POV Thalia Grace

Por um milagre consegui acordar de madrugada. Levantei cuidadosamente para não acordar o moreno ao meu lado e coloquei meus tênis. O tapei direito e lhe dei a sequência de beijos: testa, nariz e bochecha direita.

—Durma bem. –Sussurrei e ele murmurou algo que não entendi logo se aconchegando fofamente nas cobertas.

Procurei seu celular excluindo todos os despertadores marcados para 06h00min. Quando ia desligar o aparelho uma curiosidade súbita se apossou de mim e fui direto na pasta das fotos. A primeira era uma em que todos os garotos apareciam fazendo caretas, me segurei para não rir. A segunda era de um violão, a terceira era dele com o violão, ele toca e não me contou! Tiraria isso a limpo mais tarde; mas entre todas a sétima foi a que mais me impressionou. Era eu. Eu era a sétima foto. Estava na minha carteira, de fones e desenhando no caderno. Não ficou muito feia então a deixei ali. Desliguei seu celular e saí cuidadosamente do quarto fechando a porta logo depois.

Andei pelo corredor passando pelo quarto seguinte e constatando que era de Connor, entrei e o tapei delicadamente desligando a TV que o mesmo deixara ligada. Fechei a porta e continuei andando pelo corredor achando logo em seguida o quarto de Travis, fiz o mesmo com ele, porém tive que desligar o tablet e o arrumar na cama. Fechei as portas e desci para o primeiro andar onde vasculhei tudo até achar caneta e papel. Rabisquei um recado para os garotos e tranquei a porta indo embora de fininho. Com alívio constatei que Connor havia trazido o carro de Nico intacto. Entrei no meu e fui direto para casa. Eram 03h00min.

O caminho todo fui cantando Green Day, o que me tirou um pouco do sono, porém ainda estava super cansada. Eu não era uma grande fã da banda, mas gostava bastante.

Chegando em casa estacionei meu bebê na vaga de costume e subi as escadas calmamente enquanto procurava as chaves em meu bolso. Ao passar no andar abaixo do meu, ouvi alguns gritos vindos de trás da porta de nossa vizinha.

—SEU INÚTIL IDIOTA, EU DEVIA TER TE ABORTADO QUANDO PUDE! TU NÃO ME SERVE PRA NADA GAROTO IDIOTA!—A voz da mulher se destacava. Essa não, pensei, está acontecendo de novo.

—Desculpa... Eu não queria, eu sinto muito mamãe. –Ahh não, era a voz dele mesmo.

—SENTE MUITO É? EU NÃO ME IMPORTO! PRÓXIMA VEZ QUE EU FOR COMPRAR DROGAS EU VOU TROCÁ-LAS POR VOCÊ! NÃO QUE EU ACHE QUE VÃO TE ACEITAR, NINGUÉM GOSTA DE CRIANÇAS INÚTEIS E IDIOTAS! MAS TALVEZ ARRANJEM UMA UTILIDADE PRA VOCÊ!—Gritou e eu tive que me meter.

Ela era minha vizinha desde que me mudei para o prédio. Viciada em heroína e ecstasy se prostituía para ter como comprar as drogas, acabou grávida de um menino. Quando eu tinha 16 anos presenciei ela falando coisas do gênero para Josh, seu filho, que na época tinha 3 anos; ela não percebeu minha presença e bateu nele, eu me enraiveci e nós brigamos, fomos parar na delegacia. Eu fui parar na delegacia, ela foi levada emergencialmente para o hospital. Por ser de menor e quase emancipada, fui liberada com avisos para não quebrar braços e desfigurar rostos de vizinhos. Tentei contar que ela estava maltratando o garoto, mas ninguém me ouviu e deixaram Josh com ela. Desde aquele dia não ouvi mais os gritos. Mas agora estava ouvindo novamente.

A porta estava apenas entreaberta então não precisei arrombar, apenas chutei-a e entrei, me deparando com o garoto no chão chorando e a mãe louca dele em pé o olhando.

—Thalia! –Ele falou em voz baixa se levantando e vindo até mim. Antes de ele conseguir sua mãe o pegou pelo braço e o jogou de novo no chão. Meu sangue estava fervendo.

—CALA A BOCA MOLEQUE. E TU, SAI DAQUI AGORA, ISSO É INVASÃO DE DOMICÍLIO! –Gritou e para meu espanto, ela não estava bêbada nem drogada.

Estava lúcida.

Estava agredindo seu filho, lúcida.

—Não vou sair e você também não vai agredir Josh. –Falei em voz monocórdia.

—Você quer o pirralho? Leva ele pra você! Ele é completamente inútil para mim mesmo. –Ela falou agora com uma careta de nojo. Saiu do lugar onde estava e foi para dentro do apartamento enquanto falava comigo. –Ele estuda aqui no bairro mesmo das 07h00min às 19h00min. Come pouco, eu acho, sei lá. Mas agora some da minha frente com esse garoto. E se você falar para a polícia alegando que eu larguei ele com você eu vou negar tudo. E posso acabar com a sua vida se eu quiser. Não quero mais ver tua cara aqui, nem a desse moleque. Eu nunca quis ele, você está me fazendo um favor garota. –Chegou perto de mim me entregando uma bolsa e me empurrando. Eu não falei nada, estava estática. Aquela mulher estava me entregando seu único filho em troca de estar “livre”. Eu estava completamente chocada. –Adeus menino. Nunca mais olhe na minha cara. –Falou apontando um dedo para ele que chorava agarrado às costas das minhas pernas. Só quando ela bateu a porta na nossa cara e eu ouvi as gargalhadas dela lá dentro é que eu entendi o que houve. Josh ainda chorava mas tinha me largado e pegava a bolsa da minha mão.

—Tchau Thalia. –Sussurrou com a voz embargada e começou a andar em direção às escadas.

—Aonde você vai? –Perguntei incrédula.

—Parar de incomodar as pessoas. Parar de ser um incômodo. –Logo que ele começou a falar eu já sabia a origem de suas palavras. Provavelmente sua mãe ficava repetindo isso para ele.

—Você não é um incômodo para mim. –Falei e ele voltou seus olhos para meu rosto. –Você gostaria de morar lá em casa? –Perguntei ficando de joelhos para deixá-lo uns dois centímetros maior que eu.

—Eu não ia incomodar? –Perguntou com uma ponta de esperança na voz abaixando a cabeça novamente.

—Hey garotão, você nunca vai ser um incômodo tá? Se você quiser morar lá em casa, você vai morar lá em casa. –Dei um sorriso afetado e ele levantou a cabeça sorrindo e vindo em minha direção.

—Eu quero. –Falou com um sorriso fofo e eu o abracei, não o deixei ver, mas uma lágrima havia rolado de meus olhos.

Apesar de ser um garoto incrível, ninguém queria ele. E agora eu tinha a chance de ajudá-lo a não se tornar uma pessoa ruim. Talvez eu tenha privado ele de algumas coisas que não devem ser descobertas nessa idade. Talvez eu o tenha privado de depressão. Talvez eu o tenha privado de uma infância problemática. E saber que eu podia privá-lo de tanta coisa que ME atormentou na infância era uma das melhores sensações que eu já tive.

Talvez eu estivesse chorando porque tinha a oportunidade de não deixar que ele se tornasse o que eu me tornei.

Quando nos separamos peguei sua bolsa e fiz sinal para que ele me seguisse. Chegando no nosso andar abri silenciosamente a porta e dei passagem para ele entrar. Joguei minhas coisas na pequena estante que ficava perto da porta e olhei em volta notando que Percy e Annie continuavam ali só que mais “confortáveis”. Fiz sinal para Josh e fomos pra cozinha, fechei a porta atrás de nós para não acordarmos a casa inteira. Deixei meu celular em cima do balcão e fui até a geladeira.

—Você quer comer alguma coisa? Tenho leite com biscoitos, gosta? –Perguntei e ele assentiu olhando tudo com seus grandes olhos castanhos. Apontei a mesa para ele que se sentou enquanto eu pegava leite, os biscoitos e os copos. Eu devia ter oferecido algo melhor, mas estávamos completamente necessitadas de comida. Tirei o leite da geladeira o colocando em cima da mesa e fazendo o mesmo com o pacote de biscoitos. Fui pegar os copos e não vi meu celular no balcão e acabei o empurrando, sem força, mas mesmo assim ele caiu fazendo um “CRACK” deprimente. Peguei os copos e coloquei na mesa pra depois ir ver o estrago. Me ajoelhei no chão e percebi que a tela estava trincada. Pelo menos ainda vai funcionar.—Pensei me culpando loucamente. Mas de repente ele estava desligando sozinho com um “Bye Bye (:” repugnante. Tentei ligar de novo mas ele não ligou.

—Você não vem? –Josh me perguntou da mesa.

—Mas é claro. –Sorri para ele e tirei o chip, a capa e o chip de meu Iphone, joguei a carcaça no lixo e limpei os cacos logo indo para mesa. Nos servi de leite e abri o pacote de biscoitos. –Quer faltar à aula hoje? Temos que ir atrás de algumas coisas para você e de um celular novo para mim. Que tal? –Perguntei molhando um biscoito preguiçosamente no meu leite.

—Tudo bem. Hoje eu não teria aula mesmo. –Falou brincando feliz com seu leite.

Ao acabarmos lavei tudo e deixei escorrendo na pia. Levei Josh até meu quarto e pedi para ele se trocar no banheiro. Coloquei meu pijama rapidamente e arrumei a cama para ele. Depois arrumei o sofá para mim e esperei Josh sair do banheiro.

—Ok garotão, pode dormir na cama, deixei alguns cobertores aqui. Se tiver frio pode pegar tá? Qualquer coisa estou aqui no sofá. –O ajudei a se cobrir e ele assentiu.

—Obrigado Thalia. –Murmurou no limite da consciência. Lhe beijei a testa, a ponta do nariz e a bochecha direita, logo indo me deitar em meu aconchegante sofá. Fiquei pensando nas garotas, será que não ligariam de Josh morar conosco? Afinal, ele começa as aulas antes de nós e acaba antes também, mas nisso eu podia dar um jeito. Antes de dormir rabisquei um bilhete e colei na porta a fechando, logo estava bem instalada em meu sofá e dormia profundamente.

POV Charles

Eu estava me sentindo horrível. Não conseguia me reconhecer naquele espelho de quarto de motel. Cabelos despenteados, olhos vermelhos, costas arranhadas e expressão cansada. As lembranças da noite passada perduravam em minha cabeça atormentada pelo que fiz. Eu tinha superado Bianca, não tinha?! E agora fiz isso, me joguei de cabeça na tentação e o pior, traí Silena. Eu amo tanto ela, como pude?! Me sentia um monstro e o pior de tudo isso é que tinha certeza que o era.

—Levantou cedo, hein? –Bianca me abraçou por trás.

—É. Sim. Tenho que ir embora antes que os garotos vejam que não dormi em casa. –Respondi e tentei ajeitar meu cabelo.

—Fica mais um pouco comigo. Eu vou embora hoje, fica comigo. –Pediu manhosa já beijando minhas costas e passeando suas mãos por ali.

—Vai colocar uma roupa Bianca. Isso nunca deveria ter acontecido e nunca mais vai acontecer. Eu fui fraco, mas não se repetirá; eu não te amo mais. –Disse friamente e me separei dela indo procurar minha camiseta pelo quarto desarrumado.

—Tudo bem. Eu estou indo embora hoje mesmo... E você sempre foi meu brinquedo, desde a época da escola, só você não percebia isso. Eu nunca te amei. Estava com você por ser popular, estava brincando com você. E agora te fiz trair a única garota que te amou de verdade. Acho que a Silene vai ficar muito triste quando souber que seu namorado dormiu com a ex. –Foi falando enquanto me seguia pelo quarto. Acho que até o Percy lesma do jeito que é entenderia a ameaça por trás daquelas palavras.

—É SilenA. –Corrigi, peguei minhas chaves e saí daquele quarto, deixando uma Bianca furiosa para trás. O que faria agora?!

POV Percy Jackson

—Percy... Percy... Acorda moleque! –Acordei com alguém me dando leves tapinhas no rosto. Abri meus olhos e me dei conta que dormi na casa das garotas. Era Silena que me estapeava.

—Que foi? –Resmunguei meio acordado meio sonâmbulo.

—Já está quase amanhecendo, você tem que ir se trocar em casa e eu tenho que conversar com Charles. Posso ir com você? –Me perguntou, mas eu acho que dormi na metade da frase.

—Claro. –Murmurei já fechando os olhos de novo.

—Você tem que levantar pra isso, Jackson. –Abri os olhos e a vi revirar os seus.

—Ok, ok. –Me dei por vencido e levantei cuidadosamente para não acordar a morena que dormira comigo. Logo levei Annie em meus braços para seu quarto. Ela estava dormindo profundamente em meu colo, quando a coloquei na cama e a cobri me permiti observá-la por um tempo. Com um estalo percebi que ela era linda dormindo também, eu via a Annabeth forte e inteligente, mas a Annabeth delicada e tímida se fazia presente também; beijei-lhe a testa e saí do quarto. Quando voltei para a sala Silena já estava me esperando na porta. Ela me apontou algo, quando achei o que ela me apontava ri baixo, tentando esconder a tensão que se apoderou de meus músculos. Na porta do quarto de Thalia tinha uma folha parcialmente colada, que dizia em letras grafais:

“NÃO ME ACORDEM POR NADA NESSE MUNDO! A NÃO SER QUE TENHA ACABADO O CAFÉ NO PLANETA! NÃO VOU PARA A AULA, TENHO ASSUNTOS A RESOLVER. BEIJOS.

P.s Eu vi tudo dona Annabeth Chase e Sr. Jackson”

Peguei minhas chaves e fomos embora.

O caminho foi tranquilo, Londres ainda dormia. Não conversamos muito, mas eu consegui detectar uma certa ponta de ansiedade nela.

Eu só podia pensar em uma coisa durante o caminho: esperava de todo coração que Charles não a magoasse.

POV Charles 

—Charles? Charles, acorda. Sua namorada está aqui. –Abri meus olhos e dei de cara com Percy que me cutucava insistentemente. Depois de chegar em casa eu simplesmente caí na cama e apaguei.

—Diz pra Bianca ir embora. –Resmunguei tentando voltar a dormir.

—Não sua ex namorada, seu palerma. Silena está aqui. E é bom que você desça e fale com ela antes que se torne outra ex. –Falou me olhando carrancudo e saiu do quarto. Merda! Levantei e lavei o rosto, tentando novamente naquela manhã arrumar meus fios desgrenhados. Desci rapidamente a achando na sala. Vê-la ali mexendo as mãos incessantemente e mordendo os lábios proporcionou a mim um aperto no peito.

—Você está linda. –Falei a observando e chamando sua atenção para mim. Ela corou fofamente e sorriu para mim.

—Obrigado. Er... Nós temos que conversar. –Disse respirando pesadamente, apontei para o sofá e me sentei junto dela pegando sua mão. Esta que no meio das minhas parecia pequena e delicada. Esperei em silêncio. –Me desculpe por ontem Charles. Eu errei, fiquei com ciúmes e saí sem me despedir e sem conhecer... Ah, Bianca. Desculpe-me mesmo, não sabia quem ela era, vocês podiam ser velhos amigos se reencontrando e eu simplesmente tenho um ataque de ciúmes e vou embora. Estava errada e espero que me perdoe, você e ela. –Vê-la pedindo desculpas e saber que eu que estava errado na história me deu mais um angustiante aperto no peito. O que eu poderia falar agora? “Você não precisa se desculpar e estava certa por se preocupar porque ela é minha ex e ontem mesmo eu dormi com ela.” Não. Definitivamente não. Não podia. Talvez mais tarde, mas agora não. Bianca iria embora e esse erro seria apagado.

—Eu entendo. E te desculpo. –Acabei por falar e forcei um sorriso, ela sorriu largo e me abraçou. Engoli o nó que se fez na minha garganta.

Eu não a merecia. Ela não merecia o que eu fiz. Eu não a merecia. Eu não devia ter feito aquilo. Eu não a merecia. Eu devia contar a verdade. Eu não a merecia. E apesar de saber tudo isso, não contei a verdade. Só por egoísmo. Eu não conseguia me imaginar sem ela, era tarde demais, eu já a amava; e não a merecia.