Sentei-me na minha cama, e afundei a cabeça em minhas mãos­, ela latejava. Talvez pelo fato de eu ter passado a noite inteira construindo e destruindo um pequeno robô promocional que agora andava retardadamente pela minha cabeceira, o que poderia ser hilário, se a minha cabeça não estivesse em chamas, ou se o dia não fosse aquele. Com isso que dizer, era dia da colheita.

Batidas fizeram minha cabeça doer mais. Uma fresta de luz interrompeu a escuridão completa e confortável que era o meu quarto.

-Vamos filha – A voz da minha mãe soou doce e serena – Você tem que se arrumar. Faltam 30 minutos.

Peguei o relógio que tinha na minha cabeceira. Ele tinha vários fios e engrenagens para fora, resultado da última vez que eu havia tentado entender o seu funcionamento, quando tinha por volta de 7 anos. Mas ele ainda funcionava, e com 12 anos havia feito dele um despertador.

Levantei-me como uma morta-viva da cama, e me dirigi ao meu armário, peguei um vestido azul, com a mesma cor invejável dos olhos de minha mãe. E o vesti, lerdamente. Descobri então que ele estava mais curto do que no ano anterior, já estava mais de 5 dedos a cima do meu joelho, o que me incomodava extremamente. Revirei o armário em busca de algo bom, mas lá não havia nada além das minhas roupas do dia a dia sujas de graxa.

Contentei-me com aquele vestido, e fui até o banheiro como intuito de prender meus cabelos, o que era tarefa quase impossível, contando que eles eram muito curtos, fiz então um simples rabo de cavalo que tinha o mesmo tamanho de um coque e deixei uma mexa cair sobre o meu olho esquerdo.

Sai em cima da hora, encontrei minha mãe, meu irmão e meu pai a minha espera na cozinha, todos era extremamente parecidos, com cabelos negros como o carvão e olhos azuis como o céu, fazendo-me parecer completamente deslocada.

Nós saímos, e caminhamos lerdamente até a praça do distrito, onde estavam apinhados todos do distrito 3 menos os que abeiravam a morte. Entrei na fila dos de 14 anos, todos ali da minha sala na escola. Pensei rapidamente como eles reagiriam se fossem escolhidos, me divertindo com a ideia de Katie desmaiando.

-Senhoras e senhores! Bem vindos a 56ª edição dos Jogos Vorazes! – Saudou Ady a nossa representante, como seu retardado sotaque da capital – Hoje vamos escolher quem ira honrar nosso querido distrito 3! – Ela tinha a mania irritante de se referir ao distrito como dela também – Então sem mais delongas primeiro as damas! – E ela botava um exclamação em cada frase.

Então a mulher de cabelos azuis e escorridos tirou um papel do grande vaso. Mordi os lábios.

-Jane Clark – Ela anunciou.

Pacificadores me guiaram até o palco, e me puseram em pé lá em cima. Jane Clark, esse era o meu nome. Meus olhos normalmente grandes estavam arregalados.

-Guilherme Jones – Ady anunciou ao lado do meu ouvido.

Um menino da fila dos dezesseis tomou a frente, ele era vinte centímetros mais alto que eu, e corpulento. Com olhos e cabelos castanhos, e expressão atordoada.

Nos fizeram apertar as mãos num gesto de respeito, talvez.

-Que a sorte esteja sempre ao seu favor! Feliz Jogos Vorazes! – Gritou Aby.

Depois nos arrastaram até o prédio da justiça. Onde minha mãe, meu pai e Jake me esperavam aflitos.

-Jane... – Começou meu pai.

-... nós... – Eles pareciam não sabe bem o que falar.

-Nós te amamos – Jake falou calmamente, mesmo que eu soubesse que por  baixo daqueles olhos azuis havia medo – Vai ficar tudo bem cabeça de fosforo.

Ele me abraçou, juntamente com meus pais. Então os pacificadores apareceram e os retiraram dali. Eu não esperei pela visita de mais ninguém, não era muito sociável. Mas a porta de abriu, e revelou um menino, de olhos verdes e cabelos castanhos. Ted. Ele fora o meu melhor amigo de infância, mas nós havíamos brigado e não nos falávamos há três longos anos.

-Olá – Ele disse.

-Hm... oi – Eu falei desconfiada, uma lágrima escorria de seu olho esquerdo – O-o que houve?

Ele limpou a lagrima e me abraçou, eu fiquei meio sem jeito, dei uns tapinhas em suas costas, o que ele tinha me feito ainda doía.

-Me desculpe ok? – Ele falou – Nunca quis dizer nada daquilo... me desculpe.

Engoli a seco, aquelas foram as palavras que eu queria ouvir durante  três anos, mas agora não pareciam mais fazer sentido.

-Acho que é meio tarde para isso Ted – Eu disse seca, o afastando de meu corpo, não conseguia tirar de minha mente a ideia de que ele acreditava que eu iria morrer.

-Eu... senti a sua falta – A voz dele era a tremula.

Então os pacificadores entraram na sala e o arrastaram para fora. Minutos depois os mesmos pacificadores me arrastaram para dentro de um carro. Onde Guilherme estava sentado atordoado.

Agora eu não era mais Jane, a menina que se sobressaia em consertar e criar coisas engenhosas, agora eu era mais uma tributa, fadada a matar, e também a morrer. Nada em toda a minha vida havia me preparado para aquilo. Mas agora eu estava lá, e seria jogada numa arena, como todos os outros antes de mim. E morreria lá.