— Quem é você? — o homem de cabelos vermelhos perguntou.

— Meu nome é Remote Heart. Eu...

— Não estou interessado no seu nome — o homem cortou, friamente. — Quem é você?

Remote Heart observou seu interlocutor por um momento, e então sorriu.

— Eu sou quem eu tiver que ser.

O homem sorriu também, quebrando a máscara de indiferença.

— Você é o sumido da Zona 4? — perguntou, e Remote Heart assentiu. — Eu sou Party Poison. Ei, apresentem-se.

— Jet Star — disse o homem de cabelos armados, com um sorriso simpático.

— Sou Kobra Kid — falou o loiro, ainda tão impassível quanto antes.

— E Fun Ghoul aqui — disse o moreno, piscando rapidamente.

Remote Heart acenou a cabeça para todos eles, e se virou para a menina, que observava tudo calada.

— Você...?

— Ela não é ninguém — cortou Party Poison, novamente em um tom gélido. — Você nunca a viu aqui. Entendeu?

Remote Heart assentiu, cauteloso, mas a menina não pareceu se intimidar.

— Meu nome é Grace. Eu não tenho um nome de killjoy ainda — ela falou e, ignorando o olhar assassino de censura que Party Poison lhe lançou, prosseguiu: — Não escolhi e nenhum deles quer me ajudar. Você pode me ajudar?

Remote Heart quis conversar com ela, mas percebeu que, por enquanto, era melhor fazer a vontade do chefe daquela área.

— Depois eu te ajudo — disse rapidamente, e se voltou para Party Poison. — Olha, vou ser direto. O que eu preciso para me unir a vocês?

Os killjoys trocaram olhares intrigados.

— Sinto muito, mas isso não será possível — Kobra Kid falou, muito formal.

— Tem certeza? — a voz de Show Pony sobressaltou a todos. Ele estava recostado sobre uma mesa, parecendo distraído, mas obviamente prestando toda a atenção à conversa. — O que não será possível é deixar um killjoy como Remote Heart voltar a andar sozinho por dias entre as zonas. É o mesmo que mandá-lo de volta para a forca, logo depois de ele ter saído.

— Nós nunca falamos que seríamos uma salvação — disse Party Poison. — Ele veio aqui porque quis, poderia ter procurado qualquer outro grupo.

— Mas procurou vocês — Show Pony respondeu. — E vocês pretendem despachá-lo assim?

— Não é problema nosso — retrucou Party Poison, irritado.

— Ah, é sim — Show Pony continuou. — Não está ouvindo ao Dr. D. nos últimos dias? Remote Heart sumiu da Zona 4 logo depois do corpo de sua companheira ser encontrado em suas antigas instalações.

— E?

— E você não acha que é muita coincidência?

Party Poison franziu a testa, não entendendo aonde o outro queria chegar.

— Você quer dizer que ele a matou?

Remote Heart suspirou. Tinha esperado que esse assunto não aparecesse tão rápido, mas já que apareceu, ele precisava se explicar.

— Ela era uma espiã. Descobri os comprimidos da BLI nas coisas dela e a apaguei.

Fun Ghoul lançou-lhe um forte olhar de pena, claramente comovido pelo killjoy ter tido que fazer essa escolha. Remote Heart deu um sorriso fraco para ele, agradecido.

— Sinto muito — Party Poison disse rapidamente, e se voltou para Show Pony. — Mas o que isso tem a ver com a gente?

— Pense, Party. Se ele for descoberto, não será sequer levado como prisioneiro, será morto na hora, porque descobriu sobre a espiã, e o pior, já sabe reconhecer os efeitos dos comprimidos. A BL/ind não pode arriscar tê-lo livre, e exatamente por isso ele é importante pra nós.

— Então espero muito que não o peguem.

— Deixa de ser teimoso! — Show Pony exclamou, exasperado. — Ele não pode voltar para o deserto. Precisa de proteção, precisa ser invisível, e vocês já estão escondendo uma pessoa, de qualquer jeito.

Ele apontou para a menina, sentada em uma cadeira ao lado dele.

— Mas por que nós? — Party Poison perguntou, quase em tom de súplica.

— Porque é aqui que ele veio parar. Foi pra cá que Dr. D. o guiou. E vocês não vão negar ajuda a um killjoy. Ou já estão esquecendo o significado de fazer parte de um exército? Um por todos, todos por um.

— Mas...

— Estou comunicando uma ordem do Dr. Death, Party. Se não quiserem aceitar, problema de vocês.

— Ele nem sabe que esse cara tá aqui! — Jet Star exclamou, incrédulo.

— Claro que sabe. Eu já o avisei antes de chegar.

Party Poison bufou. Remote Heart não arriscou fazer nenhum comentário; por mais que odiasse ser tão indesejado assim, sabia que fora realmente sorte o que o manteve vivo até agora, e que não podia voltar a ficar sozinho. E mais do que isso... não queria. Ele precisava de companhia, mesmo que não precisassem da dele. E não fora sempre assim?

— Sem querer quebrar a tensão — Fun Ghoul falou, atraindo a atenção de todos. — Mas nós devíamos estar correndo, lembram?

Suas palavras tiveram um efeito imediato. Todos os killjoys, exceto por Remote Heart e Show Pony, começaram a se arrumar, colocando jaquetas, pegando suas armas e ajeitando suas mochilas.

— Você — disse Party Poison, mirando o recém-chegado. — Decidiremos o que fazer com você depois. Agora você não pode vir conosco. Show Pony, leve ele pro Dr. D.

Show Pony suspirou, mas assentiu e se encaminhou para a saída.

— Vem — chamou, e Remote Heart o seguiu hesitante, deixando para trás os killjoys agitados e só recebendo um aceno de despedida da menina e de Fun Ghoul. É, já estava decidido quem eram seus favoritos do grupo.

No deserto, Show Pony patinava lentamente, para poder acompanhar os passos de Remote Heart, que não demorou a falar:

— Onde eles estão indo?

— Fugindo. A BLI está atrás da menina e aparentemente recebeu informações de que ela está aqui. Eles têm que se esconder.

Remote Heart franziu a testa, confuso.

— Por que a BLI está atrás dela?

— Não sabemos.

— Então por que a estão protegendo?

Show Pony virou a cabeça para ele. Era estranho falar com alguém com um capacete fechado, mas todos já estavam acostumados com esse detalhe de Show Pony. Ele nunca tirava o capacete.

— A mãe dela pediu — ele explicou. — Os quatro killjoys que você acabou de conhecer estavam em Battery City, e tentavam salvar uma mulher. Acho que ela era importante para eles, mas nunca falam dela. Só sei que ela já não tinha salvação, e seu último pedido antes de ser levada foi que cuidassem de sua filha. E é o que estão fazendo.

Remote Heart se calou, pensativo. Permaneceu remoendo as novas informações até chegarem a uma casa de madeira, de tamanho médio.

— Ei, Pony, você demorou...

Dr. Death deixou a frase morrer quando viu Remote Heart.

Ele era um homem corpulento, de barba, óculos escuros e uma bandana cobrindo sua testa. Estava sentado na frente de uma mesa com diversos objetos e aparelhos. O resto do lugar não era diferente; pôsteres, bandeiras e placas cobriam totalmente as paredes e máscaras estavam espalhadas por outras mesas.

— O que você está fazendo aqui? Deveria ter ficado com...

— Eles não o quiseram — Show Pony falou, encostando-se em uma mesa; esse era um gesto bem típico seu.

— Ainda — Remote Heart achou que devia acrescentar.

— Aquele Party Poison... — Dr. Death disse, balançando a cabeça. — Ele é um ótimo líder, mas é muito cabeça-dura. Tenho certeza que Fun Ghoul não teria criado problemas.

— Não mesmo, o Fun é um doce — Show Pony comentou. — Mas nunca fica contra o Party, né?

Os dois se entreolharam e deram uma risadinha divertida que Remote Heart não entendeu.

— Bem, acho que não temos mais o que fazer se não esperar — Dr. Death prosseguiu. — Depois que os Dust Angels acharem um bom lugar para esconder a menina, eu mando você pra eles.

— O nome do grupo deles é Dust Angels?

Dr. Death assentiu.

— Na verdade esse é um termo para quem vive nas zonas, mas eles quiseram usá-lo como nome — ele deu de ombros. — Fique a vontade, Remote. E por favor, tente não desaparecer assim da próxima vez, ok? Ficamos preocupados.

— Desculpe. Eu não estava pensando.

— Eu sei. Sinto muito por Black Flower, de verdade.

Remote Heart não respondeu. Arrumou um lugar no meio da bagunça e sentou.

Entediado, ele observou Dr. Death comandar sua estação, falando com diferentes pessoas através de celulares estranhos e vez ou outra dando informações codificadas pelo rádio.

— 411 para vocês, Crash Queens; a rodovia 54 na zona 3 acabou de ter uma festa de porcos, então talvez vocês queiram correr para outro lado.

Show Pony era um ótimo conversador, e conseguiu animar Remote Heart durante o dia. Eles sempre se viram poucas vezes, e agora pareciam velhos amigos que se reencontravam, falando sobre todo o tipo de assunto. Remote Heart acabou se sentindo feliz por não ter ido com os Dust Angels.

Não demorou muito para terem alguma ação. Show Pony ouviu algo do lado de fora, mas antes de conseguir ir checar o que era, um Draculoid apareceu de repente e agarrou Dr. Death, gritando.

— ONDE ELES ESTÃO?

Ele nunca obteve uma resposta. Remote Heart sacou sua raygun e a disparou contra a cabeça do intruso em dois segundos. Ele ajudou Show Pony a se livrar do corpo e voltou ao estado de tédio que se encontrava antes. Pelo jeito, ninguém achou o ataque estranho. Com os Dust Angels tão desejados, era de se esperar que a BLI fosse mandar pelo menos uma pessoa para cada canto ao procurar por eles.

Depois de algumas horas, quando já escurecera, Dr. Death recebeu uma ligação de Party Poison.*

— Qual a situação? — ele perguntou, e colocou o outro no viva-voz.

— Não tão boa. Conseguimos escapar de uma perseguição por pouco, e acho que o Korse não ficou muito feliz. Arrombamos uma máquina da BLI e temos comida e armas deles, mas não estamos segu... O que foi isso?

Ouviram algumas vozes do outro lado, e todos ficaram tensos.

— Tenho que desligar, acho que ouvi alguma coisa.

O barulho sumiu e minutos de um silêncio horrível se seguiram. Eles não sabiam o que esperar. O que estaria acontecendo com os Dust Angels naquele momento? Remote Heart se sentiu inquieto, pensando que poderia muito bem estar ajudando ao invés de enfurnado em um lugar quente daquele sem nada de interessante para fazer; além de falar com Show Pony, claro.

Sem mais novidades, eles se retiraram para outro cômodo — Remote Heart só notou uma porta lá quando ela foi aberta — e foram dormir. Um colchão velho foi usado pelo convidado, ao lado da cama de Show Pony, e os dois conversaram aos cochichos até o sono vencê-los.

No dia seguinte, bem cedo, foram acordados por um barulho irritante vindo da cama de Dr. Death. Era o telefone tocando.

— Party, o que aconteceu? — ouviram Dr. Death falar imediatamente, como se estivesse acordado esse tempo todo.

— Eles...

Party Poison, novamente no viva-voz, parecia ter dificuldade para continuar.

— Eles o quê?

— Eles a pegaram.