Céu escrita por Liminne


Capítulo 1
Capítulo 1 Sob o mesmo céu [ignorando]


Notas iniciais do capítulo

Acima de nós o que podemos enxergar?
Aquele enorme e infinito teto escuro
Cheio de pontinhos a brilhar...

Bem longe, bem fundo, onde mal podemos imaginar
O destino disfarçado de astros e de planetas
Fazendo seu coração palpitar...

Não adianta lutar... Está tudo traçado
Não adianta negar... Não está equivocado
Não importa o caminho, o seu lugar está marcado
Enquanto estiver embaixo desse céu, estará aprisionado



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/20957/chapter/1


Era uma noite agradável de primavera. Do lado de fora da janela aberta, uma gostosa brisa entrava. Dava para sentir o perfume das flores de toda a vizinhança acompanhando-a.
Sorriria se o coração não estivesse doendo tanto.
Respirou aquele aroma tão gostoso a fim de se animar pelo menos um pouco. Mas não conseguia. A resposta à tentativa foi um suspiro cansado.
Olhou para as roupas que estavam todas dobradas em pilhas em cima de sua pequena cama. Inclinou a cabeça pensando se estava esquecendo de alguma coisa. Não. Só precisava daquelas roupas e outras coisinhas pessoais.
Tentou evitar mas o olhar acabou caindo em sua coleção de coelhinhos de pelúcia que pareciam a estar puxando como um ímã desde que começara a arrumação. Como amava aquela coleção! Desde criança, era o que sempre pedia de aniversário, de Natal... Aproveitava qualquer oportunidade para aumentar o número dos seus bichinhos.
Acabou sorrindo um pouco melancólica.
- Não tem jeito mesmo... – murmurou para si mesma num suspiro agarrando os bichinhos e abrindo mais uma mala. – Eu acho que não vivo sem vocês... – balançava a cabeça reprovando sua própria ação. – Será que vão me achar muito idiota por isso? – ficou segurando o coelhinho médico encarando-o como se o pequeno pudesse responder-lhe. – Ah! – jogou-o dentro da mala. – Que se dane!
Acabou se empolgando e enfiando na mala também seus lápis de cor, canetinhas, cadernos extras e mangás... Não adiantava tentar se enganar. Só porque estava indo morar em outra cidade sozinha pela primeira vez, não tinha se transformado numa adulta de uma hora para outra. Continuava gostando de ler quadrinhos de terror, de expressar suas idéias em forma de desenhos e de escolher o coelhinho que ia dormir consigo na próxima noite.
- Filha, quer ajuda para terminar de arrumar as malas? – ouviu a voz calorosa vindo da porta. Virou-se um pouco surpresa, fechando a mala rapidamente.
- Mamãe! Pensei que já tivesse ido dormir...

A mulher apenas continuou fitando a sua pequena com olhos doces. Estava triste e orgulhosa ao mesmo tempo. Tinha um sorrisinho afável nos lábios... O coração já batendo fraco de saudade.
- Minha filha... – foi entrando devagar no quarto. – Tem certeza do que está fazendo? – perguntou sentando-se na cama do lado das bagagens.
- Sim mamãe... – a baixinha respondeu suspirando mais uma vez, fitando os próprios pés.
Também ia sentir avassaladoras saudades.
- Você ainda pode ficar e continuar estudando na universidade daqui. Estava indo tão bem...
- Não mamãe. – levantou a cabeça encarando os olhos azuis da mãe. – Eu não quero ficar. Eu preciso mudar eu... Eu preciso crescer... – olhou para a sua mala infantil fechada.
- Meu amor, você já é tão madura, tão centrada... Sempre foi a líder dos seus grupinhos de amigos. Sempre nos ajudou quando tivemos dificuldades. Aprendeu e ensinou coisas surpreendentes para todos... Você não precisa crescer mais!
- Unohana... – uma voz masculina entrou no diálogo e as duas viraram-se para a porta. – Ela já decidiu. Nós combinamos que íamos confiar na escolha dela...
- Jyuushirou... – levantou-se e olhou para o marido um pouco triste. Mas com um sorriso dele, acabou sorrindo também. – Você tem razão, não é? – virou-se para a filha. – Se é isso que realmente quer nós vamos apoiar você... Mas não esqueça que vamos sempre estar aqui.
Mordeu o lábio inferior desviando mais uma vez os olhos. O aperto no peito só crescia. Agora tinha vontade de irromper em lágrimas. Dentro de poucas horas não veria mais aqueles sorrisos... Seriam raros os dias em que sentaria à mesa para uma refeição em família...
- Mamãe, papai! – correu até os dois e abraçou-os. – Eu vou sentir tanto a falta de vocês... – fechou os olhos guardando na memória aquele cheirinho terno que era melhor do que o das flores lá fora.
- Nós também, minha pequena... Nós também. – o homem de cabelos brancos afagou os negros da filha suavemente.

Ficaram alguns segundos assim, todos os três segurando-se para não abrir o berreiro. Como as mudanças são difíceis! Como crescer dói!
- Bem, agora já está tarde... – Separou-se do abraço e encarou o casal com firmeza, depois de secar os olhos úmidos e fungar. – Melhor eu dormir senão não vou ter ânimo algum amanhã. – tentou sorrir.
- É verdade. – a mãe concordou secando os cantinhos dos olhos. – Descanse bem, filha. Aproveite a sua caminha. – foi saindo em passos lentos do quarto.
- Boa noite. – o pai sorriu mais uma vez para sua pequena e saiu do quarto junto com a esposa.
- Boa noite... – Rukia desejou baixinho quando os pais já não estavam mais lá.

****

O celular começou a tocar do nada. Foi tirado bruscamente de seu sono. Não estava acreditando naquilo! Aonde estava com a cabeça quando decidiu colocar uma música tão barulhenta como toque de celular? Com certeza não tinha pensando em amigos sem noção que o ligassem às oito da manhã.
- Puta que pariu... – resmungou abrindo os olhos pesados, pegando o maldito telefone para reconhecer o número. Hunf! Keigo. Só podia ser! – Alô. – disse em tom mais mal humorado que o costumeiro que já era bem ranzinza. – O que você quer, seu pentelho?
- Ahh, Ichigo! Te acordei? – perguntou com sua voz totalmente oposta a do amigo, inacreditavelmente alegre e enérgica para uma manhã de domingo.
- Imagina! Adoro acordar às seis da manhã aos domingos, principalmente no último dia de férias, só pra esperar meus amigos perturbados ligarem. – respondeu com o sarcasmo afiado como uma lâmina.
- Que bom, né? – Keigo riu inocente da vida, desviando fácil da ponta cortante. – Ei, me diz aí! Esse semestre vai vir morar aqui na república?
- Keigo... – sua voz era mole, queria voltar a dormir logo. – Já falamos sobre isso. Não vou morar aí se posso continuar vivendo em casa.
- Ahhh, cara, fala sério! – choramingou. – Eu tô precisando de um parceiro! Esperei entrar nessa república pra me divertir e o único companheiro que eu tenho é um pirralho superdotado.

- Sinto muito. Cada um tem aquilo que merece. Boa noite. – queria se livrar sem dó nem piedade.
- Ichigoooo! – berrou não deixando que o garoto acabasse com o papo. – Por favor, venha morar aqui! Temos uma vizinha supergostosa e peituda!
- Não quero saber de garota peituda. – resmungou irritado.
- Ahhh... – de repente tudo para o moreno começou a fazer sentido. – Já entendi...
- O-o que foi? – Ichigo se assustou.
- É por causa dela , não é? – seu tom era de pura malícia.
- D-dela quem? Da Rangiku-san? Não estou entendendo. – coçou a cabeça. Será que ainda estava grogue e estava perdendo alguma coisa ali?
- Não, seu burro! Estou falando da Mai-chan. Evita vir por causa dela, não é?
Sentiu o rosto esquentar e o coração dar um salto. Sagatsuki Mai...
- N-não é por isso! – cerrava os punhos. Odiava ter que lembrar daquela garota.
- Se for por causa dela, não se preocupe. – o garoto continuava dizendo como se não tivesse ouvido o que o amigo falou. – Ela saiu semestre passado. Foi morar com uma prima.
- NÃO É POR CAUSA DELA, DROGA! – berrou pra ele ouvir direito.
- Eita, calma! – assustou-se. – Tudo bem então... Se não quiser vir não venha... Mas vou sentir sua falta Ichigooo! Vou sentir falta de alguém pra bagunçar! – voltou a choramingar.
- Até parece que eu bagunçava alguma coisa com você... - disse mais como uma ressalva.
- Então tá bom. Muito obrigado. Mas já entendi tudo. Você prefere continuar vivendo embaixo das barbas do papai, sendo cuidado pelas irmãzinhas... Muito bonito pra um cara da sua idade. Depois eu que sou chorão! – e deixando todas as provocações no ar, desligou o celular.
- Keigo! Seu maldito! – gritou em vão para a outra linha onde não tinha mais ninguém. – Hunf! Me acordando só pra isso... Merece umas boas porradas! – e levantou com a cara mais amarrada que nunca, começando bem o dia.

****

 

- Obrigada pessoal... Por virem até aqui comigo... – dizia com um sorrisinho já nostálgico nos lábios apertando as malas com força ao lado do corpo. – Eu vou sentir muita saudade... – disse a última frase com a voz vacilando. Queria parecer firme perante a todos, diante de sua decisão... Mas estavam todos ali. Todos que sempre estiveram. A olhando daquele jeito...
- Também vamos sentir muita saudade... – Orihime, uma bela ruiva de seios fartos chorava tentando secar as lágrimas com um lencinho cor-de-rosa. Em vão. – Vê se... Não esquece...de escrever... – as palavras saíam entrecortadas pelas fungadelas e soluços.
- Ei, Hime-chan, não chore! – Rukia continuava sorrindo, os enormes olhos azuis transbordando simpatia e amabilidade. E quase, quase úmidos. – Eu não vou esquecer você. Eu vou ligar bastante pra te perturbar! – inclinou a cabeça num gesto acolhedor à ruivinha.
- Ahhh, Rukia-chan! – gemeu toda embargada e agarrou a amiga sufocando-a.
- Ugh! – assustou-se a branquinha. – Orihime!
- Ei, ei, deixe de ser tão egoísta! – um garoto alto de cabelos ofuscantemente vermelhos e tatuagens pelo corpo puxou a ruivinha pra trás. – Não é só você que quer se despedir da Rukia. – apesar das palavras soarem um tanto como alfinetes para a chorona, sorria para a baixinha de olhos azuis.
- Ahhh, Renji! Você é tão rude! – choramingava a ruiva de cabelos compridos.
- Pode deixar que eu vou te mandar cartas também. – Rukia sorriu de novo agora livre do abraço sufocador de Orihime. – Cartas bem cheias de coelhinhos e desenhos pra estragar sua reputação! – implicou com um ar travesso passando pelo rosto angelical.
- Garota! – uma veia saltou na testa do garoto tatuado. – Não ouse fazer isso!
Riu um pouco. Era a última vez até tanto tempo...
- Filhinha, filhinha! – de repente Jyuushiro chega correndo atarantado com um enorme pacote em mãos. – Desculpe demorar tanto! A fila estava enorme! – chegou até ela ofegando levemente.
- M-mamãe... – Rukia espantou-se com um passo atrás. – Você deixou ele fazer isso?

- Ah filha... – a mãe sorriu afavelmente. – Por que não? Você não precisa ficar assim tão séria!
- Não entendo o porquê da resistência... – remexeu no pacotão. – São só alguns doces e aperitivos para que não morra de fome no trem, meu amor! Olha, tem até aquele chocolate do coelhinho que você tanto adora! – mostrou uma pequena barra embrulhada por um papel vermelho chamativo ilustrado com um coelhinho sorridente.
- P-papai! – repreendeu com as bochechas corando avidamente.
Escutou um risinho bem abafado.
- E você também pode guardar alguns doces pra dividir com seus amiguinhos lá. – sorria feliz da vida como um bom pai coruja.
Viu de canto de olho Renji prendendo o riso.
“Desgraçado”. – pensou ela cerrando os punhos.
- Bem... – pegou o pacote de quitutes sem escolha. – Acho que tenho que ir não é? O trem já vai sair. – olhou rapidamente para trás e depois voltou os olhos para seus queridos. Estavam todos olhando-a com um grande sorriso, alguns com lágrimas também, mas todos com um orgulho enorme, do tamanho da prévia saudade. – Eu vou sentir saudades... – admitiu baixinho retribuindo a todos aquele olhar de ternura.
- Rukia-chan, Rukia-chan... – uma menininha com aparência de não mais que seis anos puxou a barra de seu vestido branco com delicadas estampas de pétalas de cerejeira. – Você vai vir visitar a gente? – os olhinhos bem redondos e infantis brilhavam sedutoramente.
Sorriu de novo para a pequenina.
- Pode deixar. Aguarde que quando menos esperar eu vou aparecer pra ver vocês. – piscou.
- Obaa!
As outras criancinhas ali presentes também ficaram felizes com a afirmação de sua professora substituta tão amada.
Suspirou pesadamente. Agora tinha que ir. Não podia mais ficar prolongando... Ou o trem a deixaria perder sua decisão.
- Pessoal... Não vamos fazer disso uma despedida. Eu estou voltando logo, certo? – disse isso, mas queria estar convencendo a si mesma também. – Mas vejam se não caiam na desordem sem mim!

Renji continue estudando e arrumando menos confusão possível e Hime-chan, abra os olhos com esses rapazes aproveitadores! – passou os olhos por eles cobrando responsabilidade. – Crianças, continuem estudando e brincando bastante de tarde, mas voltem pra casa quando anoitecer! Papai, não se esforce demais... E mamãe... Não deixa o papai ficar se entupindo de doces!
- Que coisa... Não deveria ser a gente dando as recomendações? – Unohana meneou a cabeça com um sorrisinho.
- Ela gosta de se sentir no controle, então deixa ela achar que está fazendo alguma coisa. – Renji implicou de novo.
- Palhaço! Quero só ver como vai estar quando eu voltar! – retrucou irritadinha.
- Pode deixar filha... Não se preocupe com a gente. – o homem de cabelos brancos beijou a testa da pequena. – Estude bastante e alcance seu sonho... Mas divirta-se também. E saiba que pode voltar quando quiser. – sorriu acariciando a pequenina mão da menina que queria crescer mais e mais.
Os olhos tremeram um pouco. Era difícil... Mas era necessário. Por ela. Por todos.
- Então... – deu alguns passos atrás em direção ao trem tentando ignorar o coração balançado. – Até logo. – e acenou rapidamente. Virou-se de costas para não ficar olhando aquela fotografia que ficaria ali... Que ficaria guardada em seu coração por alguns longos meses.
Tentava não ouvir as vozes que ainda gritavam seus “até logo”. Elas não sairiam de sua mente...
Entrou no trem com seu propósito firme, sem olhar pra trás. Sentou-se tentando imaginar que realmente voltaria bem loguinho... E que ia viver muito enquanto o tempo passasse.
Segurou o vestido quando já estava acomodada, de olhos fechados. Apesar da força que estava fazendo, não conseguia não sentir aquele aperto no peito.
- Seguir em frente, Rukia... – repetia para si mesma. – Seguir em frente...
Olhou a janela ao seu lado, sua imagem refletida. Não parecia nem de longe uma mulher de dezenove anos. Tão pequena, tão frágil, o rosto infantil e delicado. Assim como o corpo.

E isso fez com que lembrasse de algo. Ou de alguém.
Suspirou sentindo o coração acelerar dolorido. Não devia estar pensando naquilo, mas...
-“Será que ele sabe que eu estou indo embora...? Será que... Ele sente falta?” - ... não podia evitar.
Quando já começava a ficar sem ar por conta daqueles pensamentos inúteis que já deviam ter sido apagados há muito tempo, um homem atrapalhado apareceu tropeçando na própria bagagem e acabou por distraí-la.
Riu de leve.
- Então é hora de mudar, Rukia. – voltou a encarar-se no vidro com os olhos azuis mais decididos. – É hora de uma vez por todas de crescer.
E alguns segundos depois da afirmação, os olhos sem querer caíram naquele pacotão de doces.
- Hmm... Mas acho que não faz mal um pouquinho de chocolate... – pegou a barra de chocolate do coelhinho sorridente. – É apenas um chocolate. – e mordeu o doce com vontade, tentando ignorar a figurinha brilhante colada na parte de dentro da embalagem, já se sentindo bem melhor.


****

O céu não mudou de cor. Era azul e ensolarado. O céu não se transformou. Aos olhos de quem o observasse, continuava o mesmo céu do meio-dia de todos os dias.
Aos olhos de quem o observasse.
Mas no coração de quem sentisse, certamente, certamente alguma coisa já não era a mesma.

Encarou aquele prédio branco e simples e ficou tentando imaginar se estava mesmo no lugar certo. Conferiu no papelzinho que carregava. Não é preciso mencionar que seu coração estava a mil... Estava mesmo de frente para sua nova casa pelos próximos cinco anos?
Avançou um pouco. Pôs os pés dentro do prédio. Observou o pequeno hall, onde havia uma mesa de recepção sem ninguém por trás e um elevador no canto. Parecia um hotel bem modesto.
- Olá... – chamou meio hesitante olhando para os lados. – Tem alguém aí? – ia andando devagar para dentro.
- Ohhh, Rukia-chan, você chegou! – de repente um homem espalhafatoso com uma cara bem alegre apareceu correndo balançando seus compridos cabelos cacheados no ar.

- Shunsui-san! – ela sorriu se sentindo mais tranqüila. – Pensei que tivesse errado o lugar.
- Ohh querida, pode me chamar de tio Shunsui! – piscou. – Olha só pra você... Está tão bonita! Seu pai não errou nadinha na descrição! – pegou as malas que ela segurava. – Pode deixar que eu levo isso pra você!
Foram caminhando em silêncio até o elevador. Mas um silêncio bem animado dentro de cada um.
- Então... Dá muito trabalho tomar conta dessa república de estudantes? – ela arriscou um assunto enquanto ele acomodava as malas dentro daquela caixa que sobe e desce.
- Que nada, que nada! – ele balançou as mãos. – Eu deixo todo mundo bem livre! E na verdade, não temos muitos estudantes... Muitos desistem de morar aqui...
Arregalou os olhos. Será que tinha se metido numa furada?
- Mas não se assuste, Rukia-chan! – o homem quis consertar depressa. – Os motivos de se querer ir embora daqui não são tão assustadores. – sorriu. – Pra você ter uma idéia, tem duas crianças morando aqui também.
- Oh! – espantou-se com a afirmação.
Chegaram ao segundo andar e a pequena não parava de olhar para os lados. Percebeu que o corredor era um pouco escuro, a luz estava meio falhada. E haviam apenas duas portas.
- O seu quarto é esse aqui. – Shunsui apontou colocando as malas no chão. – O quarto das meninas. Atualmente só moram duas aí, então, dá bastante espaço pra três.
- E o quarto ao lado é o quarto dos meninos? – espiou curiosa a porta do outro lado.
- Sim. E só tem dois meninos aí... – balançou os ombros. – Um deles saiu tem poucos meses... Mas acredito que entrem mais estudantes na república esse ano!
- E o que há no terceiro andar?
- Não há nada, é apenas um terraço. – respondeu alegre.
- Hã? E por que é que tem um elevador apenas para dois andares? – espantou-se.
- Ahh, é que eu sofri alguns acidentes com os degraus quando não estava... Hun... Você sabe, muito sóbrio.
- Ah... – sorriu meio sem graça. – Entendo.

- Bem, agora vou deixar que você mesma abra a porta e descubra sua nova vida com as meninas. – foi andando de volta em direção ao elevador. – Se precisar de qualquer coisa, fale comigo ou com Nanao-chan na recepção. E lembre-se que não temos regras nessa república, fique à vontade!
- Obrigada. – disse com um pequeno sorrisinho de agradecimento até o homem desaparecer.
Suspirou e pôs a mão na maçaneta da porta. Ia ser bem simples. Não tinha porque estar tão nervosa.
Girou-a e empurrou a porta para dentro. E ali seria sua nova casa.

****

Abriu a porta resmungando qualquer coisa. Parecia mais alguns palavrões malcriados.
- E vê se não me convida mais pra vir a essa república idiota com pirralhos nerds mais idiotas ainda! – berrou.
- Mas Ichigo... Foi você que veio me bater por vontade própriaaa! – o moreno chorava caído no chão.
- E meu nome é Hitsugaya Toushirou! Não me insulte na minha própria casa! – um baixinho carrancudo de olhos azuis esverdeados retrucou no mesmo tom do esquentadinho.
Bateu a porta. Como iria morar num lugar como aqueles? Que idéia mais sem cabimento!
Foi pisando duro até o elevador. Não voltaria mais ali. Era melhor ficar em casa estudando mesmo.


****

- Boa tarde... – Rukia foi entrando estacionando as malas em um canto. Encontrou uma pequeníssima cozinha vazia e foi avançando. – Tem alg...
- É ELA! – de repente deu de cara com uma loira de olhos muito azuis e os maiores seios que já vira na vida. – Momo! É ela! Ela chegooou! – berrava histericamente, tão animada como se estivesse vendo uma celebridade.
- Ahhh! – a tal da Momo apareceu correndo e abriu um largo sorriso ao ver a nova integrante da casa. – Bem vinda, Rukia-chan!
- O-obrigada... – ficou um tanto sem graça e assustada. – Mas como é que sabem meu nome?
- Ahhh, o tio Shunsui falou a semana inteira que viria pra cá! – Momo riu. – Fico feliz de ter mais alguém no apartamento!

- Hmm... – enquanto isso a loira rodeava a pequena observando-a meticulosamente. – Então você também é uma superdotada? – arqueou uma sobrancelha e segurou o queixo, com pinta de detetive.
- N-não – balançou as mãos modestamente - Eu...
- Então também veio se escorar nos meus ombros porque não pode ficar com a família? – continuou arriscando com aquele olhar de suspeitas.
- Não! – afirmou com força. - Eu só...
- Oh! – gritou então batendo um punho fechado na palma da outra mão aberta. – Você é virgem!
- A-ahn? – ficou vermelha e chocada.
- Rangiku! – Momo repreendeu-a também um pouco corada. – Não liga não, Rukia-chan. – sorriu docemente para a recém-chegada. – Minha prima é meio louca e fala umas coisas muito... – olhou de canto para a prima e não conseguiu achar uma palavra que descrevesse exatamente o que queria. – Bem. – coçou a cabeça sem graça. - Você tem quantos anos?
- Eu tenho dezenove... – diante dos olhos arregalados das duas à sua frente resolveu explicar. – E eu sei que não parece, mas... Bem, é isso. Talvez ainda possa crescer um pouco mais, não é? – sorriu.
- Ah, sem dúvidas! – Momo balançou a cabeça enérgica. – Bem, meu nome é Hinamori Momo, eu tenho doze anos e estou aqui porque minha prima está tomando conta de mim! – soltou um risinho para a peituda.
- E eu sou Matsumoto Rangiku, tenho vinte e dois anos e estou estudando Literatura. – sorriu. – Prazer!
- Meu nome é Ukitake Rukia, mas vocês já sabem, não é? Vim de Kofu para estudar medicina aqui.
- Ohh que coisa mais linda, não é, Momo? Ela ainda consegue ser menor que você e está estudando medicina! – os olhos azuis da mulher brilhavam. - Você deve estar morta de cansada, Rukia-chan! Por que não deixa que desfaçamos sua mala? – sorriu.
- Oh, de jeito nenhum! Eu mesma farei isso! – protestou decidida.
- Já vi que não é preguiçosa como a Rangiku, né? – Momo riu.
- Não! Preguiça realmente não entra no meu vocabulário! – respondeu orgulhosa.

- Fantástico! – a loira bateu palmas sem se ofender nem um pouco com a alfinetada. – Então o que acha de preparar nosso almoço antes de arrumar as malas, hein? Estamos morrendo de fome!
- Prima! – Momo repreendeu novamente.
- Ah, vai dizer que é mentira? – as três ouvem um barulho que mais parecia de um motor. – Haha, está vendo? Seu estômago tá roncando!
A moreninha que usava os cabelos presos corou um bocado.
- Ahn... Tudo bem então. Eu faço o almoço. – Rukia coçou a bochecha um pouco sem jeito. – O que é que vocês têm aí? – foi se dirigindo para dentro da cozinha.
- Nada. – as duas entoaram de um jeito animado demais para a palavra.
- N-nada? – quase deixou o queixo cair. – Mas então, como...
- Toma isso! – Rangiku enfiou algumas notas na mão da pequena de olhos azuis. – Vá até o supermercado e compre alguma coisa beeem gostosa! Enquanto isso eu e a Momo vamos terminar de pintar as unhas! Tchauzinho! – e puxou Momo casa adentro deixando tudo nos estreitos ombros da pequena chocada.
- Ótimo. – murmurou consigo mesma quando conseguiu fechar a boca. – Crescer é assim, certo? Nada de reclamar. – e saiu de seu novo lar que ainda não tivera a chance de entrar e conhecer melhor.
Chamou o elevador e ficou tentando imaginar como encontraria um supermercado numa cidade que nem ao menos conhecia.
Então a porta se abriu tirando-a do transe e revelando um ruivo de cabelos engraçados e espetados com uma cara de bad boy mau encarado que quase a fez rir. Resolveu arriscar.
- Ei, pode me dizer onde fica o supermercado dessa cidade?
Olhou para ela. Tão pequena, os olhos tão grandes e cintilantes olhando-o cheios de expectativas, e aquele vestidinho que parecia de boneca... Mas essa república não cansava de receber pirralhos esquisitos?
- Não, não posso dizer não. – resmungou em resposta e esbarrou no braço dela andando em direção ao quarto dos meninos, murmurando alguma coisa azeda.
Enfureceu-se.

Mas então ele era daquele tipo mesmo, né? Aqueles que se acham os rebeldes e desprezam a educação achando que esta pode atrapalhar suas reputações de mau. Há, que ridículo!
- Você mora aqui!? – perguntou com a voz deixando transparecer uma leve irritação.
Virou-se para ela empertigado.
- Não. E você? Achou que fosse uma república para pré-primários? Faça-me o favor de ir atrás da sua mãe, ela deve estar preocupada! – virou-se novamente para a porta.
Além de tudo era enxerida. Ninguém merece!
- Quem você pensa que é? – resolveu falar mais alto. – Tem por acaso alergia a educação? Você não sabe nem quem eu sou, como vai falando essas coisas, assim?
- E você é muito petulante! Eu já disse que não sei onde fica supermercado nenhum. E mesmo se soubesse, não diria pra você! – devolveu no mesmo tom.
- Ah, que infantil, isso! – disse numa voz debochada. – Quem é que está no pré-primário aqui?
- Olha aqui, garota, eu não sei quem você é e também não quero saber! É a última vez que venho aqui, só esqueci minha carteira com um amigo. Cansei dessa pirralhada chata! Agora se quer saber onde é o supermercado, apenas ande lá fora que você vai ver escrito beeem grande “Supermercado”. E não enche mais! – virou-se novamente para a porta.
Abriu a boca para dar uma resposta bem malcriada à altura. Mas desistiu e fechou-a. Pessoas como ele... Pessoas repugnantes como ele não mereciam sua atenção nem que fosse para brigar. E não queria mais passar como uma criança na frente de ninguém, chega!
- Certo. – respondeu contida numa voz séria e profissional. – Muito obrigada. Quando vir bem grande escrito “Supermercado”, lembrarei da dica e ficarei profundamente agradecida à sua gentileza. – foi andando até o elevador quando ele virou-se novamente para ela. – Passar bem. – e entrou apertando o botão para que as portas fechassem de uma vez e ela não tivesse que olhar nunca mais pra cara de bunda daquele garoto que a fazia ter vontade de voar no pescoço dele.

- Droga! – bateu o pé no chão quando ela tinha desaparecido. – Que garota irritante! Ainda saiu por cima na história! – sentiu-se levemente tentado a ir até ela e tentar vencer aquela discussão, mas sossegou. – Hunf! Não vale à pena... Não vamos nos ver nunca mais mesmo. – e bateu na porta do quarto dos meninos enfim.

Saiu pelo hall e foi para baixo daquele sol forte novamente. O céu ainda não tinha mudado, não importava o que tivesse acontecido. Aos seus sensíveis olhos, era apenas o céu do meio-dia, quente e azulado.
Mas seu coração sentiu algo bem sutil... E foi com certeza, o céu que o fez mudar.


Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!