Spirit escrita por Hanko


Capítulo 1
Capítulo 1.


Notas iniciais do capítulo

Primeira long de Aoiha ~



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- Pronto, eu acho que essa é a última.

- Aleluia!

Um baixinho se jogou no meu sofá.

- Vai me dizer que já se cansou, Takanori? – perguntei, colocando as mãos na cintura e encarando o loirinho esparramado no sofá. – Você é mesmo um nanico de braços magrelos e fracos.

Levei um chute.

- E você é um velho. – respondeu, fazendo um beiço ofendido.

- Eu mal sou três anos anos mais velho que você! – retruquei, com uma cara emburrada. – Você que ainda é uma criança. Literalmente. – completei, fazendo questão de lançar uma indireta a respeito de seu tamanho.

Outro chute.

- Vá se foder, seu velhote. – resmungou, enquanto me mostrava o dedo. – Continue me provocando e eu nunca mais te ajudo com nada.

Há mais ou menos um dois anos atrás eu tinha me mudado para Tokyo, com a roupa do corpo, uma mochila velha pendurada nos ombros, minhas coisas – que não eram muitas - em uma caixa e uma guitarra velha nas costas. Como eu estava desempregado e tinha vindo pra cá com míseros 5 mil ienes na carteira – e que acabaram antes mesmo que eu pudesse perceber-, acabei por indo morar de favor com Takanori, meu único contato com a ‘’cidade grande’’ e que me ajudou a me instalar, conseguir um emprego – e atualmente meu próprio apartamento.

Eu não queria me conformar com as migalhas que aquele fim de mundo onde eu morava me oferecia, sabendo que tinha muito mais lá fora. Eu queria expandir meus horizontes ao invés de ficar fadado a herdar os negócios da família, trabalhar feito um escravo dia e noite sendo completamente infeliz para então me casar com uma mulher qualquer e ter filhos que herdariam os negócios da família quando eu morresse e que então teriam que cumprir e fazer com que esse ciclo seguisse adiante. Eu não queria que a minha vida fosse consumida por esse ciclo depressivo e insensato, eu queria viver.

 Entretanto, minha mãe jamais teria sido a favor da minha saída de casa – pois essa minha ambição de ser mais do que Mie permitia poderia dar ideias semelhantes ao meu irmão mais novo, e seria contra todas as tradições que minha irmã mais velha herdasse o empreendimento da familia. Sem contar que a minha partida significaria mão de obra gratuita a menos -. De forma alguma eu queria magoar ela ou meu pai, mas não havia nada mais deprimente do que ficar preso naquele fim de mundo, eu não queria fazer parte dos ‘’burros ou empacados’’, -  que era como eu tinha carinhosamente classificado as pessoas que viviam na minha cidade. Tinham as burras demais para não verem problema nenhum em passar a vida inteira naquele inferno e não se importarem – ou quererem – ir embora. E tinham as empacadas, que eram as pessoas que, por um motivo ou outro eram fadadas a ficar ali pelo resto de suas vidas. Todas as outras pessoas davam um jeito de fugir.

Infelizmente minha família – assim como grande parte da população – fazia parte do grupo das burras, e eu, no ápice dos meus 22 anos, me via deseperadamente sendo arrastado para o grupo das empacadas. Então em uma noite quieta de outono eu saí de casa com todo o dinheiro que eu tinha economizado para o tão sonhado dia em que eu iria embora, deixando apenas um bilhete grudado na porta da geladeira.

Quando eu cheguei em Tokyo percebi que eu era tão burro quanto as pessoas da minha cidade, afinal, não tinha planejado absolutamente nada. Eu não tinha um emprego, um lugar pra ficar e aqueles 5 mil ienes não iam durar pra sempre,  - na verdade eles acabaram antes mesmo que eu percebesse.  Eu me recusava a voltar pra casa de mãos abanando. Eu recusava a voltar para Mie de mãos vazias porque não tinha dado certo, e depois de escutar umas poucas e boas da minha mãe, ser forçado a aceitar que minha vida era naquele fim de poço junto com eles. Eu não ia voltar para Mie por nada no mundo. Eu tinha feito esta escolha, eu tinha escolhido viver, não sobreviver. Eu não ia desistir do meu sonho.

Então, no ápice do meu desespero, eu liguei para o a única pessoa que eu conhecia lá. Takanori.

Takanori era a única pessoa que eu conhecia em Tokyo e também a única pessoa com quem até então eu realmente me dava bem. Anos atrás, quando eu tinha meus 16 anos e ele só 13, eu acidentalmente o atropelei com a minha bicicleta enquanto voltava para a casa. Ele estava passando algumas semanas na casa dos avós e não conhecia ninguém, e viu em mim - por algum motivo bizarro e que eu nunca questionei - um amigo em potencial. Desde aquele dia ele decidiu que ia fazer com que eu fosse amigo dele. No início eu achava ele deveria estar muito entediado mesmo, porque estava disposto a perder tempo querendo a amizade de alguém como eu. Eu não costumava ser uma pessoa exatamente sociável, e o fato de que eu odiava aquela cidade somado ao de que fato de que eu era muito novo pra poder ir embora – sem contar o fato de que eu tinha que trabalhar -, fazia com que eu fosse uma pessoa com um mau-humor constante. Mas, mesmo assim, eu não o impedi de tentar se aproximar, porque sabia que uma hora ele ia se tocar e me largar de mão.

Mas no fundo, lá no fundinho, ver que alguém queria ser meu amigo a ponto de toda santa manhã estar na rua na hora em que eu saía pra loja da minha família só pra poder me seguir até lá e passar o dia atrás de mim tentando fazer com que eu falasse, fazia com que eu me sentisse bem. Alimentava o meu ego.

Com o tempo, eu ainda não sei como, Takanori conseguiu escalar aquele muro invisível que me cercava e nós nos tornamos amigos. Infelizmente, àquela altura as férias já estavam acabando e ele voltaria para a casa – que eu fiquei maravilhado ao saber que era em Tokyo. Bom, não era como se eu não soubesse que nunca mais ia vê-lo outra vez. Era só uma daquelas amizades de verão idiotas e que duravam pra sempre até que alguém fosse embora – no caso ele, pois infelizmente eu ainda tinha mais um belo tempo morando em Mie. Trocamos telefones e prometemos que íamos continuar nos falando através de cartas – sim, escrever cartas, tenha uma mínima noção do quão velhos somos - um para o outro, embora eu soubesse que essas promessas não tinham fundamento algum, então eu nem me dignei a esperar por telefonemas que não seriam feitos e por cartas que não seriam enviadas. Qual não foi minha surpresa ao receber uma carta com um remetente de Tokyo na mesma semana em que Takanori fora embora. Naquele instante, algo me disse que nós seríamos bons amigos, mesmo que só nos víssemos nas férias de verão quando ele vinha visitar os avós – e toda vez que ele vinha estava com o cabelo pintado de um jeito diferente. Era engraçado passar o ano todo imaginando qual seria a cor das madeixas do meu baixinho favorito quando nos víssemos outra vez, e era ainda mais engraçado porque eu sempre errava.

Quando eu liguei para Ruki – apelido que eu havia lhe dado -,  ele ordenou que eu fosse para sua casa no mesmo instante, enquanto me chamava de idiota por não ter ligado antes avisando que viria. Disse que eu era um imbecil e que ia morar com ele enquanto não me ajeitasse. Também me arranjou um emprego em uma livraria que ficava em um shopping e que pertencia a um amigo seu, chamado Amano Shinji – que depois de um tempo se tornou apenas ‘’Tora’’. Foi como se tivessemos invertido os papéis, afinal o responsável e que sempre dava um jeito nas coisas era eu.

O caso é, depois de dois anos, eu finalmente estava financeiramente bem o suficiente pra ter o meu próprio apartamento. Não que eu não gostasse de morar com o baixinho, claro que eu gostava, mas um dos meus sonhos sempre foi ter minha própria casa. Uma casa que fosse completamente ‘’Yuu’’.

É, gay isso, eu sei.

Além de ajeitar a minha vida ele também tinha feito com que eu saísse da minha casca – mas eu acho que o fato de eu estava finalmente realizando a aspiração da minha vida fez com que eu me tornasse uma pessoa um pouco mais legal e infinitamente mais feliz. Claro, ele teve que me dar uns empurrões, como sempre fez quando o assunto era a minha introversão. O caso era que Takanori era uma das pessoas que eu mais amava e respeitava no mundo inteiro. Aquele garoto chato que me perseguia tinha se tornado meu melhor amigo e meu irmão respectivamente.

É, ainda mais gay, eu já sei. Viver com alguém que exala glitter e viadagem dá nisso. Acaba pegando.

- TERRA CHAMANDO AOI, TERRA CHAMANDO AOI! – gritou, enquanto chutava levemente minha perna, a fim de chamar a minha atenção. – HOUSTON, TEMOS UM PROBLEMA, ESTAMOS PERDENDO O MORENOSO, REPETINDO, ESTAMOS PERDENDO O MORENOSO. – continuou, fingindo que falava num microfone imaginário. – ELE ESTÁ PRESO DENTRO DE ALGUM BURACO DOS CONFINS DA MENTE SECRETAMENTE PORNOGRÁFICA E GAY DELE, ELE NÃO ESTÁ RESPONDENDO, VAMOS PERDÊ-LO!

O encarei, saindo de meus devaneios e começando a rir. Não importava a situação esse protótipo de anão sempre alegrava todo mundo à sua volta. Ele era como uma barra de chocolate com pedaços de cookies ambulante.

- Tá sonhando acordado? – perguntou, com um sorriso.

- Hm… Não. – respondi. – Só estou pensando.

- Em como eu sou maravilhoso e em como você me ama?

- Claro. –debochei, enquanto olhava a sala do meu apartamento lotada de caixas com roupas, pertences meus e outras quinhentas mil coisas que Ruki e eu tínhamos comprado pois segundo ele eu não podia ter um apartamento desse tipo e só colocar uma cama. Não que eu pretendesse fazer isso, mas como ele sempre foi melhor do que eu com essas coisas gays tipo decoração, deixei que fizesse e comprasse o que quisesse para que então decorasse tudo como  bem entendesse. Ele sabia até onde ele podia ir. Passeei os olhos pela sala outra vez. Eu estava tão besta com o fato de que eu tinha o meu próprio apartamento que senti que precisava de um tapa pra voltar ao normal. – Aliás, você ainda não me disse como conseguiu esse apartamento pra mim, Takanori.

- Eu já disse, tenho meus contatos. – falou, com um sorriso depravado no rosto.

- Sei. – resmunguei. – Olha, contanto que eu não acabe morrendo ou na cadeia por causa desses seus contatos, que seja. Só espero que você tenha ao menos gostado da noite que você teve que passar com seja lá quem seja a pessoa pra quem você deu pra me conseguir esse lugar. – terminei, lançando um sorriso debochado na direção dele. Takanori era bonito, sabia disso e gostava de usar isso pra conseguir o que queria. Então ele resolvia a maioria das coisas de um jeito que ele considerava muito simples – e que ele dizia unir o que precisava ser feito ao agradável -, embora eu não fosse muito a favor: com sexo.

Levei outro chute.

- Em primeiro lugar, eu não sou nenhuma puta de esquina, seu babaca. – declarou, numerando o que dizia com os dedos. – Em segundo lugar, eu não fiz nada com ninguém – fez uma pausa enquanto dava um sorriso malicioso -, por enquanto. Mas pode deixar que eu te aviso e te conto com detalhes como foi maravilhoso. – revirei os olhos, rindo. – E em terceiro e último lugar, vá pro inferno. Sua bicha mal resolvida.

- Olha só quem tá falando. – zombei enquanto pegava uma das poucas caixas que não tínhamos aberto e levava para a cozinha. – Se eu sou mal resolvido quero ver o que sobra pra você.

- Repetindo: vá para o inferno. – Levantou e foi até mim, me alcançando os copos para que eu os colocasse no armário da cozinha. – Eu tenho um encontro com um amigo logo mais, preciso ir.

- Amigo, é? – perguntei, com um sorriso. – Tudo bem, divirta-se.

- Não precisa fingir, eu sei que você vai sentir falta de mim e da minha maravilhosa companhia. Vai até chorar durante a noite de tanta saudade.

Como se ele não morasse no prédio do outro lado da rua.

- Claro que sim. – debochei.

- Sabe, eu acho que a gente devia sair um dia desses. – comentou, de repente. – Posso pedir pro meu amigo chamar o amigo dele e…

Larguei tudo no balcão e me virei na direção dele.

- NADA DE ENCONTRO DUPLO ÀS ESCURAS. – decretei rapidamente. – Ok? Você é péssimo bancando uma de cupido e eu sempre acabo me ferrando.

Ele fez uma cara de ofendido.

- EU? – fez-se de desentendido. – Me diga uma única vez que eu tenha te colocado em uma furada, Shiroyama. – o encarei arqueando as sobrancelhas enquanto cruzava os braços sobre o peito. Eu podia listar.

Teve a vez daquele cara completamente obcecado por pés. Também teve aquela vez do cara que passou a noite inteira falando do porquinho da Indía e da avó dele. Também teve a vez da moça que estudava medicina e que perguntou se podia abrir minha barriga e examinar meu intestino. Teve a vez do cara que insistia em dizer que ele era o Goku. Também teve aquele cara com uns fetiches esquisitos que queria que eu vestisse um daqueles uniformes escolares femininos de anime. Também teve a moça que passou a noite inteira falando sobre como o batom dela não combinava com o esmalte. E aquele cara que ficou cheirando o meu cabelo. E aquela outra moça que quis me apresentar pros pais dela porque a ela queria casar.

E isso era só o começo.

- Certo, -  ele disse, provavelmente lembrando de cada um dos encontros às cegas em que ele havia me metido. – não responda.

- Agradeço que se preocupe, mas eu estou bem no meu estado atual, Ruki.

- Com ‘’estado atual’’ você quer dizer solteirão, solitário, tio dos 72 gatos, mal amado e frustrado sexualmente? – perguntou, e eu tive uma ligeira vontade de arremessá-lo janela a fora. – Você tem que se resolver de uma vez, Aoi.

Definitivamente o meu negócio não era mulher. Além de aguentar as TPM’s duplas da minha mãe e da minha irmã, e tudo que fosse relacionado ao universo feminino multiplicado por dois, depois de passar metade da minha vida escutando minha mãe falando que eu tinha que arranjar uma namorada e casar e ter filhos e toda essa merda, e ainda depois daqueles encontros arranjados desastrosos em que Ruki me enfiara, eu pude ter certeza de que não, mulher não servia pra mim, ao menos que eu quisesse enlouquecer de vez.

- Resolver o quê?

- Tem que admitir pra si mesmo o que o mundo inteiro já sabe! – gritou. – Já tá na hora!

- O quê que o mundo inteiro sabe? – perguntei, franzindo o cenho.

- Que essa Coca é Fanta! – voltou a gritar, dessa vez indo até a janela e colocando a cabeça pra fora. – TÁ NA HORA DE SAIR DO ARMÁRIO, SHIROYAMA YUU! – ele começou a acenar e gritar pras pessoas na rua enquanto eu corria até ele e pedia pra que calasse a boca.

Me atirei nele, jogando-o no chão e colocando uma perna de cada lado do seu corpo, tentando cobrir sua boca enquanto ele gargalhava e continuava gritando.

- Ficou maluco é?

- Só estava tentando ajudar. – fez uma cara de coitadinho. – Vai que seu príncipe encantado tá lá fora, Yuu?

- Eu já falei que não preciso de ajuda. – repeti. Ele estava passando dos limites. – Você não está atrasado pro seu encontro com o seu amigo?

Ele olhou para o relógio e deu um pulo, levantando-se afobado em seguida.

- Verdade, verdade! – exclamou, pegando suas coisas. – Até amanhã, Yuu.

- Tchau, chibi.

- Posso marcar o encontro duplo, então? – perguntou, enquanto ia para a porta.

- Tchau, chibi. – falei, empurrando-o porta a fora.

- Mas… Me dá uma chance de te arranjar um baita partido, Yuu!

- Não esquece da camisinha. Não quero te ver grávido de um desconhecido. – falei, antes de bater a porta na cara dele. Escutei Ruki me chamar de viado antes de entrar no elevador e ir embora.

Suspirei, voltando minha atenção para a bagunça que eu tinha pra arrumar.

Não, eu realmente não me importo em ser solteiro. Quero dizer, tudo bem.  Eu não tenho ninguém, e daí? E também não sou mal-resolvido, ok? Eu estou perfeitamente bem assim

Ah, cala a boca. E eu não sou velho porra nenhuma.

- Mas que porra…? – resmunguei, enquanto escutava alguns sons vindo da cozinha. Sentei na cama, esfregando os olhos enquanto tateava a procura do abajur. Acendi a luz e escutei mais alguns barulhos. – Ah, deve ser o gato. – falei, deitando outra vez. Depois de alguns segundos, voltei a sentar. – Espera. – Eu não tinha gato.

O barulho aumentou e eu me assustei. Não tinha ninguém naquela casa além de mim. Automaticamente todos os filmes e histórias sobre espíritos vieram a minha mente e eu senti vontade de me estapear mentalmente. Eu estava morando sozinho, então não era como se eu pudesse pedir pra alguém mais macho do que eu – nesse caso até mesmo uma lolita - ir ver o que era.

Tratei de pensar positivo. Talvez fosse só um rato. Enquanto eu saía da cama vi um dos meus bastões antigos de baseball atirados no meio das caixas e o peguei, segurando-o com tanta força que as juntas dos meus dedos doíam, enquanto ia para a cozinha tão masculo quanto um frouxo de quase trinta anos borrado de medo pode parecer. Acendi todas as luzes que encontrei no caminho, olhando para todos os lados, tão paranóico quanto um drogado.

Eu não estava com medo. Eu estava é apavorado.

- Tem alguém aí? – chamei quando cheguei na sala, enquanto segurava com ainda mais força o bastão. Para o meu azar o interruptor ficava do outro lado do cômodo, e eu teria que atravessar a sala no escuro.  – E-Eu tô armado! – com um bastão de baseball velho. Realmente.

Nada, só o mesmo barulho vindo da cozinha, como se tivesse alguém revirando os armários.

Avancei mais um pouco. Eu estava a mais ou menos dois metros de distância da cozinha e não via ninguém, mas escutava o barulho. Respirei fundo. Seja macho, Shiroyama. Seja macho pelo menos uma vez nessa sua vida.

Avancei mais um pouco. Dez passos de distância da cozinha.

- O-Olá? – murmurei. Nada além do som dos armários sendo revirados na cozinha.

Avancei mais quatro passos e pisei em alguma coisa que fez um barulho desgraçado – e que quase me fez infartar -. Dei um pulo e pisei em outra coisa que fez um barulho estridente desgraçado.

Puta que pariu, eu tava pisando no dêmonio, eu ia morrer, eu ia morrer, eu ia morrer.

Comecei a pular de um lado pro outro nas pontas dos pés, completamente cagado de medo enquanto tentava segurar um grito que provavelmente  ia acordar o prédio e todos os seus cinco andares.

Procurei o celular no bolso da calça de moletom que eu usava de pijama e com a luz do visor iluminei o chão, sentindo todo meu corpo tremer. Meu medo foi temporariamente substituido por incredulidade ao ver no que eu estava pisando. Sabe aqueles bichinhos que fazem um barulho estridente quando tu aperta e que geralmente são o brinquedo preferido dos cachorros pra morder? Pois então. Eu estava pisando em dois. Um com o  formato do Charmander e o outro com o formato do Pikachu.

Ri da minha idiotice, ainda tremendo um pouco. Um som alto de portas batendo veio da cozinha e fez com que eu voltasse ao estado anterior. Dei os passos que faltavam até a entrada da cozinha e então respirei fundo, apertando o bastão ainda mais.

Seja macho. Seja macho.

Entrei na cozinha e acendi a luz rapidamente, me preparando pra ver um rato ou então o próprio satã assaltando a geladeira – aliás, eu nem ao menos tinha uma geladeira ainda.

Mas não. Ao invés disso vi as portas dos armários da cozinha abrindo e fechando furiosamente e uma voz praguejava.

Então eu fiz o que qualquer pessoa normal teria feito.

Gritei feito mulherzinha e saí correndo pro quarto, me atirando na cama e cobrindo com o edredom até a cabeça.

- Puta que pariu Aoi, são três e meia da manhã. – resmungou Takanori ao atender o telefone depois que eu liguei pela décima vez. – O que que foi?

- Tem um fantasma aqui, Taka. – sussurrei, torcendo para que a alma penada não escutasse e não me achasse no meu esconderijo. Era abafado pra caramba e não dava pra respirar direito, mas pelas crenças populares não existia lugar mais seguro do que debaixo das cobertas, então era lá que eu estava. – Tem uma porra de um fantasma aqui.

- Aoi? – chamou ele, depois que a linha ficou muda por alguns segundos. – Vai se foder.

E desligou na minha cara.

Encarei o celular antes de ligar outra vez para aquele protótipo de anão. Deu na caixa postal. O filho da puta tinha desligado o celular. O filho da puta teve a cara de pau de desligar a porcaria do celular enquanto eu estava sendo atacado por forças sobrenaturais da macumba durante a madrugada.

Inimigos. Quem precisa deles quando se tem amigos que nem o Takanori?

- Seu nanico bicha filho da mãe. – resmunguei. – Vou fazer o mesmo se um dia for com você.

Respirei fundo, tentando me acalmar. Eu devia estar imaginando coisas, tipo as portas se abrindo e fechando. Ou talvez eu só estivesse sonhando.

É, eu devia estar imaginando coisas, mesmo. Coloquei os fones de ouvido enquanto ligava o iPod e colocava uma música qualquer no volume máximo. Pronto, agora ia dar pra dormir.

Mas me cobri até a cabeça e fiz um casulo com o edredom. Sabe como é, só pra garantir.


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Notas finais do capítulo

[/risca/]esse aoi borrado de medo dos barulhos estranhos e com medo de andar pela casa durante a noite nem foi baseado em mim, imagina[/risca/]
E então, gente? Reviews? ;u;