Uma pilha de corpos surgia diante de Kanda, mas ele não se importava com a visão; nenhum dos golpes foi letal e os finders acordariam em algum momento. Com os nervos a flor da pele, o exorcista considerava a possibilidade de varrer a mansão atrás de Allen só para ter uma luta mais difícil e extravasar a irritação.

No dia seguinte, uma semana após o fim das filmagens, ele estaria enfiado no meio de pirralhos para mostrar golpes de kendô e se segurar pra não quebrar o crânio de nenhum deles. Estava demorando para o maldito trapaceiro aprontar algo do gênero e ele foi obrigado a aceitar em parte porque não podia lutar de novo na frente daquela dupla de gente em miniatura e por respeitar, dentro de seus próprios limites, seu colega de classe Morinozuka.

Utilizaria o mesmo tratamento a Haninozuka se não fosse o ‘Yu-chan’.

Não tão distante dali o jovem Yasuchika também se preocupava com o evento e apesar de suas funções com os Clubes de Judô e Caratê, ele estaria presente de olho no estranho garoto de rabo de cavalo. Seus instintos não costumavam falhar em se tratando de pessoas e ele sentia em seu âmago que o cara era perigoso.

Mas por hora, isso não atrapalhava a vida do Host Club em nada.

O colegial tinha sido dispensado das aulas por um dia e enquanto Kanda se preparava para dar uma de sensei, Lenalee e Allen comentavam animadamente com os poucos membros da Ordem que ali viviam com eles sobre os planos. Lenalee iria a um café organizado para os Clubes de Literatura, Ikebana e Artes, dos quais não era membra, mas tinha se tornado amiga de boa parte dos alunos que os formavam. Já Allen descansaria de suas funções de Host e passaria um dia na casa de Haruhi estudando.

Suas notas eram boas, mas não o suficiente para ele ficar tranquilo. Para se manter na turma A e dispor de todos os privilégios ele devia ter uma família influente e boas notas; o primeiro era facilmente arranjado pela Ordem e o segundo dependia dele mesmo.

Nem imaginava como Kanda se mantinha sem problemas.

A chinesa por outro lado, foi para seu quarto com pensamentos mais profundos que os dramas escolares dos dois companheiros. Saudades. Ela precisava desesperadamente falar com seu irmão e seus amigos que ficaram no passado e tinha certeza de que acabaria sucumbindo ao desespero se essa missão se arrastasse por mais tempo; estava confusa entre o desejo de rever Komui e o desejo de ter aquela vida próxima da normalidade por mais tempo.

Nenhum dos três dormiu muito bem, mas o dia seguinte veio, com suas obrigações e surpresas para cada um deles.

...

Kanda nunca se sentiu inclinado a visitar os prédios do ginasial e acabou se perdendo um pouco antes que um funcionário o orientasse até seu destino. Morinozuka e Haninozuka estavam lá, mas ele não tinha ideia de quanto tempo ficariam ali como apoio moral. O que no fim das contas não servia para nada para pessoas com a personalidade como a dele.

O Clube de Kendô onde ele estava não era muito diferente do seu; talvez um pouco menor e menos estoico. Depois das devidas apresentações, ele suspirou fundo e começou a dar leves demonstrações, arrancando gritinhos de admiração da plateia mirim que acabaram, mesmo que apenas um pouco, inflando seu ego.

Ele deu uma pausa, na qual os meninos lhe fariam perguntas em relação a sua técnica e coisas do gênero antes de ele dar uma aula para o Clube; essa era a parte que deixava seus colegas de classe um tanto quanto apreensivos e o real motivo de estarem ali. Porque querendo ou não, já conheciam bem a personalidade dele.

Tudo de certa forma ia bem, até uma série de gritinhos do lado de fora, que ocorriam há algum tempo, começassem a beirar o insuportável. Mais que irritado, o garoto escancarou a porta e em questão de segundos se viu completamente cercado; os olhares fixos e com um brilho anormal, os sorrisos aterrorizantes e a ausência de intimidação.

Não havia como escapar e ele estava ali, naquela situação a vista de todos os outros.

-Como você deixa seu cabelo tão bonito?

-Você costuma vir para cá ensinar os garotos?

-Tira uma foto comigo, Kanda-sempai?

-Você está namorando?

-Pretende entrar pro Host Club?!

Por mais que ele visse, não havia outra forma de sair dali sem responder os apelos e perguntas sem fim do que lhe parecia metade das meninas do ginasial; se ele as atacasse, afugentasse ou ameaçasse (o que eram, diga-se de passagem, as únicas coisas que realmente passavam pela sua cabeça) moyashi, Lena e todos os outros da Ordem iriam lhe atormentar por meses sem fim e por isso não valia o esforço. Bufando e reunindo a pouco paciência que ele tinha (não que ela estivesse abaixo do normal e que ela é escassa sempre mesmo), sentou-se no chão de frente ao dojo e disse:

-Uma de cada vez. – elas sorriram e mudaram a formação pra algo mais arrumadinho.

-Como você deixa seu cabelo tão bonito?

-Não faço nada demais. Lavo com sabonete.

-Você costuma vir para cá ensinar os garotos?

-É a primeira vez. Não sei (praticamente zero as chances) se haverá outras.

-Tira uma foto comigo, Kanda-sempai?

-Que seja. – foi um verdadeiro tumulto ali, pois todas queriam uma foto sozinha com ele, uma foto com ele e as amigas e uma foto com ele e todas as meninas ali presentes. E claro, uma foto com ele, todas as meninas ali presentes, o Hani-sempai e o Mori-sempai.

Em um determinado momento, Kanda resolveu se desligar da realidade e saiu com a mesma expressão zangada e vazia em todas as imagens.

-Você está namorando?

-Não. – as meninas deram vários gritinhos e cutucaram umas as outras, sem se dar conta de que ele estava vendo tudo.

-Pretende entrar pro Host Club?!

-Jamais.

-Mas recentemente você os ajudou na produção de um filme certo?

-Caridade. – respondeu ele, ao mesmo tempo em que pensava ‘até onde essa desgraça de filme vai chegar??!’ e seus colegas de classe trocavam um olhar bem significativo ao uso da palavra caridade vinda da boca dele, ignorando o fato de as colegas de classe de seus irmãos terem acesso a Live Actions de temática homossexual.

-Uma última pergunta. – disse uma menina, interpretando a expressão dele de agonia com o filme como agonia com as perguntas, embora ela não estivesse longe da verdade. – Pode nos dar um ensinamento Kanda-sempai?

Kanda estava prestes a explodir; por culpa do infeliz do moyashi ele era obrigado a dar aula pra pirralhos e agora pirralhas também! Lembrar dele o lembrou do Host Club e, com um sorriso matador e um olhar gélido, ele disse.

-Entre um homem belo e um com honra, sempre escolha o homem com honra.

E depois disso entrou e fechou a porta na cara de sua legião de fãs mirins, embora elas achassem a atitude muito máscula e estivessem delirando.

E ainda por cima os meninos o fitavam com adoração.

Yasuchika se mantinha de canto com um pose arrogante e introspectiva, observando tudo por cima de seus óculos para ter uma visão correta do que de fato estava acontecendo. Ele não conseguia sentir simpatia pelo estranho garoto, mas era obrigado a admitir, sendo um especialista na arte da luta como todo e qualquer Haninozuka, que ele era um guerreiro formidável e o tipo de pessoa com a qual não se entra em conflito sem uma boa razão.

Ele esperava sinceramente não ter essa razão.

Quando estava prestes a acabar a pausa e dar início as aulas, os dois celulares de seus colegas do terceiro ano tocaram repentinamente, sobressaltando a todos. Eles atenderam e com meia dúzia de cochichos ansiosos se viraram para a turma com um olhar de quem pede desculpas.

-Eu e o Takashi vamos ter que dar uma saidinha agora pra resolver uns problemas, mas esperamos que respeitem o Yu-chan e seus ensinamentos certo?

-Sim Hani-sempai e Mori-sempai!! – berraram os pequenos com uma reverência em resposta.

-Até mais Yu-chan!

-Tsc.

-Até mais Chika-chan!

-Não fale comigo seu alien!

-YAAAASUUUCHIII....

-Satoshi. – a voz de Mori-sempai o calou.

-Sim, Taka-nii??

-Comporte-se.

E assim os dois se foram e pouco tempos depois o Haninozuka mais jovem sumiu também, sem deixar explicações. Mas Kanda ainda se sentia estranhamente observado por alguém.

...

Lenalee estava tendo um dia agradável; Kanda foi o primeiro a sair e Allen foi um tempo depois, deixando a menina em paz para se arrumar sem ter que parar as frequentes discussões dos dois. Fazia tempo em que não curtia uma refeição em paz.

Ela e seus colegas de diferentes clubes se encontraram em um café de excelente qualidade, que pertence à mãe de um deles e estava especialmente fechado para a ocasião. Com conversas suaves e risadas despreocupadas, mais um dia no ritmo daquele colégio ia passando e ela deixou de lado suas obrigações para se entregar a conversas sobre viagens, antiguidades e casas no campo.

Mas alguma coisa a atormentava: um comichão que a induzia a olhar para os lados de tempos em tempos, aquela sensação de que se está queimando sob o olhar de alguém que nunca era flagrado por mais que a menina procurasse.

Quando ela estava voltando a relaxar uma movimentação anormal dentre os alunos chamou a atenção de todos, que apontavam pela janela e pareciam um tanto quanto chocados. Preocupada com as recentes aparições de akumas, a menina saiu de sua mesa para checar se não encontrava nada suspeito e o que viu a fez arregalar os olhos.