Puxei a fita azul que prendia meu cabelo e encarei meus olhos no espelho. Nunca havia chorado tanto por alguém - nem mesmo por meus pais - nos 17 anos de minha vida.

Matt havia sido um bom tio. Não chegava perto de Addie, mas tentara. Na verdade eu nunca quis eleger um melhor. Queria os dois por perto como havia sido antes que aquilo acontecer. Desde antes de Laura acontecer.

Tia Addie costurava sapatinhos enquanto eu lia um livro no sofá. Levantei os olhos ao ouvir a agulha se chocando contra o chão e não gostei do que vi.

- Ester, ligue para seu tio - Tia Addie estava com a mão direita ensanguentada por cima da barriga grande de 5 meses e respirava fundo. - Mande-o para o hospital e chame uma ambulância. Rápido.

Não sei o que a mantivera calma. Geralmente Tia Addie era descontrolada, e eu realmente esperaria que esse seria um dos momentos em que ela entraria em pânico. Mas ela não entrou, e o fato de ela amar tanto aquela criança foi o que me fez ficar boquiaberta diante de sua calma. Ela estava perdendo o bebê, e essa calma seria tão cega que não a permitira enxergar isso. Ou ela não estava acreditando no que estava por vir.

- Tio Matt, acho que a bolsa estourou. Vá pro hospital agora, eu vou chamar uma ambulância para Addie.

Cerca de 10 minutos depois Tia Addie já não aguentava, eu presumira que a dor fosse forte, e então a ambulância chegou e levaram-na para o hospital e deram entrada na cirurgia para tirar o bebê morto.

Laura estava morta. Assim como Tio Matt estava agora.

Depois do aborto o casamento não aguentou. As brigas eram constantes e os dois não se sentiam mais íntimos. Queriam muito o bebê, ele era a estrutura que mantinha o casamento. Seis meses depois, se separaram. Tio Matt fora morar sozinho e às vezes eu ia visitá-lo. Não se envolveu com nenhuma outra mulher depois do ocorrido, eu sabia que ele queria voltar para Addie. Ele sabia, ela sabia e nenhum dos dois entrou no assunto. Tia Addie não queria – o que sempre me fez pensar que ela só usara o motivo do aborto pra não dizer que não queria mais Tio Matt e que a única condição dos dois ficarem juntos seria o bebê.

Lavei o rosto na intenção de amenizar o inchaço e a vermelhidão da noite passada. Tomei um banho, vesti uma roupa qualquer (roupa da Ester) e desci as escadas.

- Você notou algo diferente? Sua sobrinha, talvez? Porque nenhuma doença foi identificada, apenas a morte natural.

Morte natural. Ouvir aquilo me aliviou. Eu sabia que o que quer que tivesse acontecido não importaria. Se era a hora dele, que fosse.

- Tia Addie, estou indo na casa do Tio Matt pra encaixotar as coisas. Vou começar a arrumar tudo e encaminhar amanhã.

- Você tem certeza disso, Ester?

- Tenho. Vou pegar tudo e depois chamo alguém pra me ajudar.

- Minha sobrinha quer se mudar pra lá. Matt deixou alguns seguros de vida em seu nome, e temos mais a pensão de meu irmão, pai dela. Ele era militar.

- Fico feliz que ocupem a casa. Mas, voltando ao assunto, não notaram nada diferente?

Ester saiu da casa e entrou no carro. Ligou o som bem alto e deixou que a música falasse por si. Seria bom economizar nas palavras agora que a vida exigiria atitudes drásticas.