléfico, tão assustador que me fez estremecer de medo. Uma versão idêntica de mim, a única diferença eram suas vestes. Eu estava tomada pelo terror, queria sair correndo, mas não conseguia nem me mexer, até escutar aquela replica de mim falar algo.

- Eu vim lhe buscar, chegou a nossa hora. – Ela disse, mas sua boca apenas se movia, a voz saia de mim, brotava do fundo da minha alma, fazendo um sentimento terrível tomar conta do meu ser.
 

Tremula, inconciente e guiada pelo medo, eu respondi:

- Me buscar para que?

 Por um segundo um silêncio paira entre nós. Me vem uma ânsia, vou me sentindo tonta, sem entender o que exatamente está acontecendo aqui, até cair deitada.

  Começo a vomitar bolsas de sangue, querendo me mover, querendo ao menos me render aos desejos da minha alma, querendo morrer.

- Para a morte, sua a sua morte. – Ela sorri. – Vim lhe buscar de bom grado, para partirmos, seu tempo esgotou. – Diz.

 Levanto cambaleando, querendo ficar de frente para a morte, a encarar como minha porta para a liberdade, mas penso em Felipe, ele só tem a mim, e eu não posso simplesmente deixa-lo. Ele nunca superaria ficar sem mim.

 Recupero-me e corro em meio a fumaça rasteira para a porta, dando o máximo de mim para fugir disso. Mas ela me para, a minha morte. Os olhos em chamas, uma expressão malignica dotada de ódio se instala, agora não está tão parecida comigo.  Ela se afasta rindo enquanto suplico, imploro por vida, meus sentidos e sentimentos mais obscuros florescendo.

- Você quer continuar viva? – Ela ri novamente, abusando. Caçoando de mim.

Eu choro.

- Tudo bem! – Ela continua. – Sem mais agonias e torturas.
 

Eu me sinto despida, até perceber que minhas roupas estão realmente desaparecendo, meu corpo gélido, banhado em sangue, coberto apenas pela fumaça.
 

Uma dor tão forte me possui, forçando-me a gritar. Olho para o meu corpo nu até que no pé da minha barriga vejo algo florescer,  por um momento imagino que meus órgãos vão pular para fora do meu corpo mas quando a dor fica cada vez mais intensa vejo um desenho tomando forma. Um círculo. Listras ao seu redor. Um Sol. Paro um pouco de lutar contra minha for enquanto escuto minha alma bradar.

- O lado obscuro do sol. Para te provar e lembrar que mesmo quando você estiver coberta de luz, eu estarei na sua sombra. Um alerta para lhe mostrar que você nunca protegida, nem mesmo a coisa mais pura e brilhante lhe salvará dessa escuridão, você pode ter escapado da morte agora, mas você tem um prazo.
 

Meus olhos se fecham com um único pensamento, a voz do Felipe lendo acarta do meu pai “no momento certo tenho certeza que você saberá o quefazer.” E realmente, eu sei o que tenho que fazer.
 Fugir desse lado obscuro do sol.
 Fugir dessa imensidão de trevas.
Fugir da minha alma, do meu lado negro.
Tenho que escapar da morte.