Tear Flower escrita por Daijo


Capítulo 1
Capítulo 1 - Um amor frio


Notas iniciais do capítulo

A história é ambientada no Japão feudal, não exatamente com uma data precisa.
A shortfic vai ter no máximo 4 capítulos.
Boa leitura!



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Os olhos dela admiraram o único ponto colorido em meio a mancha verde, que parecia infinita. A jovem ergueu parcialmente a barra de seu kinomo, impedindo que o tecido molhasse nas pontas úmidas da grama.


Sakura traçou um caminho até o que lhe chamara a atenção. Uma flor de tom amarelo perdida em um vasto campo aberto. Enquanto aproximava-se, em passos cada vez mais apressados, seu coração enchia-se de expectativa. Fazia tanto tempo que não via algo como aquilo.


Em um mundo tomado por batalhas e conspirações, no qual era obrigada a permanecer trancada no interior de um Okiya*, um momento como aquele era raro. Ela aproveitara-se da distração das demais gueixas e escapara de suas tarefas, ao menos por um dia. Apesar disso, as vestes refinadas e a maquiagem que carregavam seu corpo eram como correntes que a mantinham presa em sua realidade.


Seus dedos tocaram com delicadeza as pétalas da flor, com receio de estragá-las. O toque suave, tal como a seda de seu kimono, despertou-lhe uma sensação calorosa que há muito não experimentava. Aquela pequena e frágil planta era como um sobrevivente em meio aos caos que era o Japão atual. Pareceu-lhe como um sinal de esperança.


Carregada de nostalgia, Sakura permitiu-se deitar sobre o gramado, pouco importando-se em se sujar. Admirou o céu nublado, imaginado que poderia chover a qualquer instante. No entanto, deixou-se cerrar os olhos, repousando a mão no pedaço de chão próximo a flor solitária. Com lembranças boas em mente, a jovem acabou adormecendo.



Sakura só despertou de seu sono quando os primeiros pingos de chuva despontaram e tocaram sua face. Ela coçou os olhos, sonolenta, erguendo-se antes que a água começasse a cair com mais intensidade. A jovem desejou observar pela última vez a flor que lhe dera algum tempo de tranquilidade, porém, surpreendeu-se ao notar que seu fio de esperança havia desaparecido misteriosamente.


***


A jovem gueixa observou o kimono trazido até seu quarto, sentindo uma pontada de bom humor aflorar em seu íntimo. Uma das empregadas do Okiya, sua fiel acompanhante Akemi, lhe ajudou a vesti-lo, curiosa com o raro sorriso que aparecera no rosto da principal atração da casa.


Sakura vislumbrou-se no espelho. Seus dedos contornaram as flores douradas, bordadas no tecido de suas vestes. Os desenhos lhe traziam boas sensações, lembrando-a da flor que a encantara há alguns dias antes.


O momento era oportuno para bons sentimentos. Naquela noite realizaria uma apresentação para alguns nobres chineses, motivo que a enchia de desgosto. Não era favorável a socialização de seu povo com o responsável pelo estado de instabilidade de sua nação. Porém tinha deveres a cumprir no Okiya, e a opinião de uma jovem de vinte seis anos não era grande coisa em assuntos daquele tipo.


Com a maquiagem pronta e os longos cabelos devidamente presos e adornados, a mulher desceu em direção ao cômodo no qual seus clientes a esperavam, acompanhada da empregada que carregava com cuidado seu shamisen**. Ao parar em frente ao fusuma, inspirou e expirou a calma que mascararia seu rosto noite adentro.


Sentido-se pronta emocionalmente, Sakura deu um sinal silencioso para Akemi e a jovem entendeu a deixa para abrir o portal. E assim que a sala entrou completamente em seu campo de visão, os olhos verdes observaram meticulosamente os convidados.


Algumas das melhores gueixas do Okiya serviam bebidas aos nobres chineses, entretendo-os em suas risadas contidas. Todos os movimentos do interior do cômodo detiveram-se, no entanto, com a aparição de Sakura. Os homens voltaram seus olhares para a mulher, que esperava o momento certo para entrar.

Sakura abriu o pequeno sorriso de boas vindas que estava acostumada, mostrando-se uma anfitriã solicita. Inclinou o tronco parcialmente em uma respeitosa mesura, como fora treinada quando ainda era apenas uma menina. Não pode impedir que seu estômago queimasse contrariado diante da submissão para com o inimigo. Apesar disso, manteve a expressão serena na face, enquanto elevava-a novamente.


Vagarosamente, desejando retardar o momento de servi-los, a mulher ergueu o rosto, deparando-se, aos poucos, com um olhar intenso sobre si. Sakura pôde sentir as batidas de seu coração oscilarem por instantes, fazendo-a prender a respiração. Sua feição, normalmente impassível, desarmou-se em míseros segundos.


O homem misterioso encarava-a sem nenhum constrangimento. Diferente dos outros, sua aura demonstrava certa hostilidade para com a gueixa, algo que a abalou de imediato. Para ela que se acostumara com diversos admiradores mesmo que a contragosto, ver alguém observá-la com indiferença mexeu pela primeira vez com seu ego.


Ele aparentava ser alguns anos mais velho que ela, talvez tivesse entre os trinta e poucos anos. Os cabelos longos e castanhos estavam parcialmente presos, diferente dos demais presentes. Sakura supôs que ele fosse um guerreiro, devido ao certo desleixo em sua aparência. Fato que foi confirmado quando ela vislumbrou a espada descansando sobre a mesa.


Com a sensação de estar sendo provocada, Sakura sustentou o olhar impertinente do homem por alguns segundos, perdurando de sua entrada até que ela se acomodasse no tatame, em frente aos seus convidados.


– Você é Sakura? – um velho sentado na extremidade da mesa indagou, sorrindo para a recém chegada. Ela fez uma leve reverência, reconhecendo-o como o nobre de cargo mais importante naquela sala.

– Sim. Sou Sakura. – a gueixa respondeu com a voz suave, voltando a mirá-lo. – Irei entretê-los por essa noite.


A acompanhante estendeu o shamisen para a mulher, que recebeu-o com carinho. O instrumento era a única coisa que lhe agradava no mundo em que vivia. Tocá-lo era como seu refúgio pessoal, no qual a barreira construída por sua música impedia qualquer sujeira da sociedade penetrar.


Com habilidade, o bachi*** tocou as cordas do shamisen iniciando uma calma melodia. Enquanto dedilhava as notas com graça, Sakura intercalava o olhar entre o objeto em suas mãos e seus convidados. Era visível o apreço que pontuava a expressão dos presentes... Menos de um. A gueixa demorou sua mirada um intervalo de tempo maior sob a feição inexorável do homem de olhos ambarinos.


Seu interior ferveu com desrespeito que o guerreiro chinês demonstrava diante de sua arte. Inconscientemente, seus dedos aumentaram a força dos toques, mudando o ritmo de sua música. Os nobres exclamaram, cochichando sobre a confiança da jovem em mudar de uma melodia para outra, de maneira tão inesperada.


O homem misterioso, no entanto, apenas soltou um esgar desdenhoso. Ele levantou-se de sua posição na mesa, mal dando atenção a gueixa que se ocupara em servi-lo. Recolhendo sua espada, o chinês caminhou em direção a saída. Em sua passagem, trocou mais um olhar com a artista que tocava, deixando-a ainda mais amarga.


***

Foi com alívio que Sakura saiu da casa principal. Havia finalmente terminado a apresentação com os chineses, deixando-os sob os cuidados das outras garotas do Okiya. Enquanto caminhava pelos jardins do terreno, junto a Akemi, Sakura observava o céu noturno adornado brilhantemente com suas estrelas.


– Ainda é uma bela noite, no final. – comentou com a companheira, sentindo-se inspirada a tocar algo mais em seu shamisen.

– Sakura-san, por que sua música mudou tão de repente? – a jovem que segurara ao máximo sua curiosidade, acabou por fim perguntando aquilo que deixara todas as gueixas inquietas durante a apresentação.


E então a mulher lembrou-se do motivo que arruinara em tão pouco tempo o autocontrole que ela cultivara por anos. O homem de ar frio, que dispensara o divertimento oferecido pelo Okiya, incluindo sua música.


Era inaceitável. Poderia entender sua recusa diante do oferecimento das outras gueixas, mas seu trabalho era diferente. Sua arte era pura, apenas uma boa música.


Distraída com seus próprios pensamentos, Sakura esqueceu-se da pergunta feita pela acompanhante. E antes que Akemi voltasse a insistir, o caminho de ambas foi barrado pela chegada tardia de um dos clientes da casa.


– Sakura-san! – o senhor, em seus cinquentas anos, sorriu para a mulher, aproximando-se. – Quem bom vê-la.

– Matsui-sama – Sakura cumprimentou-o com uma mesura, sendo seguida por Akemi no gesto. O cheiro de álcool chegou até suas narinas, fazendo-a torcer o nariz enquanto não voltava a encará-lo.


– Gostaria de escutar seu shamisen essa noite. – o nobre pediu, olhando para o instrumento nas mãos da empregada.

– Sinto muito, Matsui-sama, mas não poderei me apresentar mais hoje. – Sakura respondeu, sorrindo.


Não seria nada agradável tocar para ele, no estado ébrio em que se encontrava. Conhecia muito bem o nobre, tinha certeza que algo bom não estaria por vir se aceitasse sua proposta.


– Eu pagarei bem por seus serviços... – insistiu, acreditando persuadi-la com dinheiro – Poderemos estender essa noite, não?

– Desculpe Matsui-sama, devo recusar seu convite. – com outra reverência, Sakura voltou a caminhar em direção aos próprios aposentos. – Boa noite.


No entanto, as mãos ousadas do nobre agarraram seu braço com força, impedindo-a de seguir. A face de Sakura voltou-se para o homem, demonstrando indignação. Com rudeza, Matsui puxou-a para que ficasse ante si novamente, ato que agitou Akemi.


– Não é educado sair antes que a conversa acabe.

– Para mim ela já havia terminado. – a gueixa respondeu, mascarando o desprezo em seu tom de voz. Desvencilhou-se do toque do homem, de forma brusca, fazendo-o rir.

– Eu ainda nem comecei as ofertas. – Matsui debochou.

– É o suficiente, o senhor nunca será capaz de pagar uma noite de entretenimento comigo. – Sakura cortou-o, sorrindo torto. – Eu não aceitaria nem mesmo um fiapo de palha do senhor.

– Que ousadia!


O velho ergueu a mão direita, pronto para desferir um tapa na face da jovem. Sakura sustentou o sorriso, negando-se a recuar das consequências de suas palavras. Ficou esperando o golpe, que, no entanto, não veio.


Os olhos de Sakura arregalaram-se, surpresos. Parado próximo a Matsui encontrava-se o guerreiro chinês. Com a mesma expressão indiferente, o homem segurava a mão do nobre japonês, impedindo que este avançasse contra a gueixa.


Sakura prendeu a respiração. Aquele homem era mesmo um idiota.


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Notas finais do capítulo

* Okiya - casa de gueixas
** Shamisen instrumento tradicional japonês, de cordas.
*** Bachi palheta para tocar o shamisen
---
Faz algum tempo que tenho voltade de escrever algo no Japão antigo. Espero ter me dado bem com o ambiente auhsuahsu
Aos meus leitores de Kimi ga Ita Scene, não se preocupem, ainda estou escrevendo a fanfic. Atualmente tenho escrevido em etapas... O capítulo 16 esta em andamento.
Espero que acompanhem essa nova história tbm.
Ja ne