-Maldição!

Gajeel praguejava seus costumeiros insultos,ao dar uma olhada no exterior da guilda pela janela,e não conseguir ver mais do que dois metros adiante.A chuva pesada castigava Magnólia,e,somada com a noite avançada,não permitia que nenhum imbecil atravessasse aquele caos.

Ele teve vontade de socar algo ou alguém,mas o lugar estava completamente vazio e escuro;quem sabe aquilo o ensinasse a não dormir debaixo dos balcões da guilda,pra que não perdesse o horário e fosse trancado,sozinho,naquela droga de lugar,numa das piores noites do ano.Nem ir embora ele podia:os raios e trovões,sua constituição e experiências passadas indicavam que era uma péssima idéia.

-E onde diabos o Lily se meteu?Aquele gato! - Provavelmente estava em casa,se perguntando a mesma coisa sobre o parceiro que não vira a tarde toda. - Kuso!

Se conformou que teria de ficar ali mesmo naquela noite,e ficou pensando em alternativas razoáveis.Os bancos?Não,desconfortáveis demais.O chão?Suas costas doloridas imploravam que ele não fizesse aquilo de novo.

A biblioteca!

Lembrou-se que eles tinham uma biblioteca na guilda,um lugar em que ele só entrara uma vez,mas que sabia ter poltronas e sofás confortáveis;poderia ficar ali até a chuva passar,ou no pior dos casos,até amanhecer.

Caminhou desligado,pegando uma caneca abandonada no caminho e mastigando-a distraído.Nem percebera que estava faminto.Nessas horas,era bem vantajoso ser um Dragon Slayer do metal,a comida era mais fácil de ser conseguida.

Ao chegar lá,percebeu feixes de luz vazando pelas laterais e por baixo das portas fechadas,e franziu as sobrancelhas.Certamente alguém se esquecera de apagá-las.Abriu as portas e,depois de entrar,tornou a fechá-las.Dirigiu a mão ao interruptor e,quando ia desligá-lo,foi interrompido por um grito:

-Não faça isso!

Olhou para frente,surpreso,e observou a pequena figura diante dele.Pálida e com uma expressão mista de surpresa e medo,Levy olhava para o chão,evitando fitá-lo.

-Baixinha?O que faz aqui? - Sua curiosidade era genuína.

-B-bem...fiquei presa,estava tão entretida que não vi o tempo passando e,quando fui sair,estava escuro e chovendo,e então... - Um trovão interrompeu sua narrativa,e ela saltou,assustada.Gajeel baixou a mão e deu um sorrisinho malicioso. - E-e você?

Ele deu de ombros,e fingiu desinteresse. - Cochilei e me prenderam aqui.

-Porque não foi pra casa?

-Metal e raios.Não são uma combinação muito agradável,você viu na luta contra aquele moleque do Laxus.

Ela assentiu,e ele se perguntou como alguém como Levy tinha deixado escapar um detalhe tão básico.

Mas ela tinha suas próprias preocupações ali.

Ficaram em silêncio por alguns segundos,Gajeel encarando-a e Levy olhando pra baixo.Parecia vermelha.

O clima estava meio incômodo,e ela não tinha intenções de quebrá-lo.

-Bom,eu vou me sentar um pouco,a noite vai ser muito longa. - Deu alguns passos para o lado,em direção às poltronas.Viu que ela não tinha se movido. - Pegue seu livro e sente aqui também,baixinha.Ou prefere ficar sozinha?

Ela negou tão rápido que ele temeu que tivesse uma torcicolo.Correu na direção dele,e sentou-se ao seu lado.Mas não carregava livro algum.

-Não vai lr nada...

-A-ah,eu me esqueci,j-já vol- Teve a frase interrompida mais uma vez,mas por um clarão forte,seguido de um estrondo ensurdecedor e da escuridão total. - KYAAAHHH!!!

-Uau,esse foi dos fortes!O transformador deve ter sido afetado. - Ela não respondeu. - Ratinha?

Ao virar a cabeça,apertando os olhos devido à escuridão,Gajeel não sabia bem o que sentir ou como reagir,ao vê-la encolhida em posição fetal ,apertando a cabeça com os braços e gemendo de medo,baixinho.Sua audição apurada lhe permitia ouvir as batidas frenéticas do coração dela.

Entendeu na hora.Ela estava morrendo de medo.

Tocou seu braço de leve,e viu que estava gelada também.Suspirou,pensativo.

-É o escuro,ou são os trovões?

-H-heim?

-Qual deles está te apavorando?

Levy não respondeu por alguns segundos,e Gajeel estava começando a se sentir impaciente.

-Se não quer dizer,não diga,eu estava tentando ser legal pra variar!

-Os dois... -  Murmurou baixinho.

-O quê?

-Os dois...m-meus pais,eles foram mortos...em uma noite como essa...tenho medo dos trovões...medo de ficar sozinha no escuro...m-muito medo...

Ela parecia uma criança pequena,e Gajeel sentiu o cheiro de água salgada.Droga,ela estava chorando!

Existem certas coisas que deixam um homem hesitante,e uma delas era uma garota chorando.Ainda uma como Levy,tão pequena e indefesa;isso ativa os instintos protetores de qualquer um!

Mas ele não tinha a menor idéia do que fazer.

-Olha,baixinha...

Enquanto olhava pra frente,sentiu seu braço ser agarrado por mãos macias,e um rosto encharcado escondia-se entre ele e o tecido da poltrona.

-Arigatou,Gajeel.

Ele ergueu a sobrancelha mais uma vez.- Pelo quê?

-Por estar aqui...

Ele ficou parado,entre a surpresa daquele momento e a vontade de puxá-la pro seu colo,e abraçá-la até que todo o medo dela fosse embora.

Mas é claro que ele não faria isso.O orgulho falava mais alto.

Mas se permitiu dar um passinho a mais:passou a mão do braço livre pelos cabelos macios dela,e um dos dedos lhe percorreu a bochecha,já quase seca.Acompanhou,lentamente,os ritmos cardíaco e respiratório diminuírem e se estabilizarem,até que um ressoar baixo lhe indicou que ela havia adormecido.

Gajeel sorriu de escanteio,o caos lá fora quase que totalmente esquecido.Aproveitando o sono profundo dela,apoiou o queixo sobre sua cabeça,aspirando aquele aroma doce e atraente.Fechou os olhos e esperou que aquela porcaria de noite acabasse,pra que ele acrescentasse mais aquele tormento à sua lista de "Motivos para xingar cada dia que começava":a droga do perfume da ratinha de livros.

Um perfume tão bom que ele bateria em quem o inventou,se pudesse.